Dados da Secretaria de Administração Penitenciária mostram que o número de integrantes da facção criminosa Comando Vermelho nos presídios potiguares cresceu 220% somente neste ano. No mês de outubro, há 251 presos que se declaram membros do CV nas cadeias do RN.
Em janeiro, eram 71 faccionados. Segundo a Seap, a facção vem aumentando sua presença no estado desde 2023 e voltou a disputar territórios com o grupo rival, o Sindicato do Crime.
O Comando Vermelho voltou a ser motivo de debate no Brasil após operação realizada no Rio de Janeiro. A facção também tem atuado no Nodeste.
Em ofício enviado ao Tribunal de Justiça, ao qual a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, o secretário estadual da Administração Penitenciária, Helton Edi Xavier, afirma que as ações do CV no RN cresceram junto com a disputa de poder com os grupos criminosos locais.
Essa rivalidade ocorre “tanto no ambiente intramuros quanto fora das unidades prisionais, refletindo-se no aumento do número de homicídios vinculados à referida disputa de facções”.
O Comando Vermelho tem 251 custodiados no RN. Há 14.179 pessoas privadas de liberdade no estado, distribuídas entre todos os regimes prisionais.
A presença de membros de facções rivais nos presídios acende um alerta para o risco de conflitos, que podem ser fatais.
Conforme a Seap/RN, apesar da superlotação e do aumento da presença do CV nas unidades prisionais, “a situação encontra-se sob controle, inexistindo qualquer indício que aponte para a possibilidade de repetição do cenário de rebelião ocorrido em 2017”.
No RN, disputas entre organizações criminosas impulsionaram o aumento do número de homicídios em 2025.
Dados da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (Coine), consolidados pela Secretaria da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed), apontam que o mês de setembro teve 68 vítimas de crimes violentos letais intencionais (CVLIs), mais que o dobro das 31 registradas no mesmo período de 2024.
O secretário estadual de Segurança Pública, coronel Araújo, afirmou, em entrevista à TRIBUNA nesta semana, que o aumento dos crimes tem relação direta com o avanço e o confronto entre facções que disputam o controle de territórios. Segundo ele, as forças de segurança têm intensificado as ações de enfrentamento, o que também gera confrontos com criminosos.
Em nota, a Seap/RN afirma que “o crescimento da população carcerária está diretamente relacionado à forte atuação das forças de segurança pública e ao intensivo combate ao crime organizado no estado”. Em 2025, a Polícia Civil já deflagrou 260 operações voltadas ao enfrentamento de crimes de organização e associação criminosa. Do total de ações, 122 tiveram como alvo exclusivo facções criminosas.
Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Segurança Pública e Política Carcerária da OAB/RN, frisa que o crescimento do CV é uma realidade não apenas local, mas nacional. “Existe uma tendência de ramificação dessas facções. A partir do momento em que essas facções procuram se instalar em determinado território, começa a haver conflitos.”
O Rio de Janeiro teve, no início desta semana, a megaoperação mais letal de sua história. A Operação Contenção, que deixou ao menos 121 mortos, visou enfrentar a expansão do Comando Vermelho pelo País.
Conflitos
Para a Seap/RN, as operações já mencionadas “refletem o reforço na integração entre os órgãos de segurança e a efetividade das políticas de enfrentamento às facções, resultando em mais prisões, investigações qualificadas e fortalecimento do sistema penitenciário estadual”.
A Seap/RN afirma que tomou providências para evitar conflitos e resguardar a integridade física dos internos. A pasta realiza, por exemplo, o levantamento dos detentos com indícios de envolvimento com o CV, especialmente aqueles que coabitam com integrantes do Sindicato do Crime. Nesse sentido, já removeu 20 apenados para locais seguros, para evitar a morte deles.
“Os membros identificados do Comando Vermelho foram retirados da Penitenciária Estadual de Alcaçuz onde a presença de ambos os grupos gerava permanente tensão e realocados em um presídio de segurança máxima, o que resultou em expressiva redução de conflitos e estabilização do ambiente prisional”, escreveu em ofício o secretário.
O pesquisador Francisco Augusto Cruz, especialista em segurança pública e sistema prisional, afirma que, no sistema prisional, o Sindicato do Crime ainda é mais poderoso. “O CV ainda é uma facção criminosa muito pequena, mas é muito potente e tem muito dinheiro”, analisa.
Segundo ele, uma forma que o sistema prisional adota para evitar conflitos é uma reclassificação, em que os presos são classificados por tipificação criminal. Informalmente, diz ele, pode existir uma classificação por facção criminosa, para evitar que rivais coabitem.
“Esse sistema de reclassificação é um movimento a nível nacional. É uma orientação, inclusive, do Conselho Nacional de Justiça, que o sistema prisional se organize e racionalize a sua gestão. O que acontecia antigamente, aquelas chacinas todas, é que [o sistema prisional] chegava e jogava os presos lá dentro e deixava que eles se resolvessem”, diz Cruz.
Ele explica que a regulamentação da prática não traz a orientação para que os presos sejam classificados por facção criminosa, apenas por tipo de crime.
Morte
Em ofício enviado em 21 de outubro ao desembargador Glauber Antônio Nunes Rêgo, supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, o secretário da Seap/RN informou sobre a morte de um preso na Penitenciária Estadual Francisco Nogueira Fernandes (Alcaçuz). Procurado, o desembargador optou por não conceder entrevista.
A reportagem apurou que policiais souberam da morte de Erivan Cleiton Ferreira da Silva por volta das 07h da última terça-feira (21). As causas da morte estão sendo investigadas. No ofício que informava sobre o óbito, a Seap/RN informou sobre o cenário de aumento do CV e a disputa de poder entre as facções criminosas no sistema prisional estadual.
“O Sindicato do Crime passou a determinar a execução sumária de indivíduos que, de algum modo, demonstrassem intenção de filiar-se ou manter vínculos com o Comando Vermelho. Essa ordem criminosa tem produzido uma conjuntura particularmente delicada no interior dos estabelecimentos penais”, escreveu Helton Edi Xavier.
“Presos já integrados ao Sindicato não acreditam estar em risco e acabam sendo vitimados por seus próprios comparsas”. Conforme ele, tudo indica que isso ocorreu no episódio de 21 de outubro.

