Matemático propõe novo método de medir montanhas e tira Everest do topo - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
FatorRRHFatorRRH — por Ricardo Rosado

Natureza 21/10/2025 12:05

Matemático propõe novo método de medir montanhas e tira Everest do topo

Matemático propõe novo método de medir montanhas e tira Everest do topo

Montanhas fascinam a humanidade desde sempre. E, para uns povos, elas eram divindades – e, para outros, berços de mitos.

Calcular a elevação desses colossos também é algo que instiga há milênios. Estrabão, geógrafo grego que viveu 2 mil anos atrás, menciona, em sua obra enciclopédica Geografia, uma série de montanhas. Um exemplo:

“Arcádia fica no meio do Peloponeso. A maior parte do território que a abrange é montanhosa. A maior montanha é Cilene. Alguns dizem que sua altura perpendicular é de 20 estádios, enquanto outros dizem que é cerca de 15.”

“Estádio” era uma medida de comprimento usada na Grécia. Convertendo: 15 estádios são 2.775 metros, o que mostra que o cálculo não estava tão equivocado, pois o Monte Cilene (onde, segundo a mitologia, nasceu o deus grego Hermes) tem 2.336 metros de altitude.

“As primeiras medições científicas conhecidas de montanhas foram feitas por Dicearco, Eratóstenes e Xenágoras”, explica um artigo da Isis, publicação da Sociedade da História da Ciência. Dicearco, o mais antigo deles, viveu no século 4º a.C.

Desde então, nós nos acostumamos a usar a elevação, ou seja, a altura de um pico em relação ao nível do mar, como a principal medida para tratar e diferenciar montanhas. O termo “altitude” pode ser mais comum, mas, tecnicamente, a altitude pode ter qualquer ponto de referência, enquanto a elevação usa sempre o nível do mar como ponto de partida.

Livros escolares, almanaques de curiosidades, revistas de viagem, documentários e até game shows na TV estimularam esse tipo de informação. Nomes como Everest, Aconcágua, Mont Blanc, Kilimanjaro e Pico da Neblina são conhecidos, justamente, porque são recordistas, locais ou globais, nessa tradicional medição.

Mas, por mais altas que sejam, não significa que elas sejam sempre as mais impressionantes. Uma outra fórmula pretende sanar isso. Ela foi criada para medir, digamos assim, o nível de embasbacamento que um pico causa.

Não é filosofia nem poesia. É matemática.

Conheça o jut

O problema da altitude, para medir montanhas, é que ela é limitada. “A altitude, relacionada ao nível do mar, não serve para definir montanha, muito menos se ela é alta ou baixa”, explica Antônio Paulo de Faria, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em um artigo na Revista Brasileira de Geomorfologia.

“Para classificar uma montanha, deve ser levado em conta o relevo relativo”, diz. “Para a geomorfologia, em geral considera-se montanha como uma elevação cuja altura em relação à base é maior que 300 metros e com vertentes de inclinação acentuada”. É o caso do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro (RJ), que tem 392 metros de altura e também de altitude, uma vez que está no nível do mar.

Já o Pico das Agulhas Negras, em Itatiaia (RJ), tem uma altitude de 2.791 metros, o que faz dele o quinto ponto mais elevado do Brasil. Mas sua altura fica em torno de apenas 490 metros, pois sua base fica no platô de Itatiaia, a cerca de 2.300 metros acima do nível do mar.

Essa altura relativa, portanto, já tem mais serventia para analisar o quão imponente é uma montanha. Afinal, é aquilo que se eleva diante de nossos olhos que impressiona, e não sua altura em relação ao litoral – algo que, na maioria das vezes, está distante e nem conseguimos ver para comparar.

Mas ela ignora outro fator importante, que é a inclinação. Afinal, quanto mais íngreme for a montanha, mais gigante ela aparenta ser. É aí que entra a fórmula do jut.

O nome vem do verbo em inglês para se referir a algo que se projeta, criando uma saliência. Quão abruptamente uma montanha se projeta em direção ao céu?

O jut pretende unir essas grandezas. A fórmula leva em conta a altura da base ao pico e a inclinação da base ao pico. Quanto maior a saliência, mais imponente se espera que a montanha seja.

Imagine uma face de montanha com elevação de 1.000 metros e inclinação de 30º e outra com a mesma altitude, mas com uma inclinação de 40º: a segunda terá o maior jut.

Já um paredão vertical (90º de inclinação) e 100 metros de altura, um morro de 141 metros elevando-se a um ângulo de 45° e um outro de 200 metros e inclinação de 30° empatam. As altitudes variam, mas o jut dos três é igual.

É isso que a fórmula considera. Não só a altura do pico, como a inclinação. O quanto temos que torcer o pescoço para olhar lá para cima.

Mas aí vem outro ponto, porque tudo depende de onde se olha. O Pão de Açúcar é mais imponente quando se está no bairro vizinho da Urca, aos pés da montanha, do que no alto do Morro da Urca, que tem 220 metros de altura (176 a menos que o Pão de Açúcar).

Por isso, a fórmula é uma função trigonométrica que busca calcular o ponto exato onde o jut é maior. Ou seja, o local de onde a vista para determinado pico é mais impressionante – matematicamente falando:

Q = h x (sen θ)

O criador da fórmula

Kai Xu criou o jut quando era estudante de matemática e ciência da computação na Universidade Yale, nos Estados Unidos, em 2022. Inspirado pelas montanhas da Califórnia, que o maravilhavam na infância, ele queria uma medida que fizesse jus a esses picos que não são necessariamente os mais altos, mas são os mais monumentais.

Xu é o mais novo em uma lista de cientistas e aventureiros que tentam medir montanhas. Dicearco, há 2,5 mil anos, teria usado um instrumento chamado dioptra para comprovar que os montes gregos não eram grandes o suficiente para impactar a esfericidade do planeta. Albiruni, um matemático persa do século 11, introduziu a trigonometria para fazer medições mais corretas de altitude.

No século 19, uma missão britânica teve como objetivo, ao longo de décadas de expedições, medir o relevo do Himalaia. Usando pesados instrumentos de precisão chamados teodolitos, eles criaram uma vasta rede de estações científicas. Comprovaram que a cordilheira tem os picos mais altos do mundo, e seu líder acabou homenageado no maior deles: ele se chamava George Everest.

Com o avanço da tecnologia, muitos cálculos foram refeitos e recordes, quebrados. Inclusive no Brasil.

O Pico da Bandeira, na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, era tido como o mais alto do país. Daí seu nome: por determinação do imperador Pedro 2º, uma bandeira deveria ser instalada no topo do que se acreditava ser o ponto culminante do Brasil.

Hoje, sabemos que o Bandeira tem 2.891 metros de elevação. É o mais alto do Sudeste, mas fica abaixo do Pico da Neblina (2.995 m) e do 31 de Março (2.974 m), os mais altos do país.

Campeãs do jut

Mas, ao medir o jut, o Pico da Bandeira, com 484 metros, não fica nem entre os 15 mais do Brasil. Fica abaixo, por exemplo, da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro (504 m), do Monte Roraima, em Roraima (540 m), além do 31 de Março (873 m) e do Neblina (918 m), ambos no Amazonas.

Se as maiores montanhas brasileiras conseguem ser também as mais majestosas, isso não é, necessariamente, uma regra. O Everest é o exemplo mais notável: a montanha mais alta do planeta – segundo a mais tradicional das medidas, a altitude em relação ao nível do mar – figura apenas em 46º no ranking dos maiores jut.

Mas as 17 primeiras não ficam muito longe, estão no Himalaia. A que lidera o ranking é o Annapurna Fang, no Nepal. Com uma elevação de 7.647 metros, ele tem um jut impressionante de 3.412 metros, muito mais que os 2.221 metros do Everest.

Aquela com o maior jut fora do Himalaia é o Monte Denali, no Alasca. Pico mais alto da América do Norte (5.934 m), tem um jut de 2.576 metros.

Maiores jut do mundo

Nem sempre as montanhas mais altas são aquelas com a maior saliência. Veja abaixo as campeãs a nível global:

Lista de maiores montanhas no mundo, considerando seu jut — Foto: Divulgação
Lista de maiores montanhas no mundo, considerando seu jut — Foto: Divulgação

Maiores jut do Brasil

Lista de maiores jut do Brasil — Foto: Reprodução
Lista de maiores jut do Brasil — Foto: Reprodução

Essas e muitas outras informações estão no site criado por Xu para divulgar a nova métrica: https://peakjut.com/.

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