Para suprir despreparo de calouro, faculdade agora ensina bê-á-bá de português e matemática - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
FatorRRHFatorRRH — por Ricardo Rosado
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Educação 27/07/2023 17:30

Para suprir despreparo de calouro, faculdade agora ensina bê-á-bá de português e matemática 

A Agência Senado identificou instituições de ensino superior em todo o Brasil que oferecem aulas de recuperação aos calouros — também chamadas de reforço, revisão ou nivelamento.

Para suprir despreparo de calouro, faculdade agora ensina bê-á-bá de português e matemática 

Nas aulas de português, o professor explica a diferença entre “porque” e “por que”, apresenta as regras de acentuação das palavras e ensina a construir frases com sujeito e predicado.

Nas de matemática, os alunos aprendem a somar frações, desvendam a lógica da porcentagem e entendem a utilidade da regra de três.

Embora costumem ser destinadas a crianças e adolescentes do colégio, lições tão elementares quanto essas vêm sendo cada vez mais dadas dentro da universidade.

A Agência Senado identificou instituições de ensino superior em todo o Brasil que oferecem aulas de recuperação aos calouros — também chamadas de reforço, revisão ou nivelamento.

A decisão é motivada pela má qualidade das escolas da educação básica, que em geral não conseguem dar aos alunos o conhecimento mínimo para o início de um curso de graduação.

De acordo com a professora Maria da Conceição Azevêdo, que coordena o nivelamento em língua portuguesa no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) na cidade de Bragança, a dificuldade entre os universitários novatos é generalizada:

— Muitos chegam aqui sem conseguir interpretar textos, inclusive enunciados curtos de exercícios, ou escrever de forma compreensível. Já encontrei alguns casos de estudantes analfabetos funcionais, que precisaram ser acompanhados muito de perto.

A UFPA também organiza cursos de recuperação em matemática, física e química.

O professor Ricardo Ruviaro, responsável na Universidade de Brasília (UnB) pelo nivelamento em matemática, conta que é na segunda semana de aula que a recuperação é apresentada aos novatos e iniciada:

— Na primeira semana, quando os calouros dos mais diversos cursos, como as engenharias, começam a disciplina Cálculo 1, eles de imediato sentem o baque e se desesperam. Entendem que não sairão do lugar por não saberem somar número inteiro, fazer divisão por zero, calcular raiz quadrada. Por isso, na segunda semana, quando oferecemos o nivelamento, eles já têm plena consciência do problema e se inscrevem em massa, sem pensar duas vezes.

As instituições públicas, por sua vez, aderiram à tendência mais recentemente, nos últimos seis anos.

Promovem aulas de recuperação, por exemplo, a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), a Universidade Estadual do Maranhão (Uema), a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT).

De forma pragmática, o que as instituições buscam é reduzir a repetência dos estudantes e a taxa de abandono dos cursos.

Alguns dias atrás, a equipe de reportagem da Agência Senado acompanhou uma aula de matemática básica na UnB. O anfiteatro estava lotado de alunos de diversos cursos. Dos 200 presentes, muitos faziam anotações no caderno, outros digitavam no laptop e alguns usavam o celular para fotografar as fórmulas que o professor deixava no quadro-negro.

Entre os participantes, estava Vitória Floriza, que tem 24 anos e está no quarto semestre do curso de estatística. Ela conta que sua vida mudou depois que passou a frequentar o curso de recuperação. Antes dele, a estudante foi desligada da UnB por excesso de reprovações. Ela conseguiu voltar à instituição depois de apresentar um recurso.

— Eu cheguei aqui sem base nenhuma em matemática, que é essencial para o curso de estatística. Por mais que os professores explicassem e eu me esforçasse e estudasse, nada fazia sentido. Era como se eles estivessem falando grego. Senti desespero, tive crise de ansiedade, chorei. Minha autoestima foi lá embaixo — ela lembra.

Floriza atribui a sua defasagem à escola pública que frequentou.

— Eu só me dei conta de que a minha formação escolar era falha quando cheguei à universidade. Lembrei que era bastante comum que os professores chegassem ao fim do ano tendo nos ensinado apenas a primeira metade dos livros didáticos. Isso acontecia em quase todas as disciplinas. Isso significa que fiquei sem aprender metade de todo o conteúdo do ensino médio.

Quando foi reintegrada, recebeu a orientação de frequentar as aulas de recuperação. Não se pode dizer que o que ela está vendo agora seja exatamente reforço ou revisão. Trata-se, isso sim, de uma completa novidade. Floriza avalia:

— Tudo mudou. Meu desempenho melhorou bastante e entendi que não era uma incapacidade minha. O que me faltava eram simplesmente as aulas que não tive na escola.

Fonte: Agência Senado

O professor Ricardo Ruviaro dá aula de matemática básica a estudantes da Universidade de Brasília (Ana Volpe/Agência Senado)

As federais de Brasília e do Pará dizem que o déficit de conhecimento afeta igualmente os alunos oriundos de escolas públicas e os de escolas privadas. Tampouco há diferença significativa entre cotistas e não cotistas, que começam o curso superior com dificuldades parecidas.

Nas duas universidades, os estudantes são livres para frequentar ou não os cursos de recuperação, que não fazem parte da grade curricular oficial da graduação. Trata-se de aulas paralelas. Participa apenas quem sente necessidade.

Na UnB, dos 40 mil estudantes de graduação, o expressivo público de 3 mil tem assistido voluntariamente às lições de matemática básica neste semestre.

— Embora não haja chamada, nota ou reprovação, a participação no nivelamento é alta durante o semestre inteiro porque os estudantes se motivam quando passam a ter um bom rendimento nas disciplinas obrigatórias — continua Ruviaro, da UnB.

As universidades privadas foram as primeiras a adotar as aulas de recuperação, no fim da década de 2000.

Na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), estão obrigados a assistir às lições básicas de português e matemática os calouros que obtiveram pontuação baixa nessas disciplinas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), de São Paulo, o reforço de português e matemática não é compulsório. No entanto, a instituição estimula a adesão oferecendo pontos extras nas disciplinas obrigatórias aos estudantes que participam.

No Centro Universitário Carioca (UniCarioca), no Rio de Janeiro, as aulas de recuperação existem há 12 anos e a elas podem assistir os alunos e também os seus familiares próximos. A instituição abriu o acesso por entender que o português e a matemática são imprescindíveis não apenas para a vida acadêmica, mas para a vida cotidiana.

Fonte: Agência Senado

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