Mulheres já são maioria na Previdência. As regras para aposentadoria terão que mudar? - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
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Previdência 03/11/2025 05:39

Mulheres já são maioria na Previdência. As regras para aposentadoria terão que mudar?

Mulheres já são maioria na Previdência. As regras para aposentadoria terão que mudar?

O número de mulheres na folha do Regime Geral de Previdência Social — incluindo idosas de baixa renda que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC), de um salário mínimo — cresce mais rápido que o de homens.

Desde 2018, elas são mais da metade dos beneficiários, refletindo a maior inserção feminina no mercado de trabalho formal e o fato de se aposentarem mais cedo.

Como as mulheres vivem mais, a tendência é que fiquem com fatia cada vez maior da Previdência, ampliando o desafio de reequilibrar financeiramente o sistema. É o que mostra um estudo do especialista Rogério Nagamine, baseado no Anuário Estatístico da Previdência.

Em 2001, elas eram 4,5 milhões de aposentadas e titulares de BPC, 44% do total de beneficiários. Como a taxa de formalização sempre foi maior entre os homens, a Previdência também era predominantemente masculina. Isso mudou a partir de 2018.

Em 2023, último ano com dados consolidados disponíveis, o número de mulheres quase triplicou, chegou a 11,8 milhões, 51,2% do total. A parcela masculina cresceu em ritmo menor: de 5,7 milhões para 11,2 milhões.

Segundo Nagamine, além da aposentadoria, benefícios como pensão por morte e salário maternidade consolidam a maioria feminina no sistema previdenciário. De um gasto de R$ 64,1 bilhões do regime geral em dezembro de 2023, R$ 34 bilhões (53%) foram para mulheres. Eles ficaram com R$ 30,1 bilhões (47%).

Na previdência dos servidores da União, a diferença é ainda maior em favor das mulheres, exceto no Legislativo. Nos estados e municípios, a maioria feminina é mais antiga por causa do grande número de professoras, que param de trabalhar ainda mais cedo que mulheres de outras profissões.

A Reforma de Previdência de 2019, que introduziu a idade mínima com regras de transição até 2031, estabeleceu 62 anos para mulheres e 65 para homens, com 30 anos de contribuição mínima para elas e 35 para eles, mantendo a distinção da regra anterior, por tempo de serviço. Para professoras, a idade mínima é 57 anos e o tempo de contribuição, 25. Para homens docentes, são 60 e 30 anos.

Diante do agravamento do quadro deficitário da Previdência no país, o estudo de Nagamine sugere um debate sobre o fim dessas diferenças.

— Diante das tendências demográficas e do mercado de trabalho, a predominância de mulheres entre os aposentados deve continuar e não pode deixar de ser levada em consideração na formulação de políticas públicas previdenciárias de médio e longo prazos — defende o pesquisador.

Dupla Jornada

No debate da reforma, foi cogitado igualar as regras para homens e mulheres, mas houve resistências no Congresso por tocar em conquistas das mulheres diante de desvantagens estruturais que permanecem. A regra distinta serve para compensar a dupla jornada da mulher, sobre quem culturalmente ainda recai a maior parte do trabalho doméstico e de cuidados com filhos e idosos.

Uma pesquisa do IBGE em 2022 estimou que, em média, uma brasileira gasta 21 dias a mais que um homem com afazeres domésticos no ano. Esse desequilíbrio é familiar para a ex-professora Joscilene Souza, de 57 anos, que se aposentou aos 51.

Moradora de Volta Redonda (RJ), ela e as duas irmãs formam a primeira geração de mulheres da família a trabalhar fora de casa e a alcançar a aposentadoria. Quando se casou e teve duas filhas, contou com o apoio da mãe, dona de casa, e de uma empregada, mas ainda assim sentiu o peso das tarefas domésticas.

— Meu marido na época trabalhava em São Paulo, só vinha para casa nas folgas, então ficava tudo sob a minha responsabilidade — diz Joscilene, que vê na aposentadoria especial para docentes uma forma de compensar o trabalho em vários turnos e fora de sala, na preparação de aulas e correção de avaliações.

Mesmo tendo se aposentado cedo, ela não estimula o interesse de uma das filhas pelo magistério:

— Quando um filho quer seguir a profissão da mãe, geralmente é motivo de orgulho. No meu caso, é diferente: não desejo isso porque sei bem como é. O ambiente de trabalho do professor é muito desgastante, precisa ter algum benefício.

Nena Düppré, de 77 anos, foi uma das primeiras mulheres a se formar em engenharia mecânica. Aposentada desde 2006, depois de uma passagem pela gestão pública, ela se lembra de quando se separou do marido e ficou com os três filhos adolescentes e as responsabilidades do lar:

— Quando o homem se separa da mulher, ele se separa dos filhos também. É a mulher quem cria. Ficamos sobrecarregadas. Cuidamos de tarefa escolar, damos atenção. Quando eu era casada, já era assim.

Especialistas se dividem

As regras especiais para mulheres dividem especialistas. Alguns argumentam que as mudanças geracionais e a demografia obrigam a uma revisão da aposentadoria feminina.

Por outro lado, admitem que faltam serviços públicos como creches, escolas de tempo integral e centros para idosos que permitam às mulheres, sobretudo as de menor renda, permanecer no mercado contribuindo por mais tempo para a Previdência.

O diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Diego Cherulli, defende as regras atuais:

— Brigamos muito por isso na Reforma da Previdência, é uma forma de justiça social. As mulheres no Brasil têm dupla, tripla jornada, e a sociedade não está evoluída o suficiente para que tarefas hoje designadas às mães sejam divididas. Ainda há machismo, muita situação que afasta a mulher do mercado de trabalho.

A procuradora Zélia Pierdoná, especialista em Direitos Sociais, avalia que o melhor seria seguir países que têm regras iguais, mas dão acréscimos compensatórios no tempo de contribuição só para mulheres que tiveram filhos:

— Imagine uma mulher e um homem, ambos sem filhos. O direito existe só pelo simples fato de ser mulher.

O ex-secretário da Previdência Leonardo Rolim também propõe compensação focada, mas na forma de um adicional do valor do benefício pelo número de filhos, não com idade mínima menor para todas as mulheres. É o caso de países como Espanha e Chile, ele cita. Segundo o estudo de Nagamine, em 2023, o benefício médio de aposentadas do INSS era de R$ 2.067, 10% menos que o dos homens.

— Enquanto os filhos estão pequenos, elas tendem a sair do mercado ou a reduzir a jornada, ficando com uma densidade contributiva menor e, consequentemente, um benefício menor — observa Rolim. — Isso deve ser atacado, e não para qualquer mulher, mas para as que têm filhos.

Para Marina Battilani, presidente da SP Previdência, regime próprio de previdência dos servidores de São Paulo, igualar a idade mínima seria um passo importante para o equilíbrio atuarial dos regimes previdenciários, quando se traz a valor presente os compromissos com benefícios no futuro, já que o número de mulheres que contribuem para a Previdência vem crescendo:

—Toda regra deve ser revista e, já há alguns anos, não faz mais sentido a diferenciação.

Inclusão feminina

Formada em TI, Márcia Lopes Kapoor começou a trabalhar aos 18 anos. Ingressou aos 26 por concurso no Banco do Brasil. Aposentou-se pelo INSS em 2018, aos 55 anos, com 32 de contribuição, mas continuou no BB. Só parou no ano passado, aos 60. Para ela, mesmo com estabilidade no emprego e rede de apoio, não foi fácil conciliar carreira e o cuidado da casa e dos filhos:

— Foi desafiador, mesmo com todo apoio. Temos muito mais afazeres, sobrecarga de trabalho e emocional. Toda mulher fica com um pouco de peso na consciência por não conseguir se dedicar mais aos filhos. Só acaba quando você vê que viraram bons adultos.

Se o avanço das mulheres na Previdência representa mais gasto adiante, há por outro lado um componente de inclusão. Sônia Martins, de 62 anos, não é a primeira da família a trabalhar fora, mas foi a primeira a se aposentar, em 2024, como empregada doméstica.

—Minha mãe também foi doméstica, mas nunca teve a carteira assinada. Criei minha filha só com a ajuda dela — conta Sônia, que foi mãe solo, mas não vê problemas em regras previdenciárias iguais para homens e mulheres. — Eles também trabalham muito e, muitas vezes, começam antes.

A aposentadoria foi comemorada, mas não é suficiente para viver, e Sônia continua a trabalhar. De segunda a sexta, ela trabalha na casa de uma família de Copacabana, no Rio, mas tem mais tempo para si mesma. Duas vezes por semana faz ginástica em uma praça com outras aposentadas.

Rosana Veleda, de 60 anos, ainda não se aposentou, mas defende a antecipação para as mulheres. Depois de atuar em publicidade, ela passou a trabalhar com a filha, microempreendedora no ramo escolar e alimentício. Atualmente, Rosana contribui como autônoma para o INSS e espera se aposentar em 2027, aos 62.

— A gente trabalha fora, mas é sempre chamada na escola dos filhos ou para cuidar dos pais. Estas não costumam ser tarefas dos homens — diz.

Deu em O Globo

Ricardo Rosado de Holanda
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Descrição Jornalista