Passado mais de um ano desde sua criação, em junho de 2024, a chamada taxa das blusinhas cumpriu as projeções mais pessimistas.
Levantamento da LCA Consultoria Econômica mostra que a medida não mexeu na oferta de emprego nos setores mais protegidos, onerou, como esperado, as compras dos mais pobres e levou à perda de arrecadação nos estados.
Dados de comércio exterior apontam que houve retração nas encomendas de baixo valor, “equilibrando o jogo”, com reivindicaram setores que reclamavam da concorrência desleal do importado.
Imediatamente após a instituição do imposto, a tendência de aumento nessas aquisições foi interrompida.
Houve uma queda de 43%. Mas não o suficiente para impactar a demanda interna a ponto de gerar empregos.
“Era evidente que o imposto reduziria a importação, aumentaria o custo dos produtos, especialmente para as famílias de classe média e baixa, mas esperava-se alguma contrapartida na geração de emprego —e o que mais surpreendeu é que a gente não consegue enxergar esse impacto positivo”, afirma o diretor da LCA e coordenador do estudo, Eric Brasil
Segundo o consultor, nos 12 meses seguintes à criação da taxa, o emprego na indústria e no varejo cresceu 0,9%, enquanto avançou 3% no conjunto da economia brasileira. Na avaliação dele, a estatística demonstra que o mercado de trabalho não reage a mudanças pontuais de tributo —nem para mais nem para menos, até pelas características da legislação trabalhista local.
“O custo de contratação e de demissão é alto, e a burocracia trava um ajuste rápido. Aumentar imposto em um setor não faz o empresário sair contratando no dia seguinte”, explica.
Também é preciso levar em consideração os produtos afetados. O imposto de 20% sobre importações de até US$ 50 (R$ 270) feitas diretamente pelo consumidor, via internet, foi instituído pela Lei 14.902/2024.
Embora o apelido tenha sido inspirado no setor têxtil, que era o mais atingido, a cobrança recaiu sobre produtos variados de baixo valor, como cosméticos, eletrônicos e ferramentas, que não são automaticamente substituídos.
Na prática, o que ocorreu foi uma redução no acesso dos pobres a produtos mais diversificados. “O consumidor não pensa: ‘Ficou mais caro comprar lá de fora, então vou comprar na lojinha da esquina’. Muitos produtos vendidos nessas plataformas simplesmente não têm similar nacional”, afirma o autor do estudo.
A partir de dados de outro levantamento, realizado pelo Plano CDE, especializado em baixa renda, a LCA mostra que as encomendas internacionais virtuais ainda estão concentradas. Cerca de 68% são realizadas por consumidores das classes C e D, e outros 5% pela classe E.
O estudo aponta ainda que, por causa disso, 70% do total arrecadado pela taxa das blusinhas é pago por famílias das classes C, D e E, que ainda recorrem a sites internacionais em busca de preços acessíveis.
“Não tem novidade aí, apenas uma constatação: qualquer imposto sobre consumo é regressivo. Pesa mais na renda dos mais pobres”, diz Brasil.
O estudo indica que o impacto médio da taxa é inferior a 0,5% na renda das famílias mais ricas, mas ultrapassa 1% para a classe E.
“Para uma família rica, aquele imposto de 20% não faz cosquinha. Já para as mais pobres, qualquer aumento no preço pesa na decisão de consumo —é o tipo de família que está sempre contando moeda.”
O levantamento mostra ainda que, entre os consumidores de menor renda, a taxa elevou o número de desistências de compra de 35% para 45% desde sua implementação, mas um bom número de consumidores persiste na aquisição, pagando mais caro.
O impacto nas contas públicas também foi errático e marginal. Considerando a União, houve um ganho médio de R$ 265 milhões por mês, o que representa apenas 0,08% do total da arrecadação federal.
Por outro lado, reduziu a arrecadação de ICMS dos estados em R$ 258 milhões mensais. Em termos líquidos, a diferença a mais é de apenas R$ 7 milhões.
A LCA lembra que a popularização do ecommerce é um processo generalizado, que mexeu com a tributação mundo afora. Normalmente, os países optaram por fazer um mix, equilibrando imposto de consumo e imposto de importação.
A União Europeia, por exemplo, passou a cobrar imposto de consumo para remessas internacionais de baixo valor, mas não aplicou imposto de importação.
Segundo a Global Express Association, que representa as principais empresas de entrega expressa internacional, mais de 90 países têm regras para isentar imposto de importação das remessas de baixo valor.
Na América Latina, o Brasil adotou os 20% de imposto de importação e manteve o imposto de consumo entre 17% e 20%, somando praticamente 40% e destoando dos vizinhos. Muitos aplicam alíquota zero de imposto de importação, e diferentes alíquotas para o imposto de consumo: Argentina, 21%, Chile, 19%. Enquanto o Peru tem tudo zerado.
Diante desses dados, a LCA defende que seria mais adequado decretar o fim da taxa das blusinhas e manter apenas o ICMS ou o futuro IVA previsto na reforma tributária.
Segundo a consultoria, a revisão alinharia o Brasil com as economias mais organizadas, simplificando a cobrança do comércio eletrônico sem punir o consumidor de baixa renda.
Deu em Jornal de Brasília

