Fux inocenta Bolsonaro e mais 5 na trama golpista; ministro condena Cid e Braga Netto por 1 crime - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
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Política 11/09/2025 06:37

Fux inocenta Bolsonaro e mais 5 na trama golpista; ministro condena Cid e Braga Netto por 1 crime

Fux inocenta Bolsonaro e mais 5 na trama golpista; ministro condena Cid e Braga Netto por 1 crime
Fux afirmou que a quantidade de material cerceou a defesa dos réus da trama golpistaGustavo Moreno/STF – 10.09.2025

A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) retomou nesta quarta-feira (10) com o voto do ministro Luiz Fux o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus do chamado núcleo 1 da trama golpista. Fux falou por cerca de 12 horas. O voto do ministro tinha 429 páginas.

A sessão desta quarta estava prevista para acontecer apenas pela manhã, mas se estendeu até a noite e teve quatro intervalos ao longo da sustentação de Fux.

Após os votos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino na terça-feira (9), pedindo a condenação dos réus por todos os cinco crimes imputados pela PGR (Procuradoria-Geral da República), Fux abriu divergência e votou pela absolvição total dos seguintes réus:

  • Jair Bolsonaro, ex-presidente;
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional);
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
  • Alexandre Ramagem, deputado federal e ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Contudo, Fux votou para aceitar a acusação contra o tenente-coronel Mauro Cid e o general Walter Braga Netto por um crime: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito. Com isso, há maioria de votos para condená-los por essas infrações.

Além disso, o ministro votou para suspender por completo a ação penal contra Ramagem.

Mauro Cid

Com relação a Mauro Cid, o ministro votou para que ele seja responsabilizado criminalmente só pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, que para Fux deve absorver o crime de golpe de Estado.

Dessa forma, segundo o voto de Fux, a análise da conduta de Mauro Cid para esses dois crimes é concentrada na tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito.

Na avaliação do ministro, Cid teve participação ativa em ações e discussões visando desestabilizar o Estado e impedir a transição de poder.

Por outro lado, Fux julgou improcedente o pedido de condenação de Cid pelo crime de organização criminosa. “Não há qualquer prova nos autos que o réu se uniu com mais de quatro pessoas para, de forma duradoura, praticar número indeterminado de crimes destinados à tomada de poder no Brasil. O réu não integrou uma entidade autônoma com processos próprios.”

Fux também votou para absolver Cid pelos crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

“Não há qualquer prova nos autos de que o réu Mauro Cid tenha determinado a destruição dos bens. As condutas do réu em reuniões das quais ele participou, citadas pela acusação, embora possam determinar a responsabilidade por outros crimes, não demonstram que o réu tenha ordenado a alguém que causasse os danos ocorridos no 8 de Janeiro”, disse.

“Não é possível determinar quais bens ele teria danificado ou destruído. E quais deles eram tombados. A responsabilidade criminal deve ser atribuída a quem efetivamente causou os danos, e não a quem sequer estava no local ou determinou a prática de qualquer ação”, completou.

Almir Garnier

Fux defendeu a absolvição do ex-comandante da Marinha Almir Garnier da acusação de todos os crimes imputados pela PGR.

Sobre a acusação de integrar organização criminosa, ele disse que “a conduta narrada na denúncia e atribuída ao réu Almir Garnier está muito longe de corresponder à de um membro de uma associação estável e permanente, estruturalmente ordenada com divisão de tarefas voltada à obtenção de vantagem ilícita mediante a prática de crimes punidos com pena maxima superior a 4 anos”, disse.

“A mão tem que entrar na luva, os fatos têm que corresponder ao tipo penal. Não há qualquer evidência que o réu tenha aderido a uma organização criminosa”, reforçou o ministro, acrescentando que as reuniões que Garnier teve com Bolsonaro e outras autoridades em 2022 nas quais teria discutido medidas excepcionais não são prova de que “tenha havido deliberação de praticar, de modo estável e permanente, crimes indeterminados”.

Fux também votou para absolver Garnier por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito ou golpe de Estado. Segundo a acusação da PGR, o ex-comandante da Marinha teria colocado “tropas à disposição” de Bolsonaro para um eventual golpe.

Contudo, o ministro comentou que “apenas a afirmar que está à disposição ou que tropas estão à disposição, não corresponde efetivamente a um auxílio material concreto”.

A denúncia, segundo Fux, não imputou a Garnier a conduta de ter efetivamente convocado suas tropas ou as mantido de prontidão. Ele afirmou que há uma “enorme distância” entre o “apoio” (ou mera declaração de disponibilidade) e a “efetiva execução da medida e prestação de auxílio”, distância que, segundo o ministro, “não foi percorrida pelo réu”.

Jair Bolsonaro

O ministro também defendeu a absolvição total de Bolsonaro. Ele argumentou que as condutas praticadas pelo ex-presidente durante o mandato não podem configurar o crime de golpe de Estado.

Ele explicou que o Código Penal, ao criminalizar a tentativa violenta de “depor o governo legitimamente constituído”, pressupõe a prática de conduta tendente a remover o presidente em exercício. Como Bolsonaro era o próprio presidente à época, ele não poderia “depor o governo”, segundo Fux.

Fux também disse que não pode imputar a Bolsonaro a responsabilidade pelos crimes praticados por terceiros em 8 de janeiro de 2023. Ele considerou que essa acusação, que busca vincular Bolsonaro aos atos de depredação como decorrência de discursos e entrevistas proferidos ao longo do mandato, não encontra amparo na legislação criminal.

O ministro destacou que não é possível considerar alguém partícipe de um crime praticado meses ou anos depois por terceiros, com os quais não possui relação, “tão somente por ter proferido palavras e falas genericamente consideradas como incentivo à ruptura institucional”.

Fux também rebateu as acusações sobre a “minuta do golpe” contra Bolsonaro, afirmando que os documentos não passaram de “cogitação” ou “atos preparatórios” sem potencial executório. O ministro avaliou que não havia provas robustas de que Bolsonaro tivesse conhecimento ou participação ativa e dolosa na elaboração dos textos ou apresentação com intento criminoso.

Além disso, o ministro disse que a própria acusação da PGR tem contradições e falhas que impedem um juízo de certeza necessário para uma condenação.

Braga Netto

Fux votou para condenar Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e absolver o general pelos demais crimes.

O ministro defendeu a condenação pela participação do general no planejamento e financiamento da “Operação Copa 2022”, que visava monitorar e assassinar autoridades, como o ministro Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Fuz lembrou que Braga Netto foi o responsável por financiar a ação dos “kids pretos”, conforme declarado por Mauro Cid. Dias após a reunião, um coronel solicitou dinheiro para as operações discutidas, e Braga Netto entregou o valor (em uma sacola de vinho), afirmando que o dinheiro havia sido obtido junto ao “pessoal do agronegócio”.

Embora Braga Netto tenha negado em juízo ter entregue o dinheiro, alegando que pensou ser para campanha e direcionou Cid a um tesoureiro, o ministro considerou o financiamento comprovado.

Fux enfatizou que a morte violenta de um integrante da Suprema Corte seria um “episódio traumático para a estabilidade política do país”, gerando comoção social e colocando em risco a separação dos Poderes, a alternância democrática do poder e a confiança da população nas instituições.

Paulo Sérgio Nogueira

Fux votou a favor da absolvição completa do ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro. Ele disse que a denúncia não apontou que Paulo Sérgio Nogueira tenha convocado as Forças Armadas para permanecer de prontidão para um eventual golpe militar.

Além disso, o ministro pontuou que o atraso na entrega do relatório das Forças Armadas sobre as urnas eletrônicas é “reprovável, mas não um ato executório”.

Fux reiterou que crimes de atentado exigem início de execução, não bastando cogitações, ventilações de ideias ou atos preparatórios.

Segundo ele, o desejo ou aprovação de uma ruptura institucional, sem atos concretos que deem início à execução, não preenche os elementos dos tipos penais.

Augusto Heleno

Fux também votou para absolver Augusto Heleno de todas as acusações da PGR.

“Os documentos que embasam a acusação foram disponibilizados de forma desorganizada com nomes desconexos e dezenas de páginas de um servidor. O sucinto capítulo da peça acusatória referente a Heleno ignorou solenemente os centenas de milhões de megabytes de supostas provas e basicamente se limitou a um rascunho rudimentar apreendido com o réu”, pontuou Fux.

“Esse arquivo, fundamental para a narrativa ministerial no caderno de anotações do réu, foi adicionado à pasta eletrônica apenas dois dias antes do interrogatório, evidente violação ao direito a ampla defesa”, acrescentou.

Anderson Torres

Fux também votou para absolver Anderson Torres de todas as acusações da PGR.

O ministro observou que, embora Torres tenha participado de reuniões com militares e autoridades, não há documentos, imagens ou vídeos que comprovem que ele determinou, planejou a abolição do Estado democrático de Direito ou atuou com violência e grave ameaça.

Fux também pontuou que o fato de uma minuta golpista não assinada ter sido encontrada na casa do ex-ministro não caracteriza o início de um ato material.

Fux disse ainda que a acusação de uso da PRF (Polícia Rodoviária Federal) para impedir eleitores de Lula de votar no segundo turno em 2022 não procedeu. Segundo o ministro, a ocorrência de uma blitz em um dos 937 municípios do Nordeste onde o presidente Lula obteve alta votação não autoriza a conclusão de que a PRF estava sendo usada para fins ilícitos.

Fux disse que depoimentos de diversas autoridades, incluindo delegados da Polícia Federal e o chefe de gabinete do ministro da Justiça, foram uníssonos em afirmar que Torres sempre adotou um tom institucional e nunca realizou gestos ou ações com conotação partidária ou plano insidioso de favorecimento político.

Alexandre Ramagem

Fux também votou para absolver Alexandre Ramagem de todas as acusações da PGR.

Segundo ele, a proximidade de Ramagem com Bolsonaro e o alinhamento ideológico, mesmo que confirmados por documentos, não configuram crime. O ministro disse que a criminalização do pensamento, mesmo que “deplorável e inaceitável”, é inadmissível em uma república democrática.

Fux destacou que não há provas de que a Abin tenha monitorado ilicitamente pessoas por ordem de Ramagem ou que isso tenha configurado ato executório violento.

O ministro reconheceu que o “uso indevido da Abin para com desvio de finalidade é deveras reprovável, mas não caracteriza por si só uma ação violenta para tentar abolir o Estado democrático de Direito”.

Defesa da Constituição

Fux começou seu voto defendendo o papel do STF de defender a Constituição.

Ele questionou três preliminares, pedindo a nulidade do processo: apontou a incompetência absoluta da Corte para analisar o caso como foro privilegiado; disse que a quantidade de dados cerceou a defesa; e considerou que Alexandre Ramagem deve responder pelos cinco crimes, e não somente três.

Por outro lado, validou a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, formando maioria.

Ao votar o mérito da questão, Fux argumentou que a existência de plano não significa, necessariamente, que uma organização criminosa esteja por trás. E votou para que a acusação de organização criminosa seja improcedente.

“A imputação do crime de organização criminosa exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos, a pluralidade de agentes. A existência de um plano delitivo não tipifica o crime de organização criminosa”, definiu.

Segundo o ministro, o caso cai no âmbito da reprovação moral e social, “mas não possibilita a atuação do direito penal”. “Se os agentes finalmente decidirem praticar atos e aqueles delitos planejados, responderão de acordo com sua respectiva autoria e participação”, considerou. Também considerou que o emprego de armas não procede e, por isso, não pode ser usado como agravante.

Sobre danos materiais qualificados, Fux afirmou que não há provas de que os réus não agiram para que os participantes do 8 de Janeiro destruíssem prédios, móveis e obras na Praça dos Três Poderes. Apontou, inclusive, que um dos réus, Anderson Torres, concorreu para que essas invasões não ocorressem.

Após recesso para almoço, Fux ressaltou que o crime de abolição do Estado Democrático de Direito não se resume à frustração diante de derrotas nas urnas. Segundo ele, manifestações pacíficas, como passeatas e greves, fazem parte da vida democrática e não configuram crime, mas tentativas de subverter instituições representam grave ataque à ordem constitucional.

Também afirmou que não se pode falar em golpe de Estado sem a deposição de um governo legitimamente eleito. Ele destacou ainda que um golpe não decorre de iniciativas individuais, mas de uma atuação organizada.

Entenda

Com o questionamento das preliminares e o pedido de nulidade do processo, Fux aponta que a ação deve ser reiniciada, seja em outra instância, seja no plenário do STF.

Moraes e Dino defenderam a competência do colegiado, assim como apontaram que não houve cerceamento da defesa e que Ramagem deve responder por três crimes. Cármen Lúcia e Cristiano Zanin ainda vão se manifestar sobre os assuntos.

Por outro lado, já são três votos pela validade da delação de Mauro Cid, ou seja, maioria.

Incompetência e ‘tsunami de dados’

Ao considerar a incompetência absoluta da Corte para analisar o caso como foro privilegiado, Fux afirmou que Bolsonaro “está sendo julgado como presidente fosse”. Assim, defendeu que o caso deve ir para o plenário ou descer para a primeira instância.

Segundo ele, é preciso considerar que os denunciados tinham perdido os cargos. “Como é sabido, a incompetência absoluta para o julgamento impõe a nulidade de todos os atos decisórios praticados. Recordo que essa foi, inclusive, a razão pela qual a Corte já anulou processos em situações semelhantes”, lembrou.

Fux afirmou que teve dificuldade de elaborar o voto pela quantidade de informações. E chamou o processo de “tsumani de dados”.

“O eminente relator nos trouxe um trabalho de grande densidade, algo que ninguém conhecia antes. Confesso que, para mim, elaborar este voto foi de extrema dificuldade, e explico por quê: não se trata de um processo simples, não apenas pelo número de denunciados e de crimes imputados, mas também pela quantidade de material probatório reunido”, explicou.

Fux lembrou que a Polícia Federal criou links de armazenamento em nuvem com arquivos que totalizavam 70 terabytes, “distribuídos em pastas sem qualquer rotulação adequada ou índice que permitisse uma pesquisa efetiva”. A justificativa é a mesma usada pelas defesas dos réus.

Base para questionamento das preliminares

Para basear sua posição, afirmou que não compete ao STF realizar um juízo político “sobre o que é bom ou ruim, conveniente ou inconveniente, apropriado ou inapropriado”.

“Ao contrário, cabe a este Tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional, legal ou ilegal, sempre sob a perspectiva da Carta de 1988 e das leis brasileiras”, afirmou.

Segundo ele, essa missão exige objetividade, rigor técnico e minimalismo interpretativo, “para não confundir o papel do julgador com o de um agente político”. “E aqui reside a maior responsabilidade da magistratura: condenar quando há certeza e, o mais importante, humildade para absolver quando houver dúvida”.

Fux deu indícios de que discordará de aspectos indicados pelo relator. Na sessão da terça, ele interrompeu Moraes e avisou que, no seu voto, voltaria às questões preliminares, como a competência do STF para julgar o caso e a validade da delação do tenente-coronel Mauro Cid. Moraes lembrou que as preliminares foram votadas com resultado unânime, mas Fux destacou: “Isso foi no recebimento da denúncia”.

Em caso de condenação, as prisões não serão automáticas, pois as defesas podem solicitar recursos.

Após a fase dos recursos, se as condenações forem mantidas, os réus podem ser presos em alas especiais de presídios ou ficar em dependências das Forças Armadas.

Deu em R7
Ricardo Rosado de Holanda
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