Como destaca o site History Tools, os críticos indicam que foi exatamente o que aconteceu em remasterizações recentes de Predador (1987) e O Exterminador do Futuro 2 (1991). Na tentativa de aumentar a qualidade da fotografia, a coloração e os traços dos personagens acabaram sendo alterados e perdidos.

No entanto, nem todos os projetos desse tipo são desaprovados. Na verdade, em casos de aplicação com parcimônia, as ferramentas ajudaram a reviver algumas das obras mais antigas de Hollywood – e que, por muito tempo, ficaram inacessíveis ao público. Um exemplo é a mais nova restauração em 4K de Em Busca do Ouro (1925), um dos títulos mais famosos de Charlie Chaplin.

O projeto foi desenvolvido pelo próprio Escritório Chaplin, que detém os direitos autorais do cineasta britânico, e tinha como objetivo celebrar o centenário da película. A estreia da versão restaurada ocorreu no último dia 13 de maio, durante o Festival Internacional de Cinema de Cannes, na França. Assista ao trailer:

Lançado há 100 anos, Em Busca do Ouro é uma comédia, com pitadas de ação, drama e romance. Ele retrata a ida de Carlitos (Charles Chaplin) ao Alasca, em sua tentativa de se tornara um garimpeiro em meio à intensa corrida pela busca de tesouros na região por volta de 1898.

Embora o filme ainda possa ser encontrado em certas plataformas de streaming, como no Telecine aqui no Brasil, a revista Popular Science lembra que a versão disponível não é a original. Trata-se de uma cópia reeditada por Chaplin 17 anos após o seu lançamento, em 1942. É por isso, inclusive, que ele é falado, não mudo, como outros da época.

Arnold Lozano, diretor administrativo do Escritório Chaplin, conta à Popular Science que, embora o cineasta tenha deixado a maioria de seus filmes intocados após suas estreias, Em Busca do Ouro nunca lhe agradou. Por isso, quase duas décadas depois de seu lançamento, ele decidiu revisitar a obra.

“Uma nação à beira da Grande Depressão apreciou Em Busca do Ouro de 1925, em parte porque pontuou sua comédia pastelão com reflexões melancólicas sobre resistência, fome e solidão”, destaca Lozano. “Ele acreditava que o filme exigia uma revisão mais atualizada (e otimista) em 1942, pouco tempo depois de lançar O Grande Ditador”.

Nessa nova versão, Chaplin reduziu 16 minutos do original, passando de uma duração de 88 minutos para apenas 72. Ele removeu sequências inteiras e reorganizou outras. Dublagens narradas pelo próprio ator adicionaram mais leveza às cenas, juntamente com uma nova trilha sonora para combinar.

“O próprio Chaplin acreditava que tinha feito uma melhoria. Há documentos da década de 1960 em que ele afirma isso”, lembra o diretor. Uma boa parte do público e dos críticos concordaram com ele na época.

Após a reedição, a versão de 1925 desapareceu de circulação. Não porque o público preferisse a edição de 1942, mas, sim, porque Chaplin ordenou a destruição de todas as cópias disponíveis do primeiro Em Busca do Ouro.

Quando parecia o fim de sua história, pesquisadores de cinema da década de 1980, Kevin Brownlow e David Gill, começaram a procurar por rolos sobreviventes da versão original. Eles finalmente reuniram material suficiente e, em 1993, começaram a combinar os rolos recuperados.

Grande parte do projeto deles se baseou em uma cópia japonesa de abertura total, guardada nos arquivos Chaplin. A abertura total só se aplica a filmes que incluem o quadro original completo. Quando os filmes incorporaram som pela primeira vez, os designers precisaram cortar uma seção do lado esquerdo do filme para dar espaço ao rolo da trilha sonora.

Embora a cópia japonesa contivesse a versão de 1942, a abertura total permitiu que Brownlow e Gill a utilizassem como base para a construção. Lozano analisa a edição de 1993 como um “trabalho em andamento” – imperfeito, contudo, um passo “essencial” para a recuperação do filme original.

Agora, 30 anos no futuro, com o avanço das tecnologias de comunicação, conversas que costumavam levar semanas se transformaram em dias ou horas. Sabendo disso, Lozano e sua equipe decidiram se dedicar a um último projeto de prospecção de Em Busca do Ouro.

O Escritório Chaplin fez um chamado para localizar cópias remanescentes da versão original de 1925, e seis arquivos responderam com o que tinham, incluindo o Museu de Arte Moderna (MoMA) e o Museu George Eastman em Rochester. A expansão dos recursos permitiu que especialistas do L’Immagine Ritrovata, na Itália, começassem a trabalhar em uma restauração em 4K.

“A duplicata negativa que Brownlow e Gill produziram em 1993 para a restauração anterior foi nosso ponto de partida por dois motivos”, afirma Elena Tammaccaro, gerente da L’Immagine Ritrovata, à Popular Science. “70% daquela duplicata negativa era a melhor que tínhamos em termos de qualidade de imagem e tamanho de quadro inteiro”.

Isso ainda significava que cerca de 30% do filme original continuava desaparecido. Segundo Tammaccaro, grande parte da conclusão do projeto se deve a décadas de desobediência absoluta de profissionais da indústria cinematográfica.

“As pessoas trabalhavam como piratas fazendo cópias ilegais que deveriam eliminar”, diz ela. Além dessas duplicatas, a equipe também localizou um rolo de nitrato original na proporção 4:3, o padrão da Era Muda de Hollywood.

Depois de realizar uma análise quadro a quadro de todos os rolos disponíveis, a equipe definiu a melhor combinação de materiais para reconstruir a versão original de Em Busca do Ouro. Os fatores que eles consideraram incluíram os níveis de granulação do filme, a degradação geral da imagem e a coloração.

Tammaccaro aponta que sua abordagem de restauração não foi agressiva em comparação com muitos outros laboratórios, mas ocasionalmente exigiu o uso de ferramentas digitais para aprimorar quadros, particularmente os mais desfocados. A partir daí, a equipe escaneou e digitalizou a versão final ao longo de dez meses.

“Pela primeira vez em décadas, fãs novos e antigos poderão assistir ao que é, sem dúvida, a remontagem mais bem preservada e precisa de Em Busca do Ouro”, observa Lozano. “Pode não ter sido o corte favorito de seu criador, mas seu retorno marca um momento importante tanto para a história do cinema quanto para a preservação. Cada uma serve como um reflexo de sua época”.