Viés de negatividade: por que os efeitos das críticas duram muito mais do que os dos elogios (Primeira parte) - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
FatorRRHFatorRRH — por Ricardo Rosado

Comportamento 26/07/2022 12:00

Viés de negatividade: por que os efeitos das críticas duram muito mais do que os dos elogios (Primeira parte)

Nós não fomos feitos para lidar com um fluxo constante de críticas.

Viés de negatividade: por que os efeitos das críticas duram muito mais do que os dos elogios (Primeira parte)

Na infância, muitas vezes somos ensinados a usar a expressão “o que vem de baixo não me atinge”, quando ouvimos um insulto.

Mas, com a experiência, os adultos entendem que este velho ditado está longe de ser verdade.

Enquanto lesões físicas podem levar semanas para cicatrizar, comentários negativos podem deixar cicatrizes para o resto da vida.

Seja uma crítica feita serenamente por um professor na sala de aula ou um comentário cruel disparado no calor de uma discussão por um amigo ou namorado, tendemos a lembrar muito melhor das críticas do que dos comentários positivos.

E isso se deve a um fenômeno chamado viés da negatividade.

Discussão de trabalho durante reunião

CRÉDITO,GETTY IMAGES Os insultos e as críticas negativas podem ficar conosco por muito mais tempo do que os comentários positivos

Na verdade, uma série de efeitos complexos pode ser explicada por este viés, que é a tendência universal das emoções negativas nos afetarem com mais força do que as positivas.

Isso nos faz prestar atenção especial às ameaças e exagerar os perigos, de acordo com Roy Baumeister, psicólogo social da Universidade de Queensland, na Austrália, e coautor do livro The Power of Bad: And How to Overcome It.

Embora focar no lado mais sombrio do mundo que nos rodeia possa parecer uma perspectiva deprimente, isso ajudou os seres humanos a superar tudo, desde desastres naturais a pragas e guerras, deixando-os mais bem preparados para lidar com estes eventos (embora haja evidências de que o otimismo também possa ajudar a nos proteger de situações extremas).

Imagem do cérebro em computador

CRÉDITO,GETTY IMAGES

O cérebro humano evoluiu para proteger nossos corpos e nos manter vivos — e possui três sistemas de alerta para lidar com novos perigos.

Há o antigo sistema de gânglios basais que controla nossa resposta de luta ou fuga; o sistema límbico que desencadeia emoções em resposta a ameaças para nos ajudar a entender os perigos; e o córtex pré-frontal mais moderno, que nos permite pensar logicamente diante de ameaças.

“Nossos ancestrais que tinham esse viés [negativo] eram mais propensos a sobreviver”, diz Baumeister.

Os seres humanos são programados para procurar ameaças e, com apenas oito meses, os bebês se viram com mais urgência para olhar a imagem de uma cobra do que de um sapo mais amigável.

Pirulitos coloridos com carinhas que representam diferentes expressões

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Aos cinco anos, eles aprendem a priorizar uma cara de raiva ou medo, em vez de uma feliz.

Baumeister diz que focar primeiro nos problemas pode ser uma boa estratégia. “Primeiro, se livre dos (aspectos) negativos e resolva os problemas. Essencialmente, estanque a hemorragia.”

Mas, embora focar no lado ruim possa nos manter seguros em situações extremas, o viés da negatividade pode se provar inútil no dia a dia. Baumeister acredita que até que aprendamos a superar o impacto desproporcional do negativo, ele distorce nossa visão de mundo e como reagimos a ele.

Por exemplo, a vida tende a parecer sombria ao folhearmos as páginas de um jornal. Os jornalistas são frequentemente acusados ​​de buscar más notícias, uma vez que as mesmas vendem jornais e atraem os espectadores.

Homem lendo jornal

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Isso pode ser parcialmente verdade. Os pesquisadores mostraram que os leitores são naturalmente atraídos por histórias calamitosas e são mais propensos a compartilhá-las com outras pessoas.

Rumores sobre perigos potenciais — mesmo que sejam improváveis — se espalham com muito mais facilidade do que rumores que poderiam ser benéficos.

Em um estudo, cientistas da Universidade McGill, no Canadá, usaram a tecnologia de rastreamento ocular para analisar em que notícias os voluntários prestavam mais atenção.

Descobriram que os participantes geralmente escolhiam histórias sobre corrupção, reveses, hipocrisia e outras más notícias, em vez de histórias positivas ou neutras.

As pessoas que estavam mais interessadas em temas da atualidade e política eram particularmente propensas a escolher notícias ruins — mas, quando perguntadas, diziam que preferiam as notícias boas.

O que lemos e assistimos no noticiário pode aumentar nossos medos.

Por exemplo, nosso medo do terrorismo é pronunciado mesmo que o número de pessoas mortas por grupos terroristas nos últimos 20 anos nos EUA seja menor do que o número de americanos que morreram em suas banheiras durante o mesmo período, explica Baumeister em seu livro.

Pessoas olhando capas de diferentes jornais

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Embora a preocupação com uma situação hipotética, mas horrível, possa nos deixar com medo, uma pequena experiência ruim pode ter um impacto desproporcional em todo o nosso dia.

Efeito duradouro da crítica

Randy Larsen, professor de ciências psicológicas e cerebrais da Universidade de Washington em St Louis, nos EUA, revisou evidências sugerindo que as emoções negativas duram mais do que as felizes.

Ele descobriu que tendemos a passar mais tempo pensando em eventos ruins do que bons, o que talvez ajude a explicar por que momentos embaraçosos ou comentários críticos podem nos assombrar por anos.

Pode ser difícil não remoer comentários ofensivos de um namorado, parente ou amigo. “Acho que os comentários negativos das pessoas que amamos e confiamos têm mais impacto do que de estranhos”, diz Baumeister.

Isso acontece em parte porque temos expectativas de como nossos amigos e familiares devem se comportar conosco.

Em alguns casos, comentários negativos de pessoas que amamos podem provocar feridas mentais duradouras e ressentimentos que podem levar ao rompimento de relacionamentos.

Felix Baumgartner

CRÉDITO,GETTY IMAGES  Felix Baumgartner, o primeiro paraquedista a romper a barreira do som

Pesquisadores da Universidade de Kentucky, nos EUA, descobriram que as relações raramente se salvam quando os parceiros ignoram os problemas da relação para permanecer “passivamente leais”.

“Não são tanto as coisas boas e construtivas que os parceiros fazem ou deixam de fazer um pelo outro que determinam se um relacionamento funciona, mas sim as coisas destrutivas que fazem ou deixam de fazer em reação aos problemas”, afirmaram.

Outro estudo, que acompanhou casais por mais de 10 anos, mostrou que o grau com que expressavam sentimentos negativos um pelo outro nos dois primeiros anos de casamento previa se iriam se separar — com níveis de negatividade mais altos entre os casais que se divorciavam.

O viés da negatividade explica por que muitos de nós podemos ser culpados por dar como garantidos nossos relacionamentos quando estão indo bem — mas rapidamente perceber imperfeições e inclusive transformar questões menores em problemas maiores.

Deu em CNN

Ricardo Rosado de Holanda
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista