‘Traficantes são vítimas’: de debate na madrugada a mea-culpa para conter danos, os bastidores das idas e vindas de Lula - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
FatorRRHFatorRRH — por Ricardo Rosado

Política 26/10/2025 11:34

‘Traficantes são vítimas’: de debate na madrugada a mea-culpa para conter danos, os bastidores das idas e vindas de Lula

‘Traficantes são vítimas’: de debate na madrugada a mea-culpa para conter danos, os bastidores das idas e vindas de Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva causou constrangimento a aliados nessa sexta-feira ao comentar sobre um tema estratégico para a corrida eleitoral de 2026, a segurança pública, poucos dias depois de o governo lançar uma nova ofensiva no enfrentamento à violência.

Em viagem à Indonésia, Lula afirmou que traficantes de drogas “são vítimas de usuários”.

A fala, usada como munição pela oposição nas redes sociais, provocou repercussão negativa imediata. Para contornar o mal-estar e minimizar os danos, o petista decidiu se retratar e alegou que se tratava de uma “frase mal colocada”.

Lula abordou o assunto enquanto criticava a iniciativa de Washington de bombardear embarcações supostamente ligadas ao narcotráfico no Caribe e no Pacífico.

O presidente disse que discutiria “com prazer” o tema em encontro com o presidente americano Donald Trump, que vai ocorrer no domingo.

— Toda vez que a gente fala sobre combater as drogas, possivelmente, fosse mais fácil a gente combater os nossos viciados internamente. Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também. Ou seja, você tem uma troca de gente que vende porque tem gente que compra; de gente que compra porque tem gente que vende. Então, é preciso que a gente tenha mais cuidado no combate à droga — disse Lula.

Frase ‘mal colocada’

O mea-culpa, publicado na conta pessoal de Lula nas redes, foi redigido com a intenção de “corrigir” a ideia que Lula havia passado. “Fiz uma frase mal colocada nesta quinta e quero dizer que meu posicionamento é muito claro contra os traficantes e o crime organizado”, escreveu o presidente.

Na postagem, Lula diz que as ações de governo são mais importantes que palavras, como “a maior operação da história contra o crime organizado, o encaminhamento ao Congresso da PEC da Segurança Pública e os recordes na apreensão de drogas no país”.

Segundo levantamento da Ativaweb DataLab, a declaração teve 15,6 milhões de menções nas redes sociais em apenas 10 horas. Ainda de acordo com análise, a fala se tornou o principal gatilho de polarização política do mês de outubro, com “disseminação acelerada e forte carga emocional nas plataformas”.

O levantamento, que analisou publicações no Facebook, Instagram, X, TikTok e YouTube, mostra que 69,8% das menções tiveram tom negativo, enquanto 15,9% foram positivas e 14,3% neutras. As expressões mais recorrentes foram “vergonha nacional”, “inversão de valores” e “defesa de criminosos”.

A partir do impacto digital, o tema foi debatido e encaminhado por auxiliares do petista ainda de madrugada no horário de Jacarta. Ao GLOBO, o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, disse que Lula “não pensa” o que disse.

— Ele se atrapalhou na forma de falar. Não existe isso de vítima. O presidente não pensa isso. Ele queria dizer que não tem como excetuar ninguém disso, todo mundo tem responsabilidade. Foi uma palavra mal colocada — afirmou.

Desde o início do ano, o governo de Donald Trump designou vários cartéis como organizações terroristas e, mais recentemente, promoveu ataques letais a embarcações, sem apresentar evidências de que os alvos eram, de fato, “narcoterroristas”.

Impacto nas redes — Foto: Editoria de arte
Impacto nas redes — Foto: Editoria de arte

Lula defendeu que qualquer punição deve ser precedida de um julgamento e afirmou que eventuais suspeitas não podem justificar invasões de territórios no exterior.

— Antes de punir alguém, eu tenho que julgar essa pessoa. Eu tenho que ter provas — destacou.

O presidente brasileiro afirmou, ainda, que a Polícia Federal e as polícias estaduais têm formado uma frente contra o tráfico de drogas e de armas e o contrabando.

Apesar do recuo, o tema foi explorado de forma insistente pela oposição. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), por exemplo, compartilhou trecho da entrevista coletiva do petista no X e ironizou a declaração.

“Lula acaba de anunciar que traficantes são vítimas dos usuários. No ritmo que vai, daqui a pouco o PCC vira ONG”, escreveu.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) usou a declaração de Lula para imputar ao presidente o ato de culpabilizar vítimas de diferentes crimes.

“Os traficantes são vítimas dos usuários, os assaltantes são vítimas dos assaltados, os assassinos são vítimas dos mortos, os estupradores são vítimas das violentadas e por aí vai. Presidente Lula, vítima é o povo brasileiro dessa visão em que as vítimas são culpadas e os culpados são vítimas”, destacou.

Pacote antifacção

Durante a semana, o governo se posicionou em relação ao tema da segurança ao lançar um conjunto de medidas, chamadas de “pacote antifacção”, que visa endurecer o combate ao crime organizado no país e inclui propostas como o aumento de penas e a maior possibilidade de confisco de bens.

No pacote anunciado por Lewandowski consta, entre outras medidas, a criação do tipo penal de “organização criminosa qualificada”, que prevê pena de até 15 anos de prisão e englobaria facções do tráfico e milícias.

Em outra frente, o Ministério da Justiça lançou na quarta-feira o programa Município Mais Seguro, que injeta recursos federais nas guardas municipais.

O Palácio do Planalto tem incentivado a divulgação de ações da Polícia Federal (PF), seja no combate a crimes sexuais, na atuação nas fronteiras ou em operações contra adulteração de combustível e fintechs. Sidônio é um dos entusiastas da tática de buscar mais visibilidade ao trabalho da PF.

A violência é o tema que mais preocupa 30% dos brasileiros, e vem avançando desde julho, quando representava o maior receio para 24% da população, segundo pesquisas Genial/Quaest.

A segurança pública está na frente de tópicos como problemas sociais (18%), economia (16%), corrupção (14%) e saúde (11%).

Deu em O Globo

Ricardo Rosado de Holanda
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista