Saúde 01/09/2025 12:34
‘Obesidade é biológica, não força de vontade’, diz cirurgião
Após um ano de trabalho, o cirurgião brasileiro Ricardo Cohen está prestes a concluir seu período na presidência da Federação Internacional da Cirurgia da Obesidade e Transtornos Metabólicos (IFSO).
Um dos maiores especialistas em obesidade no país — e à frente do Centro de Obesidade e Diabetes no Hospital Oswaldo Cruz em São Paulo — diz que ao longo de seu mandato na entidade internacional teve a preocupação de informar aos pacientes que é seguro, sim, atrelar dois tratamentos de obesidade ( medicamentos e cirurgia) e que a intervenção cirúrgica segue uma opção contra a doença.
Cohen é também co-autor de um recente documento, publicado na prestigiada revista científica The Lancet Diabetes & Endocrinology, que sugere que a obesidade passe por mudanças no diagnóstico e tratamento.
O documento defende que saia de cena a medição apenas baseada no Índice de Massa Corporal (IMC) e sejam considerados sinais e sintomas (como apneia do sono, dificuldades respiratórias, problemas cardíacos) para se identificar a gravidade da doença.
Assim, os pacientes seriam divididos em casos pré-clínicos (que requerem acompanhamento e eventual tratamento) e clínicos (que necessitam de intervenção imediata).
Ao GLOBO, o especialista falou sobre o impacto dessa classificação, do estigma aos pacientes e da falta de canetas emagrecedoras nos SUS.
Como os pacientes enxergam hoje a cirurgia bariátrica, no cenário das canetas emagrecedoras? Isso mudou a disposição deles?
Podemos dividir essa resposta em duas. Há o indivíduo que não tem acesso à medicação por qualquer razão, falta do produto ou custo, mas viu (recentemente) que é possível emagrecer ou tratar a obesidade. Muitos deles caíram na cirurgia. Por outro lado, quem tinha indicação cirúrgica, mas teve acesso à medicação, passou a usá-la, mesmo sem indicativos de que teria sucesso. É importante dizer que emagrecer não é o objetivo: é o processo para atingir o objetivo — botar a obesidade sob remissão.
O paciente que trata obesidade agora é mais ‘empoderado’?
Não. Ele é igual, é preciso acolhê-lo e mostrar que essa é uma doença crônica como qualquer outra e que sua parcela de culpa é zero. Infelizmente não mudou. E isso não é só no Brasil, mas no mundo inteiro. Há uma organização sem fins lucrativos internacional que chama-se Metabolic Health Institute. São seis sócios, com grande impacto científico na área (Cohen faz parte do grupo). Em 2023 e 2024 fizemos uma pesquisa sobre o que os pacientes pensavam. Eles acreditam que o melhor tratamento para obesidade é fechar a boca e fazer mais atividade física. E por incrível que pareça, ao não conseguir emagrecer, a primeira resposta deles é trocar de atividade física e de dieta. Então, a culpa ainda está embutida.
O senhor foi parte da comissão internacional que sugeriu mudanças no diagnóstico de obesidade. Os médicos compreendem os pacientes de forma diferente?
Parcialmente. Os formadores de opinião que hoje defendem a ação fisiológica da medicação e da cirurgia estão cada vez mais eloquentes. Ainda há alguns, porém, que acham que é falta de força de vontade, que infelizmente chamam as medicações de “muleta”, continuam discriminando quem tem obesidade, coisa que nunca fariam contra outra doença crônica como o câncer, por exemplo.
O que precisa mudar para melhorar, em termos de definições e ações médicas, a vida do paciente?
A maioria da comunidade envolvida com tratamentos de obesidade ainda segue presa à medida do IMC, no critério mais simples (de classificação). Alguns, contudo, mudaram. Tanto que temos apoio de 79 sociedades médicas mundiais da área (para as novas definições de obesidade). Então, com certeza, foi um empurrão para mudança. É uma definição que sai da estigmatização da culpa para a biologia. Mostra que a doença é biologicamente ativa e que tem sinais, sintomas e complicações. Mas essa nova classificação só tem meses de vida. É cedo. Mesmo assim foi surpreendente a repercussão. Foi muito positivo. É o início de algo que vai transformar a forma de pensar na obesidade.
O Brasil está envelhecendo. Há opções boas de tratamento para quem passou dos 60 anos, por exemplo?
Esses pacientes precisam ser avaliados individualmente, observando sua idade biológica e não cronológica. É preciso pensar no custo-benefício médico e não monetário. Uma boa parte vai ser beneficiada quando se retirar o peso sobre a locomoção, o controle da diabetes, com as doenças que vêm junto da obesidade. Com a perda de peso maior e mais rápida da cirurgia é devolvida a qualidade de vida. Ainda não temos muitos estudos que falem sobre adicionar tempo de vida a essa população. Uma análise feita na Suécia, porém, mostrou que em quase 40 anos de acompanhamento, as pessoas operadas (para a perda de peso) vivem 4 a 4 anos e meio a mais. Ou seja, um indivíduo com 80 anos vive 5% a mais, e com qualidade de vida.
O senhor compara bastante a obesidade ao câncer. No caso do câncer, o cuidado precoce é importante para o sucesso do tratamento. É assim também com a obesidade?
Quanto mais cedo melhor. Em caso de obesidades pré-clínicas, por exemplo, aquele indivíduo que tem excesso de tecido adiposo, mas não tem nenhum sinal e sintoma agora, coloco em programas de prevenção. Não quer dizer que eu não vou dar medicação ou operá-lo, vou simplesmente analisar o risco que tem de desenvolver outras doenças. Tanto quem tem obesidade clínica quanto pré-clínica deve ter o risco avaliado individualmente. Como no caso de um paciente com pais que infartaram cedo ou com altas taxas de colesterol na família. Mesmo que em obesidade pré-clínica, essa pessoa precisa ser tratada. Ou então, uma pessoa que tem IMC de 31, mas que corre, tem vida social normal. Para que eu vou tratar com medicação cara e cirurgia a pessoa que não tem nada? Por outro lado, em alguém com o mesmo IMC de 31, mas que tem apneia do sono, ovário policístico ou hipertensão, o tratamento deve ser feito. Em cada caso de obesidade pré-clínica é preciso quantificar o risco, avaliar o quanto é preciso intervir e tratar. Já no caso da obesidade clínica, é preciso tratar imediatamente.
Como o Brasil trata seus pacientes com obesidade?
Lamentavelmente, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) acaba de rejeitar o pedido da inclusão de semaglutida e liraglutida no rol de tratamentos do SUS. Eles dizem que não tem custo-benefício, mas eu duvido que os técnicos da Conitec tiveram acesso a quanto se gasta de revascularização do miocárdio, por ponte de safena ou stent, internação por insuficiência cardíaca, diálise. Isso gasta muito mais do que qualquer investimento em remédios. Esses remédios têm sim resultado. A única especialidade médica que o fazedor de contas na saúde quer retorno de investimento é a obesidade. Ninguém pensa nisso num câncer, porque o preço de uma cura, uma remissão, não existe. O que pecamos em saúde pública é não oferecer os melhores tratamentos disponíveis. A cirurgia é oferecida no SUS, mas subutilizada. Eu não quero retorno de investimento, quero melhoria da saúde. E mesmo se quisesse o retorno do investimento, o custo das complicações é muito maior.
O que te preocupa, como médico, no cenário da obesidade?
As novas definições vêm como uma luva para mostrar aos pagadores e aos que confeccionam políticas de saúde, sejam públicas ou privadas, que a gente consegue priorizar quem deve ser tratado primeiro, e todos devem ser acolhidos e acompanhados com a melhor evidência possível. O que me aflige é que não adianta publicar que tem bilhões de pessoas com obesidade no mundo. Porém, se eu pegar desses bilhões quantos precisam ser tratados antes, eu torno muito mais palatável e digerível para o pagador e até para o paciente. Obesidade é biologia, não é força de vontade. É preciso acabar com a estigmatização da obesidade e o preconceito contra os tratamentos também. Não é muleta.
Deu em O Globo
Descrição Jornalista
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