Esta missão, iniciada no dia 1º de setembro, na cidade do Rio de Janeiro, tem como objetivo revisitar diversos pontos da América do Sul por onde Fawcett circulou em suas suas viagens.
Mais do que buscar informações nas dezenas de sítios arqueológicos milenares que possam ajudar a completar as lacunas sobre o seu trabalho e paradeiro, a expedição também se propõe a ouvir moradores e pesquisadores que estudam essas regiões, onde a ancestralidade se entrelaça à mitologia.
Não é a primeira vez que a equipe refaz os passos de Fawcett no continente – na verdade, já é a sexta.
“Cada expedição nos oferece uma compreensão mais clara e reveladora de nossa própria história. Temos redescoberto eventos esquecidos e personagens praticamente invisíveis. Cada passo dessa jornada acrescenta uma nova peça ao imenso caleidoscópio histórico e cultural que tem transformado nossa percepção do Brasil e da América do Sul”, explica Acklas, em entrevista à GALILEU.
Ao longo de 100 dias, os exploradores planejam rodar por 32 mil km, distribuídos entre sete países – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
A cada parada, a equipe mapeia e documenta tradições locais, mitos de origem e vestígios das civilizações pré-colombianas.
Além de Acklas, colaboram com o projeto Alberto Luz (que precisou voltar mais cedo para casa devido a um problema de saúde), Vinícius de Souza (produtor que entrou na missão para substituir Luz) e Naiara Talita (que, baseada em São Paulo, oferece suporte ao pessoal em campo). Veja imagens:
Expedição busca paradeiro do explorador que inspirou Indiana Jones, sumido misteriosamente há 100 anos no Brasil
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/r/5/FWJcTyRcqiizf3WBOBNg/573820149-862264112888912-8362969207184589347-n.jpg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/A/Q/vJIrZlQCqMJgu4ciVgrA/576390199-1125608939554589-5511334748121038795-n.jpg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/e/F/Ni3UzcToSiUhUCKgXpnw/574688019-659677247222589-6939379654409419018-n.jpg)
Últimas atualizações
Recém alcançada a marca de 60 dias desde o início da expedição, Acklas e Souza encontram-se no Lago Guatavita, em Sesquilé, na Colômbia.
De águas verde-esmeralda e cercado por florestas, à primeira vista, ele parece ser um lago comum, mas esconde um rico passado cultural. Foram nessas águas que o povo Muísca realizava seus rituais sagrados, os quais deram origem à famosa lenda de Eldorado, a cidade de ouro.
Quando um novo chefe Muísca era escolhido, seu corpo era coberto com uma goma aderente e, em seguida, borrifado com pó de ouro. Acompanhado por xamãs, ele seguia em uma jangada também dourada até o centro do lago, onde ofereciam artefatos de ouro à deusa Pachamama. Os presentes e joias eram lançados às águas antes de o chefe mergulhar, “renascendo” em comunhão com o sol e a água.
“Este é apenas um dos 45 sítios arqueológicos que investigamos até o momento, além de 15 museus explorados e cinco entrevistas realizadas com historiadores e arqueólogos especialistas”, indica Acklas.
“Já percorremos cerca de 18 mil km, em que pudemos observar resquícios de povos do passado, como, por exemplo, o complexo astronômico de Ingapirca, no Equador, e as cidades de Chan Chan e Caral, no Peru, com suas pirâmides tão antigas quanto a Grande Pirâmide do Egito.”
Da Colômbia, a equipe deve percorrer mais 14 mil km, descendo o continente em direção ao Chile.
Na visão do líder da expedição, cada país guarda seus segredos a serem desvendados e, com isso, cada quilômetro rondado os leva mais perto de possivelmente encontrar pistas do paradeiro de Fawcett ou ainda de sua prometida “Cidade Z”, a qual teria sido construída e ocupada por uma civilização descendente do povo atlante há 15 mil anos.
“Tem sido uma jornada de crescimento e descobertas que apenas uma expedição por terra poderia proporcionar. A bordo de ‘Enzo’, nosso veículo preparado para enfrentar desde florestas até desertos, percorremos milhares de quilômetros testemunhando os povos que hoje habitam o continente e buscando evidências que preencham as lacunas que nossos estudos bibliográficos não podem responder”, destaca Acklas.
“É nas ruas, nos hotéis e nos restaurantes que conhecemos os descendentes dessas civilizações e ouvimos, de perto, suas histórias, lendas, crenças e cosmovisões.”
Divulgação em tempo (quase) real dos achados
Todo o percurso feito pelos exploradores está sendo registrado na série documental Expedição Rio-Cartagena (2025), composta por episódios semanais exibidos gratuitamente no YouTube, com legendas em inglês e espanhol. A série propõe uma fusão entre investigação histórica e entretenimento, explorando os bastidores da missão, entrevistas e reflexões sobre o impacto cultural das narrativas de exploração.
A ideia é que o público viaje junto com a equipe. E, com isso, acompanhe as descobertas, as dificuldades logísticas, o contato com as comunidades locais e a revelação de novos dados sobre o legado de Percy Fawcett e as civilizações pré-colombianas.
De acordo com os exploradores, a escolha do uso das redes sociais como meio de transmissão se deve ao fato de quererem a máxima exposição do seu trabalho histórico e científico. “Nosso objetivo é que o público se encante tanto quanto nós ao adentrar um sítio arqueológico, entrevistar um especialista e, assim, alcance uma melhor compreensão sobre a formação dos nossos povos”, aponta Acklas.
Fascínio por Percy Fawcett
Maurício Acklas conta que seu interesse por Fawcett surgiu por acaso, em 2020, quando leu uma reportagem sobre exploradores desaparecidos que se tornaram lendas – entre os quais estava Percy Fawcett. “Sempre fui apaixonado por mistérios e arqueologia. Assim, a teoria de Fawcett sobre a ‘Cidade Z’ e os segredos por trás de seu desaparecimento foram o suficiente para me fisgar”, lembra ele.
Desde então, o homem passou a reunir publicações sobre o tema, e as estudar por conta própria. Não demorou muito para decidir se aventurar pelos locais citados nas obras. E ele não é o único. Ao longo dos anos, dezenas de exploradores foram inspirados pelo trabalho de Fawcett.
“Fawcett é um ‘homem de seu tempo’. Isso significa que, por mais que, hoje, ele possa ser visto por muitos como delirante por acreditar que poderia existir uma civilização mística escondida, ele, na verdade, dialoga com o contexto que vivia”, relata à GALILEU a pesquisadora Deborah Lavorato Leme, que estudou o explorador em seu projeto de mestrado em História Social na Universidade de São Paulo (USP).
“Anos atrás, o místico, que incluía a ideia de existência de espaços como Atlântida e Eldorado, era discutido como parte da ciência.”
O britânico destaca-se entre os exploradores de sua época por seu estilo de viagem peculiar. Ele preferia, por exemplo, viajar sozinho ou com o mínimo de parceiros possível, porque acreditava que isso poderia atrasá-lo.
O problema é que isso também o deixava mais vulnerável a enfrentar dificuldades, como ter falta de suprimentos – o que os seus diários sugerem já ter ocorrido em algumas ocasiões.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/z/b/DNM5VVRX2olbfTHIdWMA/percyfawcett.jpg)
Mas são justamente as suas particularidades que também o tornaram um grande nome nas explorações do século 20. Vale destacar que, naquele momento histórico, os equipamentos eram precários e era muito difícil se locomover, especialmente, em lugares isolados, os quais ele justamente ajudou a desenhar os primeiros mapas com suas anotações.
De família aristocrática, Fawcett entrou no exército bem novo, logo que acabou o colégio. Parte da artilharia, ele foi enviado para lutar no Ceilão (atual Sri Lanka), que, na época, era uma colônia britânica. Foi por lá que Fawcett começou a se interessar por arqueologia e ter contato com as ruínas de vários povos nativos.
A curiosidade fez com que ele se aproximasse dos estudos de topografia e demarcação de fronteiras dos militares, o que o levou a entrar para a Royal Geographical Society, uma sociedade científica dedicado à geografia com sede no Reino Unido.
Com essa carreira de explorador e pesquisador amador, ele começa a viajar por diferentes territórios conciliando os interesses do Império Britânico e o seu próprio gosto pela história e pelo ocultismo.
Desaparecimento no Brasil
Durante a sua carreira, Fawcett percorreu enormes distâncias pela América do Sul. Seus registros indicam que ele visitou o Cerrado, a Caatinga e a Floresta Amazônica, onde teria desparecido.
Os últimos resquícios que se tem de Fawcett são duas cartas. Uma delas, datada do dia 29 de maio de 1925, foi enviada à sua família, e a outra, enviada no dia 30 de maio, era um despacho para a finaciadora de sua expedição, a North American Newspaper Alliance (NANA).
Nas cartas, o explorador conta que um de seus companheiros de expedição havia se machucado e que a equipe estava avaliando o que fazer como os próximos passos. Além disso, elas apresentam suas últimas coordenadas, latitude 110° 43’ sul e longitude 540° 35’ oeste – que batem com a atual cidade de União do Sul, no Mato Grosso.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/c/L/pEWHBLT3qudimX740q6Q/orlando-villas-boas.tiff.jpg)
“Depois disso, não se tem mais registros oficiais cedidos pelo próprio Fawcett”, destaca Leme. “Ao longo dos meses, foram apontados supostos avistamentos da equipe do coronel por outros exploradores que passaram pela região, mas ele nunca mais entrou em contato com seus familiares ou com sua financiadora.”
Inicialmente, sua família não demonstrou grande preocupação, pois Fawcett costumava ficar longos períodos incomunicável. No entanto, após três anos sem notícias, em 1928, a NANA organizou uma expedição de resgate liderada por George Dyott.
A equipe encontrou alguns vestígios, como um baú e um colar, que confirmavam a passagem de Fawcett pela região. Indígenas das tribos Nafaqua e Kalapalo relataram ter visto o explorador e seus dois acompanhantes seguirem adiante, mas nunca retornarem. Dyott concluiu que eles provavelmente morreram de fome, doença ou ataque de animais.
Rumores e desencontro de informações
Nos anos seguintes, rumores de que Fawcett ainda estaria vivo continuaram a surgir. Em 1931, um homem chamado Hachin afirmou tê-lo visto, mas a própria família desmentiu a história, dizendo que a descrição não correspondia ao explorador.
Com a história ainda em aberto, o jornalista Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, decidiu investigar o caso. Em 1943, ele enviou o repórter Edmar Morel ao Xingu. Durante suas investigações, Morel cometeu um erro grave: afirmou, sem provas, ter encontrado um “indígena branco” chamado Dulipé, que ele identificou como neto de Fawcett.
A criança (que posteriormente foi diagnosticada com albinismo) seria fruto de um relacionamento entre uma mulher indígena e o seu filho Jack Fawcett, que o acompanhava na expedição. A notícia causou alvoroço, mas foi logo desmentida por outro filho do explorador, Brian Fawcett, que considerou absurda a alegação.
Os irmãos Villas-Bôas, que atuavam na região do Xingu, também investigaram o desaparecimento. Em 1951, eles lideraram uma nova expedição com a presença de Brian Fawcett, Edmar Morel e o escritor Antônio Callado.
Coversando com os indígenas Kalapalos, que moravam na região, eles relataram ter matado três “caraíbas” (homens brancos) após um desentendimento, e mostraram uma cova que acreditavam conter os restos do explorador e seus companheiros.
A ossada foi enviada à Royal Anthropological Institute, no Reino Unido. A organização, porém, concluiu não se tratar de Fawcett.
Os ossos pertenciam a um homem muito mais baixo, e a dentadura encontrada não correspondia à dele. Mesmo assim, Chateaubriand, que já havia anunciado publicamente a “descoberta” do corpo, tentou abafar o erro, proibindo a divulgação de informações contrárias.
Essa polêmica se estendeu por décadas. Os irmãos Villas-Bôas insistiram que a ossada era de Fawcett, baseando-se no testemunho indígena. Em 1964, Orlando Villas-Bôas chegou até a pedir ao Museu Nacional a devolução dos supostos restos mortais de Fawcett que estavam em seu acervo. Após isso, a ossada desapareceu definitivamente.
Com o passar das décadas, tanto a falsa história de Dulipé quanto a suposta identificação dos restos de Fawcett foram desacreditadas. O destino real do explorador e de seus companheiros permanece um dos grandes mistérios da exploração amazônica – em uma mistura de aventura, erro jornalístico e fascínio pela fronteira desconhecida.
Observe, abaixo, uma linha do tempo tudo o que se sabe sobre o desaparecimento de Fawcett, produzida por Deborah Lavorato Leme:
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/J/7/9CiRKvRECTZ5qvVLJGJg/timeline-suposta-ossada-de-percy-harrison-fawcett-page-0001-1-.jpg)
Legado de Percy Fawcett
“Acho incrível o fato de o interesse pelo explorador Percy Fawcett permanecer vivo mesmo após um século. E acredito que isso ocorra graças a dois fatores principais: seu misterioso desaparecimento e a busca por uma cidade perdida, que despertam a curiosidade e o fascínio coletivo”, avalia a historiadora.
“A ausência de um corpo ou uma prova concreta de fim trágico mantém abertas as possibilidades e alimenta o mito.”
Ela pontua que, após tantos anos, pode ser uma tarefa muito difícil encontrar novos vestígios materiais da expedição. Apesar disso, acredita que novas buscas, como a conduzida na Expedição Rio-Cartagena, são importantes para ajudar a compreender como a história de Fawcett se integrou ao folclore da América do Sul.
“Fawcett não deve ser esquecido nem tratado como uma figura apenas mítica. Ele deve ser encarado como alguém que impactou a história, a memória e o imaginário da região, e cujo legado continua a inspirar pesquisas e reflexões sobre a relação entre passado e presente”, conclui a Leme.

