Ditadura 26/10/2025 16:03
50 anos sem Vladimir Herzog: A morte do jornalista que escancarou a Ditadura Militar

No outono de 1975, o Brasil vivia sob a sombra pesada e opressora da ditadura militar; instaurada após o Golpe de 1964. Os porões do Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), no bairro do Paraíso, em São Paulo, eram sinônimos de tortura, desaparecimento e morte.
Foi neste cenário de terror que um único evento, ocorrido em 25 de outubro daquele ano, romperia a barreira do medo e inauguraria uma nova fase na lenta, mas inexorável luta pela redemocratização: o assassinato do jornalista Vladimir Herzog.
Vlado, diretor de jornalismo da TV Cultura, foi brutalmente torturado e morto pelos agentes da repressão. A versão oficial, mentirosa e grotesca, era a de suicídio por enforcamento, ilustrada por uma fotografia fria e macabra, forjada para humilhar a vítima e intimidar a sociedade. No entanto, o assassinato de Herzog (um profissional da comunicação, um intelectual e um homem de vasto círculo social) não seria silenciado.
O clamor gerado por sua morte, em especial o histórico Ato Ecumênico na Catedral da Sé, tornou-se o ponto de inflexão que desmoralizou a ditadura e consolidou Vlado como um mártir da liberdade de expressão e dos direitos humanos.
Ao celebrarmos os 50 anos de sua ausência física, revisitamos a vida e a trajetória de Vladimir Herzog, o legado de sua luta contra a tirania e a persistência de um caso que, mesmo após meio século, continua a ditar os termos da justiça de transição no Brasil.
Vlado Herzog nasceu em 27 de junho de 1937, na cidade de Osijsk, que na época pertencia ao Reino da Iugoslávia (hoje Croácia). Ele e sua família viveram em Banja Luka até meados de agosto de 1941, quando o Exército Nazista ocupou a cidade; forçando jornada de fuga à Itália.
Eles buscaram refúgio em três cidades antes de serem transferidos para um campo de refugiados em Bari. Foi somente no final de 1946, quase na véspera do Natal, que Vlado e seus pais conseguiram emigrar para o Brasil, encontrando um novo lar em São Paulo.
Sentindo que seu nome de batismo, Vlado, soava estranho para a cultura local, preferiu adotar a grafia Vladimir. Naturalizado brasileiro, cresceu na capital e trilhou uma trajetória marcada pela intelectualidade e comunicação. Sua formação acadêmica inicial foi em Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), mas seu destino profissional se consolidaria no jornalismo, fotografia, cinema e ensino.
Sua carreira jornalística teve início em 1959, no jornal O Estado de S. Paulo, onde se destacou como repórter, cobrindo eventos de grande relevância nacional e internacional, como a inauguração de Brasília, a visita do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre ao Brasil e a posse de Jânio Quadros.

No início da década de 1960, se casou com Clarice Herzog, que seria sua companheira na vida e, mais tarde, na incansável luta por justiça. Em 1965, com a escalada da repressão, Vlado e Clarice decidiram se exilar em Londres, onde ele foi contratado pelo Serviço Brasileiro da BBC Radio. Lá, nasceram seus dois filhos, Ivo e André.
Em 1968, com uma falsa esperança de que o ambiente político havia se suavizado — uma ilusão desfeita logo após o Ato Institucional no 5 (AI-5), em 13 de dezembro do mesmo ano —, a família retornou ao Brasil. Em 1975, Vladimir Herzog alcançou o ápice de sua carreira na comunicação, sendo nomeado diretor de Jornalismo da TV Cultura, a emissora pública de São Paulo, responsável pelo telejornal Hora da Notícia.
Sua posição de prestígio, sua rede de contatos e seu histórico de posições críticas, ainda que sutis ou culturais, em um contexto de repressão extrema, tornaram-no um alvo prioritário para os órgãos de segurança da ditadura.
Em 1975, ao assumir a direção de Jornalismo da TV Cultura (uma emissora pública e vinculada ao governo do estado), Vlado se encontrou em um espaço de disputa ideológica.
Herzog era visto como um articulador da imprensa paulista e uma figura de liderança. O regime, no governo Geisel (1974-1979), intensificou a repressão contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB) — ao qual Herzog era ligado — com o objetivo de desarticulá-lo e minar a resistência que poderia atrapalhar a transição controlada.
Seu vasto círculo de relações, que a ditadura militar rotulava como “inimigo do Estado”, e sua influência no meio cultural e jornalístico foram os motivos que o levaram à mira dos militares.
O DOPS e o DOI-CODI buscavam informações e prisões para justificar a repressão, frequentemente baseando-se em delações e acusações forjadas.
O destino trágico de Vladimir Herzog começou a se desenhar na noite de 24 de outubro de 1975. Agentes do DOI-CODI procuraram-no na sede da TV Cultura, exigindo que ele os acompanhasse para “prestar depoimento” sobre suas supostas ligações com o PCB.
Após uma negociação tensa, Vlado, por um ato de coragem e crença na legalidade, aceitou se apresentar no dia seguinte. Na manhã de sábado, dia 25, Vladimir Herzog se apresentou voluntariamente à sede do DOI-CODI, no quartel do II Exército, em São Paulo. Ele jamais saiu vivo de lá.
Vlado foi submetido a uma sessão brutal e prolongada de tortura. Os agentes da ditadura usaram métodos cruéis e desumanos com o objetivo de extrair informações e delações sobre a estrutura do PCB. No entanto, o corpo de Herzog não resistiu aos ferimentos e maus-tratos infligidos. Ele foi assassinado pelos seus algozes ainda nas dependências da prisão.
Ainda no mesmo dia, os militares apressaram-se em forjar a versão de que Vladimir Herzog havia se suicidado, enforcando-se com um cinto em sua cela. Para corroborar a farsa, o regime divulgou a infame fotografia de seu corpo pendurado por um cinto, preso à grade de uma janela, com as pernas flexionadas e tocando o chão, uma posição que, pericialmente, é incompatível com o enforcamento por suicídio.
O assassinato de Vladimir Herzog não foi apenas mais uma morte nos porões da ditadura; foi um catalisador que mobilizou a sociedade civil e abalou o regime militar em suas fundações, expondo a crueldade e a mentira do Estado.
A comoção foi imensa e orgânica. A mobilização pública teve um efeito prático e imediato: ajudou a frear temporariamente o ímpeto das prisões e assassinatos políticos, que vinham sendo frequentes, gerando um recuo tático por parte do regime até 1977.
O principal marco da resposta social ao crime foi o Ato Ecumênico na Catedral da Sé, realizado em 31 de outubro de 1975, no sétimo dia da morte de Herzog. Este ato foi muito mais do que uma simples missa: foi a primeira grande manifestação pública e de massa após o recrudescimento da repressão e um desafio direto à autoridade militar.
Graças à articulação corajosa de figuras como Dom Paulo Evaristo Arns (arcebispo de São Paulo), o rabino Henry Sobel, o reverendo James Nelson Wright e Audálio Dantas (então presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo – SJSP), a missa reuniu mais de 8 mil pessoas na Praça da Sé.
O caráter ecumênico da cerimônia — unindo católicos, judeus e protestantes — enfatizou a união de diferentes setores da sociedade civil em torno de um ideal comum: a repulsa à violência e a luta pela verdade.
O evento gerou um impacto negativo para a ditadura, provando que o regime havia perdido o controle narrativo e social. As forças de repressão não conseguiram dispersar a multidão, e a mobilização se tornou um símbolo de resistência e o prenúncio da derrocada final do regime.
A importância do ato de outubro de 1975 é que ele marca o início do fim da ditadura militar no Brasil. Ainda levaria dez anos para termos novamente um governo sem militares, mas aquele momento foi decisivo”, aponta Ivo Herzog, filho de Vlado, em entrevista à equipe de Aventuras.
Em celebração aos 50 ano da morte de Vlado, a Comissão Arns e o Instituto Vladimir Herzog realizaram a recriação do ato inter-religioso na Catedral da Sé neste dia 25.
“Passados 50 anos, seguimos vendo nossa democracia ameaçada, e lembrar desse marco é fundamental para entendermos o quanto a luta de então abriu caminho para a reconquista democrática”, continua.
Meio século após seu assassinato, o legado de Vladimir Herzog transcende a figura do jornalista e se consolida como um pilar fundamental da democracia brasileira e do movimento de Memória, Verdade e Justiça.

Sua trajetória de luta e a luta de sua família pavimentaram um caminho que resultou em importantes avanços jurídicos, institucionais e sociais. A base deste legado é a figura de sua esposa, Clarice Herzog.
Após a morte do marido, Clarice assumiu um papel de protagonista na história da resistência brasileira. Ela se recusou a aceitar a mentira do suicídio, reunindo o que viria a ser conhecido como Dossiê Herzog — uma coleção de provas, artigos e documentos que atestavam a tortura e o assassinato de Vlado. Sua determinação foi a força motriz que manteve o caso vivo por cinco décadas.
Em 2025, no marco dos 50 anos de luta, Clarice Herzog finalmente recebeu a reparação econômica em prestação mensal pelo Estado, um reconhecimento tardio, mas crucial, da perseguição política sofrida pelo seu marido. Clarice é justamente reconhecida como uma heroína por sua determinação incansável.
A luta pela verdade legal foi longa e árdua. Em 1996, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos reconheceu oficialmente que Vlado havia sido assassinado. No entanto, o reconhecimento oficial mais emblemático ocorreu em 2013, a pedido da Comissão Nacional da Verdade (CNV), com a retificação de seu atestado de óbito.
No lugar da mentira de “enforcamento por asfixia mecânica” (suicídio), o documento passou a constar a verdade histórica: “a morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do II Exército – SP (DOI-Codi)”.
Em março de 2025, a ministra dos Direitos Humanos e Cidadania formalizou a anistia post mortem de Vladimir Herzog, por meio da Portaria no 525, reconhecendo-o oficialmente como vítima do regime e vítima de perseguição política.
Esse reconhecimento é mais um capítulo da longa jornada em busca de justiça pelo que aconteceu com ele. É o Estado brasileiro, em tese a nação brasileira, reconhecendo os crimes bárbaros que ele sofreu e afirmando que deve haver reparação”, aponta Ivo.
O avanço mais significativo e de maior alcance legal veio em nível internacional. Em 2018 (com sentença publicada em 2023), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Estado brasileiro no “Caso Herzog”.
A Corte considerou o Estado responsável pela violação do direito à verdade e à integridade pessoal da família, mas, mais importante, classificou os fatos ocorridos contra Vladimir Herzog como um crime de lesa-humanidade.
Ao fazer essa classificação, a Corte IDH determinou que o Estado brasileiro não pode invocar a Lei de Anistia, a prescrição ou qualquer outra excludente de responsabilidade para se eximir do dever de investigar e punir os responsáveis pela tortura e assassinato.
A Corte ordenou que o Brasil reinicie as investigações e os processos penais para identificar, processar e responsabilizar os autores do crime, reconhecendo o caráter imprescritível de tais crimes.
Apesar da condenação, o Brasil ainda tem pendências no cumprimento total da sentença da Corte, o que mantém viva a luta por uma justiça completa e a punição dos torturadores.
“Mas o principal capítulo dessa história ainda não foi escrito: a revisão da Lei de Anistia pelo Supremo Tribunal Federal. Há uma ação parada há mais de oito anos, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, que precisa voltar ao plenário. A anistia perdoa os crimes políticos, mas nunca deveria perdoar crimes comuns como sequestro, tortura e assassinato. A demora em rever isso é um combustível para que pessoas como as que vimos no 8 de janeiro tentem novos golpes e novas rupturas democráticas”, finaliza Ivo Herzog.
Descrição Jornalista
Metanol no vinho e na cerveja: essas bebidas podem ser contaminadas? Entenda
03/10/2025 08:37 810 visualizações
Cuidado com o vinho barato! Intoxicação por metanol acende alerta no Brasil
05/10/2025 12:55 716 visualizações
Hospital Memorial divulga boletim médico sobre estado de saúde do ex-governador Fernando Freire
08/10/2025 05:00 402 visualizações
Casal é condenado por ‘se beijar excessivamente’ a bordo de avião
06/10/2025 04:38 389 visualizações
Imagens impressionantes: Megaengarrafamento reúne dez milhões de carros após feriadão na China
11/10/2025 07:30 377 visualizações
Morre a produtora cultural Candinha Bezerra, esposa do ex-senador Fernando Bezerra
13/10/2025 14:00 325 visualizações
Pernas inquietas: a razão psicológica por trás do movimento constante que muitos fazem sem perceber
02/10/2025 05:28 316 visualizações
O que significa esquecer o nome de certas pessoas, segundo a psicologia
22/10/2025 04:42 294 visualizações
Milton Nascimento recebe diagnóstico de demência aos 84 anos
02/10/2025 10:12 263 visualizações
Careca do INSS enviou R$ 2 milhões via Pix para ex-diretor do órgão
03/10/2025 07:36 255 visualizações
