Comportamento 14/07/2025 12:42

Há um século, adolescentes não eram considerados plenamente humanos

Um pai ou uma mãe até poderia ser perdoado por pensar que adolescentes são primitivos. Eles falam em monossílabos (“Comida!”), quando falam.

Seu raciocínio pode parecer limitado. (“Cadê meu tênis!? Ah, tá no meu pé.”) Como grupo, parecem não apenas humanos ainda não maduros, mas humanos ainda não totalmente formados. Talvez da espécie extinta Homo habilis, com sorte, Neandertais.

Pode se tranquilizar com essa impressão. Há um século, quando a psicologia da adolescência surgiu como campo de estudo, era exatamente essa a visão dominante: adolescentes não eram totalmente evoluídos; eram pré-humanos.

O principal defensor dessa ideia foi G. Stanley Hall, psicólogo e educador da Clark University, em Massachusetts, nos Estados Unidos (EUA) que, em 1878, recebeu da Universidade Harvard o primeiro doutorado em psicologia concedido nos Estados Unidos. Naquela época, a adolescência não era apenas um mistério, mas praticamente uma inexistência.

Durante séculos, até a Era Industrial, os jovens passavam diretamente da infância ao trabalho e à reprodução. A economia não permitia espaço para adolescentes semi-produtivos, muito menos para algo como uma cultura jovem.

Houve ecos do sofrimento adolescente antes disso. “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, foi publicada em 1597.

Os Sofrimentos do Jovem Werther, romance de 1774 de Johann Wolfgang von Goethe, conta a história de um jovem que, em busca do amor, passa por melancolia, euforia, pensamentos suicidas e, por fim, sentimentos não correspondidos que levam à tragédia.

O livro fez parte do movimento literário alemão do final do século XVIII conhecido como Sturm und Drang, que identificava a angústia e a impulsividade como características definidoras de jovens românticos.

Hall, nascido em Massachusetts em 1844, cresceu em meio a grandes mudanças sociais e demográficas. Com os avanços na medicina, saneamento e condições de vida, a expectativa de vida média nos EUA aumentava: de cerca de 40 anos em 1800 para quase 50 em 1900.

Reformadores progressistas buscavam combater os males da industrialização e defendiam o ensino fundamental obrigatório; aos poucos, famílias da classe trabalhadora começaram a optar pelo ensino médio, já que mais educação poderia significar melhores salários.

Essas forças acabaram criando um novo período entre a infância e a vida adulta. Hall foi um dos primeiros estudiosos a tentar nomear e explicar essa nova fase.

— Até Hall, havia apenas uma noção difusa de que existia esse período da vida que era diferente — diz Laurence Steinberg, psicólogo da Temple University e especialista em adolescência. — O que Hall fez foi ligar os pontos. Ele foi o primeiro a reunir tudo.

Ele acrescenta:

— Ele teve algumas ideias malucas e outras brilhantes.

Hoje, entendemos a adolescência como uma fase de intenso desenvolvimento cognitivo e social. Os jovens se esforçam para integrar o que já conhecem (o que aprendem com os pais, as gerações anteriores e nas escolas) ao desconhecido, ou seja, aquilo que descobrem ao experimentar o mundo por conta própria. Esse processo de transição gera conflitos, tanto internos quanto externos, à medida que tentam seguir regras aprendidas enquanto lidam com mudanças: tudo isso com um cérebro programado para buscar recompensas.

Vistos assim, adolescentes são exploradores hipersensíveis, desajeitados, que avançam na linha de frente das ideias e moldam o futuro.

Quando Hall observou o mundo e a ciência de sua época, ficou preocupado. Notou o aumento da criminalidade juvenil: em 1890, havia 58 reformatórios nos Estados Unidos, geralmente abrigando jovens de 5 a 25 anos, com idade média de 14,23.

Com menos evidências, associava o tédio adolescente à tendência de se tornarem andarilhos e vagabundos. Descreveu vários estudos das duas décadas anteriores, incluindo um que sugeria uma relação entre a puberdade e distúrbios nervosos.

Suas observações e preocupações ocorreram num momento de imigração em massa para os EUA. Estavam sendo traçadas distinções entre os americanos “civilizados” e os recém-chegados “menos civilizados”. As cidades estavam superlotadas e, aos olhos de Hall, cheias de tentações e vícios.

Para ele, os adolescentes eram uma peça-chave de uma sociedade caótica que poderia evoluir ou regredir, e eles apresentavam tendências preocupantes de retrocesso.

“Cada passo do caminho está repleto de destroços do corpo, da mente e da moral”, escreveu em sua obra seminal de 1904, Adolescência: sua Psicologia e sua Relação com a Fisiologia, Antropologia, Sociologia, Sexo, Crime, Religião e Educação.

“Há não apenas estagnação, mas perversão em cada estágio, além de delinquência, crime juvenil e vícios secretos.” (Por “vícios secretos”, Hall se referia à masturbação.)

Mas por que esse período da vida existiria? A explicação de Hall era direta e alinhada ao pensamento científico da época: adolescentes estariam revivendo uma fase primitiva da evolução humana.

No final do século XIX, com a melhoria dos microscópios e o advento da teoria da evolução por seleção natural de Charles Darwin, os biólogos começaram a estudar com mais atenção o desenvolvimento embrionário de diferentes espécies.

Os embriões de espécies “mais avançadas”, como os humanos, pareciam, em determinados estágios, com os embriões de espécies “primitivas”: peixes, salamandras, pintinhos, porcos, coelhos.

Era como se o desenvolvimento de um indivíduo (ontogenia) repetisse a história evolutiva da espécie (filogenia). A ideia ficou conhecida como teoria da recapitulação, resumida pela frase do embriologista alemão Ernst Haeckel: “a ontogenia recapitula a filogenia.”

Ao seu redor, Hall via sinais de que o crescimento humano também seguia esse padrão. Crianças muito pequenas eram compreensivelmente simples e egoístas.

— Bebês são indefesos porque foi assim que a espécie começou — explica Steinberg, resumindo a visão de Hall.

Depois vinha o adolescente, que Hall descreveu como “neo-atávico” e “sugestivo de um período antigo de tempestade e estresse”. E não era culpa só deles: assim como hoje culpamos os smartphones, Hall culpava os atrativos das cidades. “Jamais a juventude foi exposta a tantos perigos de perversão e estagnação como em nosso país e época”, escreveu em 1904.

Por isso, Hall acreditava que crianças pequenas deveriam ser rigidamente educadas, antes que a adolescência caótica e inevitável se instalasse.

“Jamais haverá tanta receptividade ao treinamento e à disciplina, tanta plasticidade ao hábito ou tão fácil adaptação a novas condições”, escreveu. “É a idade do ensino externo e mecânico. Leitura, escrita, desenho, música, línguas estrangeiras e sua pronúncia, manipulação de números e elementos geométricos, e muitos tipos de habilidades encontram agora sua hora de ouro.”

Para atravessar a adolescência com segurança, ele defendia que os jovens continuassem num ambiente estruturado, como um ensino médio rigoroso, a fim de completar sua evolução literal rumo à vida adulta. “Estamos conquistando a natureza”, escreveu.

“A adolescência é um novo nascimento, pois é agora que nascem os traços superiores e plenamente humanos.”

Hall também lançou as bases para ideias importantes que permanecem até hoje, como a plasticidade mental dos adolescentes. Ele até mencionou os benefícios de técnicas de respiração para acalmar a ansiedade: uma ideia que só recentemente se tornou popular.

Mas a visão de que a adolescência marcava um estágio primitivo da humanidade não durou muito. Outros estudiosos tomaram a dianteira: Anna Freud, Erik Erikson e outros passaram a ver os adolescentes como indivíduos enfrentando conflitos e buscando sentido.

Mais recentemente, a pesquisa passou a combinar essas observações comportamentais com evidências empíricas da neurociência, biologia e outras áreas.

O que emergiu foi a compreensão de que os adolescentes vivem um período de intensa sensibilidade ao mundo ao redor. Comportamentos que aos adultos parecem grosseiros podem, na verdade, ser formas de questionar o senso comum.

Ansiedade e depressão podem ser sinais de sobrecarga de informação: o sistema de processamento do adolescente se vê paralisado e frustrado diante do bombardeio de ideias, muitas delas transmitidas por telas, em um mundo que gira rápido demais.

Adolescentes não são nada retrógrados: estão tentando descobrir como olhar para frente — e nos moldam tanto quanto nós os moldamos. Neandertais? Só no cheiro, às vezes. Mas não hesite em pedir para usarem o garfo, terminarem o dever de casa e largarem o celular tempo suficiente para tomar um banho.

Deu em O Globo

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista