Imigrantes 06/07/2025 08:22

Número de imigrantes quase triplica no RN em 12 anos

O número de estrangeiros que escolheram o Rio Grande do Norte como novo lar quase triplicou em pouco mais de uma década. Dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a população de imigrantes residentes no Estado passou de 1.753 pessoas em 2010 para 4.472 em 2022.

Para a demografia, o movimente reflete não apenas mudanças nas rotas migratórias globais, mas também o papel que o RN tem desempenhado como destino de novos fluxos populacionais.

A origem desses imigrantes também mudou. Em 2000, os “estrangeiros potiguares” vinham principalmente de Angola, França e Estados Unidos. Enquanto em 2010 os principais grupos eram compostos por italianos, portugueses e espanhóis, no último censo os argentinos assumiram a liderança, seguidos pelos estadunidenses e venezuelanos.

O Rio Grande do Norte passou a atrair perfis diversos de imigrantes, tanto aqueles que se encantam com o estilo de vida local quanto os que buscam refúgio de crises humanitárias.

A dinâmica potiguar segue um comportamento nacional, analisa o demógrafo Ricardo Ojima, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). “A migração internacional passou por muitas décadas não sendo tão importante para a dinâmica demográfica nacional e vem aumentando mais recentemente, então aqui também não tem essa tendência.

A identificação do terceiro país como a Venezuela sendo a origem desses migrantes, tem a ver com esse movimento de problemas e crises humanitárias que acabam mudando a geopolítica internacional”.

Entre os argentinos que se fixaram no Estado está Elena Cilleruelo, de 54 anos, que vive com a família há 18 anos na Praia da Pipa, em Tibau do Sul.

“Foi uma decisão em família. Viemos direto para morar, mesmo sem conhecer o lugar pessoalmente, só por fotos. A ideia era buscar um lugar mais tranquilo, longe da correria das grandes cidades como Buenos Aires, onde morávamos. Queríamos criar nossos filhos em um ambiente com mais contato com a natureza. Moramos na Praia da Pipa há 18 anos”, relata.

A história de Elena, que hoje trabalha como costureira, é um exemplo da migração por escolha, em busca de qualidade de vida. “O estilo de vida. A tranquilidade, a proximidade com a natureza e a possibilidade de viver de forma mais simples e presente foram fundamentais para decidirmos fincar raízes por aqui”, diz.

No entanto, a conexão afetiva com o país de origem permanece. “Sinto falta dos afetos: da família, dos amigos, das longas conversas de domingo depois de um bom churrasco. E, claro, das comidas, doces e da enorme variedade de guloseimas argentinas”, lembra.

Crises provocam novos fluxos

Em contraste, há quem venha ao Rio Grande do Norte por motivos muito distintos. Edgar González, venezuelano de 29 anos, chegou ao RN em 2018 com a família para fugir de uma crise.

“Nós viemos de lá da Venezuela em 2018, atravessamos até outro país. Nosso país é muito difícil para todos. Nossa aldeia, nossa comunidade é diferente. Já estava acabando escola, trabalho. Não conseguia receber Bolsa Família, como aqui. O governo nos deixava assim, como se estivesse abandonando a nossa comunidade. Por causa dessa situação nos mudamos de lá”.

A chegada de González ao RN é reflexo da crise humanitária na Venezuela, um dos principais fatores de deslocamento da população.

A escassez de alimentos e medicamentos levou 7,7 milhões de venezuelanos a buscarem refúgio em outros países, de acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). González é um indígena, pescador, pertencente aos Warao – conhecido como o “Povo da Canoa” pela vocação pesqueira.

Tradicionalmente, vivem em comunidades fluviais na região do delta do rio Orinoco e têm na pesca, no artesanato e na coleta de frutos a base de subsistência, além de organização comunitária própria e forte ligação com a natureza.

A realidade enfrentada pela família de Edgar é marcada por desafios de sobrevivência e adaptação.

“Aqui no Rio Grande do Norte eu gostei muito, não vamos voltar para o nosso País, nós vamos estar para sempre aqui. Minha família também gostou. Precisamos de uma casa para a nossa vida, porque há muito tempo estamos assim, já passei por muitos bairros, morando, pagando aluguel, nas ruas, depois nós tentamos falar de novo com o governo para conseguir um abrigo, já conseguimos um abrigo. A situação continua difícil”.

As barreiras linguísticas e culturais dificultam a reinserção profissional.

“Não temos trabalho, é muito difícil para nós. Somos indígenas Warao. Nós não entendemos muito português, fica muito difícil para conseguir trabalho. Preciso continuar para o meu sonho para conseguir uma casa, trabalhar. Eu preciso de um trabalho, sou da pesca. Eu sou pescador, então preciso de uma canoa, talvez uma rede para trabalhar. Muitas mulheres que estão aqui fazem artesanato, assim como a minha esposa. Pedimos que entendam que nós somos diferentes, que temos uma cultura diferente”, afirma.

Rede de apoio acolhe imigrantes no Estado

A presença crescente de imigrantes levou à criação de iniciativas de acolhimento e apoio, como a Associação em Solidariedade ao Imigrante no Rio Grande do Norte (Asirn), fundada por Muhamad Taufik, 60, comerciante e imigrante palestino.

“Eu nasci na cidade de Nazaré, em Israel, em 1965. Digo isso porque em 1948 Israel ocupou a minha cidade, que antes de 1948 era Palestina. Por exemplo, meus pais que nasceram em 1940 nasceram na Palestina, em Nazaré. Eu nasci na mesma cidade, 25 anos depois, mas em Israel. Sou cidadão israelense, mas sou palestino e cidadão brasileiro, recentemente”, conta.

Taufik chegou ao Brasil em 1996 com a esposa, potiguar de Campo Grande. Desde então, se estabeleceu em Natal e empreendeu.

“Eu conheci a Ana Maria em 1987, na antiga União Soviética, onde eu saí do meu País para estudar psicologia, e ela saiu no mesmo mês, em setembro de 1987, para estudar jornalismo, depois ela mudou para filosofia. Então, nós conhecemos na antiga União Soviética, e no primeiro mês que chegamos, nós conhecemos e casamos. Um ano depois, nasceu nossa filha, em Moscou, e terminamos os estudos em 1993”.

Além de viver com a família e tocar um negócio próprio, Muhamad também se engajou no apoio a imigrantes. “Em 2008, aqui em Natal, a comunidade muçulmana começou a trabalhar e ajudar imigrantes africanos.

Ainda em 2008, um barco naufragou na praia de Caiçara do Norte, onde tinham africanos que estavam indo para a França, mas o barco acabou quebrando e chegou aqui. Naquela época, tivemos o conhecimento que tinham, acho que 12 pessoas, oito muçulmanos e quatro cristãos”, pontua.

A partir dessas experiências, nasceu a ideia da associação. “Em 2015, começou a migração, o refúgio da Venezuela e os venezuelanos descobriram a gente, e nós estamos ajudando imigrantes. Naquele ano começamos com alunos da UNP, do curso de Relações Internacionais, que é um grupo de alunos que começaram o trabalho deles da faculdade, com imigrantes. Então, eles nos procuraram, então, juntos começamos a ajudar imigrantes ou refugiados da Venezuela”, acrescenta.

RN tem 9% de moradores de outros estados

Outro dado do levantamento do IBGE revela que cerca de 9% da população residente no Rio Grande do Norte nasceu em outros estados.

O estudo aponta que 297.696 pessoas que vivem no RN vieram de outras partes do Brasil, número que representa um leve aumento em relação ao último censo, quando 8,6% da população potiguar era nascida em outras localidades do País.

A maior parte dos migrantes internos vem da Paraíba, que responde por quase 96 mil residentes, seguida pelo Ceará, com 41 mil; e São Paulo, com 37 mil.

Para Ricardo Ojima, o fluxo demonstra a posição histórica do RN como um polo de atração regional moderado no Nordeste, mesmo em um cenário de saldos migratórios baixos. “O Rio Grande do Norte sempre foi um estado que teve saldos migratórios positivos ao longo dessas últimas décadas. Sempre foi diferenciado em relação aos outros estados por chegar mais gente do que sair”, pontua Ojima.

Ele destaca também que a dinâmica migratória do RN é marcada por deslocamentos de curta distância. “Principalmente dos estados vizinhos, como o Ceará, Pernambuco, que também é a origem das pessoas que aqui residem. É interessante ter essa dinâmica interna, que eu acho que é o principal fator que faz com que o RN seja importante nas migrações”, comenta.

Os dados do IBGE mostram também que o RN manteve saldo migratório estável, com uma saída de 4.633 no período. O saldo negativo é resultado da operação entre a chegada de pessoas ao RN (61.447) e a saída (66.080) entre os anos de 2017 e 2022. O demógrafo Ricardo Ojima explica que esse resultado tem pouco impacto no tamanho total da população do Estado, estimada em 3,3 milhões de habitantes.

Segundo ele, historicamente, o RN apresenta saldos próximos de zero e o saldo negativo de 4 mil é considerado baixo frente a outros estados.

“É um saldo migratório, embora negativo, um saldo migratório baixo, perto do que os outros estados têm. O estado do Rio Grande do Norte, em 1991, teve saldo positivo, em 2000 também teve saldo positivo. Então, nos outros censos tem um saldo muito próximo de zero, então os valores, embora pareçam, se você olhar, quatro mil pessoas no total da população do Rio Grande do Norte é um volume muito baixo, impacta muito pouco no tamanho da população”, detalha. Estados como Rio de Janeiro e Maranhão tiveram saldo migratório negativo de 165 mil e 129 mil respectivamente.

NÚMEROS

Migração internacional no RN

  • 2000: 1.578 pessoas
  • 2010: 2.824 pessoas
  • 2022: 4.472 pessoas (2.770 homens e 1.702 mulheres).

Principais países de origem

  • 2022
    Argentina
    Estados Unidos
    Venezuela
  • 2010
    Itália
    Portugal
    Espanha
  • 2000
    Angola
    França
    EUA

Migração interna no RN

  • 2022: 9,03% da população nasceu em outros estados (297.696);
  • 2010: 8,61% (272.643);
  • 2000: 8,36% (232.001);
  • 1991: 8,36% (201.752).

Principais estados de origem (2022):

Paraíba – 95.985
Ceará – 41.001
São Paulo – 37.398
Pernambuco – 33.415
Rio de Janeiro – 27.964
Bahia – 9.131
Minas Gerais – 7.023
Distrito Federal – 6.042
Pará – 4.791
Goiás – 4.265

Fonte: IBGE/Censo 2022

Deu em Tribuna do Norte

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista