Crédito 23/06/2025 14:15
Nova regra do Banco Central muda tudo: o crédito nunca mais será o mesmo
Uma mudança profunda está em andamento no sistema bancário brasileiro, e ela promete redefinir a forma como o crédito é concedido no país.
A entrada em vigor da Resolução 4.966, do Banco Central, obriga os bancos a adotarem uma abordagem preditiva para avaliar riscos, abandonando práticas tradicionais baseadas em dados históricos de inadimplência.
Mesmo com um prazo de três anos para implementação total, a nova regulamentação já começa a impactar as instituições financeiras.
As exigências alteram modelos operacionais consolidados e impõem um novo padrão na precificação, concessão e monitoramento do crédito, exigindo mais precisão e antecipação por parte dos bancos.
A Resolução 4.966 foi inspirada no padrão contábil IFRS 9, adotado internacionalmente, e estabelece a necessidade de considerar perdas esperadas ao longo de todo o ciclo de vida do crédito.
Antes da regra, os bancos utilizavam médias históricas para mensurar o risco. Agora, devem aplicar modelos que projetem cenários futuros de inadimplência com base em indicadores antecipados.
A norma exige que sinais de deterioração de crédito — como queda de renda, aumento do endividamento ou desvalorização de garantias — já sejam suficientes para classificar o contrato como de risco elevado. Isso implica a necessidade de provisionar mais capital para cobrir essas possíveis perdas.
A mudança principal está na transição de muitos contratos para o chamado Estágio 2, que representa risco moderado. Isso pode multiplicar por até 13 vezes o valor da provisão necessária, mesmo que o cliente ainda esteja em dia com seus pagamentos. O simples surgimento de alertas preditivos já altera a classificação.
Com isso, o modelo de gestão de crédito passa a ser mais dinâmico e exige decisões antecipadas. A nova lógica obriga os bancos a repensarem desde os modelos de análise de crédito até a forma como estruturam sua carteira.
Provisionamento é o processo pelo qual os bancos se preparam financeiramente para perdas potenciais em suas carteiras de crédito. Trata-se de uma reserva contábil que protege a solvência da instituição em casos de inadimplência. Com a Resolução 4.966, o cálculo dessa provisão passa a ser baseado em riscos futuros e não apenas no histórico de atrasos.
Isso significa que, desde o momento da concessão de um crédito, já se deve estimar o impacto potencial desse empréstimo no balanço do banco. A mudança exige monitoramento contínuo e maior capacidade analítica para prever mudanças de comportamento dos clientes.
Com as novas exigências, os bancos deverão investir em sistemas que permitam rastrear a rentabilidade por produto e segmento em tempo real. A antecipação de tendências será uma vantagem competitiva, assim como a capacidade de simular diferentes cenários econômicos e comportamentais.
Esses avanços permitirão que as instituições identifiquem clientes em risco antes mesmo que haja inadimplência, promovendo renegociações, ajustes nas garantias e outras ações preventivas.
As mudanças nas regras de provisionamento também afetam o desenho dos produtos financeiros oferecidos ao mercado. Linhas de crédito com garantias mais sólidas tendem a exigir menor provisão, o que pode tornar produtos como financiamentos imobiliários ou com alienação fiduciária mais atrativos para os bancos.
Por outro lado, operações sem garantias robustas terão impacto maior nos balanços. A tendência é que as instituições revisem o apetite por risco, os prazos oferecidos e os critérios de concessão, o que pode restringir o acesso ao crédito para alguns perfis de clientes.
O custo do provisionamento deve influenciar diretamente na precificação dos produtos. Taxas de juros, prazos e exigências de garantias passarão a refletir mais intensamente o risco projetado. Isso exigirá que os bancos reavaliem as margens de lucro de seus produtos, priorizando segmentos com risco mais previsível.
Instituições que investirem em inteligência analítica e automação terão mais ferramentas para mitigar riscos, ajustar preços e oferecer crédito com mais segurança, mantendo a rentabilidade sob controle.
O sucesso na adaptação à Resolução 4.966 depende de investimentos robustos em modelagem estatística e análise preditiva. Instituições que contam com algoritmos avançados conseguem identificar rapidamente mudanças no perfil dos clientes e tomar decisões com base em dados mais granulares.
Esses modelos também permitem que os bancos façam simulações para entender o impacto de cenários adversos na carteira, além de ajustar rapidamente suas estratégias comerciais.
Para garantir a efetividade dos novos modelos, é essencial que os bancos integrem diferentes fontes de dados, com histórico consistente e capacidade de processamento elevado. Isso inclui desde informações cadastrais até dados comportamentais e macroeconômicos.
A rastreabilidade das decisões também se torna mais importante, já que os órgãos reguladores exigirão justificativas técnicas claras para as classificações e provisões realizadas. A transparência nos relatórios será um diferencial competitivo.
Embora o Open Finance ainda não esteja plenamente implementado em sua forma mais abrangente, ele representa uma ferramenta promissora para alimentar modelos preditivos com dados mais amplos e profundos sobre os consumidores. A longo prazo, poderá reforçar o poder de previsão e aumentar a qualidade das análises de risco.
No entanto, a adoção prática ainda é limitada, e os bancos não devem contar exclusivamente com essa base de dados para se adaptarem às novas exigências. O investimento em estrutura interna continua sendo o pilar principal da mudança.
Experiências internacionais mostram que bancos que não se adequaram a mudanças semelhantes tiveram aumentos significativos nos níveis de provisão. Isso impacta diretamente o resultado financeiro das instituições, podendo comprometer lucros e competitividade.
A falta de adaptação também pode gerar desequilíbrios no balanço patrimonial, com riscos para a imagem e até a solvência de algumas instituições, especialmente as menores e com menor capacidade de investimento em tecnologia.
O movimento iniciado com a Resolução 4.966 marca uma transição definitiva na gestão de risco no sistema financeiro. Não se trata de uma atualização técnica, mas de uma transformação cultural e estratégica, que redefinirá padrões de relacionamento com os clientes e de operação dos bancos.
O sucesso nessa transição dependerá não apenas de tecnologia, mas da capacidade de mudança organizacional e adoção de uma mentalidade prospectiva em todas as áreas envolvidas no processo de concessão de crédito.
A Resolução 4.966 impõe aos bancos um novo paradigma de gestão do crédito, centrado na previsão de riscos futuros e não mais apenas na análise de histórico de inadimplência.
Essa mudança exige reestruturação profunda de processos, investimentos em tecnologia e, principalmente, uma nova cultura organizacional focada em dados, agilidade e antecipação.
As instituições que conseguirem se adaptar com rapidez e precisão sairão na frente, com maior eficiência operacional, melhor controle de risco e portfólios mais saudáveis.
Já aquelas que resistirem à mudança podem enfrentar sérias consequências financeiras. Em um ambiente regulatório mais rigoroso e competitivo, prever é mais importante do que apenas reagir.
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