Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes negou que haja conflito de interesses em sua atuação em processos que envolvam a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Quando um ministro do STF precisa negar conflito de interesses em público, o estrago já está feito.
A CBF tem uma parceria com o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) para promover a CBF Academy, “um projeto de profissionalização e modernização da indústria do futebol no Brasil”, como descreve seu site.
O site do projeto diz também que “todos os programas da CBF Academy são conduzidos em parceria com o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, instituição de ensino superior certificada pelo Ministério da Educação (MEC) e com ampla experiência na organização de cursos de graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado em diversas áreas, tais como Administração, Comunicação, Direito, Economia e Tecnologia”.
Sócio
O decano do STF é sócio do IDP, e seu filho, Francisco Schertel Mendes, é o diretor-geral da instituição de ensino. É por isso que todas as decisões de Gilmar que mantiveram Ednaldo Rodrigues no comando da CBF desde o início de 2024 foram recebidas com desconfiança.
A posição de Gilmar nesse caso fica ainda mais complicada diante do fato de que dois de seus colegas se disseram impedidos de atuar no caso de Ednaldo, que está de novo fora do comando da CBF — e recorrendo da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) no STF.
No caso de Luiz Fux, o impedimento se baseou na atuação de seu filho, Rodrigo Fux, como advogado no processo que corre no TJ-RJ.
Já Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, já tinha advogado para a CBF há décadas e tem um sobrinho, Rafael Barroso Fontelles, que também atuou no processo.
Limites
As condições de atuação de Fux e Barroso são diferentes da de Gilmar, mas sinalizam um limite saudável para o trabalho dos ministros do STF. A declaração de impedimento de um juiz é, mais do que uma medida para assegurar justiça na decisão, um sinal de respeito à instituição.
“Não há impedimento, nem suspeição de ministro, nos julgamentos de ações de controle concentrado, exceto se o próprio ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação”, esclareceu o próprio STF em 2020. Ou seja, cabe ao próprio ministro decidir.
Essa prerrogativa, que garante autonomia ao juiz, serve de proteção contra subterfúgios para retirá-lo do processo, mas só se justifica se a decisão de participar ou não de um caso fizer sentido aos olhos de quem acompanha o julgamento.
A liberdade de decidir sobre em que processo está apto a atuar não é exatamente um direito, mas um fardo, ao qual os ministros do STF têm de fazer frente — do contrário, essa liberdade perde o sentido e se impõe a necessidade de estabelecer outro tipo de controle.
Dúvidas
O meme que ilustra esta análise, de decano do STF como Batman, voltou a circular nas redes sociais depois que Gilmar negou mais uma vez, em 7 de maio, o afastamento de Ednaldo da presidência da CBF — o cartola acabaria afastado novamente pelo TJ-RJ em 15 de maio.
A piada circula, aliás, desde janeiro de 2024, quando o decano do STF reconduziu o cartola à presidência da entidade pela primeira vez, sozinho, por decisão monocrática, sob o argumento de que a vacância do cargo poderia prejudicar a inscrição da seleção brasileira de futebol no torneio pré-olímpico.
Esse está longe de ser o único caso de conflito de interesses no STF, no qual atuam escritórios que têm entre seus componentes cônjuges e filhos dos ministros, com a anuência declarada do Supremo.
Apesar de esses parentes não atuarem diretamente nos casos do Supremo, suspeita-se, não sem razão, que os escritórios nos quais eles atuam sejam contratados por supostamente terem mais acesso e melhor trânsito com os ministros do tribunal.
Jogando livre
As alegações de conflito de interesses no Supremo se intensificaram desde a chegada do ministro “com a cabeça política” Flávio Dino, por causa de seu histórico político-partidário.
O caso de Gilmar no processo de Ednaldo é o mais popular de todos, contudo, e interfere de maneira mais significativa, como nenhum outro, na forma como o STF é encarado pelos brasileiros.
Os ministros do Supremo precisam estar — e se portar — à altura dos postos que ocupam, sob o risco de não apenas mancharem suas próprias biografias, mas de prejudicar a reputação do tribunal e, consequentemente, reduzir o valor, o impacto a legitimidade de suas decisões.