Erro de cálculo

Para Rodrigo Toniol, seria errado qualificar frei Gilson como um religioso bolsonarista apenas por defender pautas como a luta contra o aborto ou a homossexualidade.

“Ele é um religioso, então é óbvio que ele é contra o aborto e que vai ter falas restritivas sobre o casamento homoafetivo. É claro que, pra ele, o lugar da mulher está mais ou menos marcado. Isso tem mais a ver com o fato de ele ser um religioso do que com uma posição política”, disse a pesquisadora Tabata Tesser.

Para Tesser, haveria uma precipitação no campo da esquerda e até mesmo entre alguns integrantes da comunidade acadêmica em classificar clérigos como frei Gilson dentro do campo bolsonarista.

“Há setores da esquerda tentando pintar o padre Gilson como um frei bolsonarista, mas a esquerda não pode esquecer que é a própria Igreja Católica que, há quase uma década, vem investido nesse tipo de clérigo influencer”, disse.

Para ela, analistas vêm procurando tratar os movimentos conservadores da Igreja Católica, que sempre existiram, da mesma forma como trataram o voto evangélico a partir das eleições de 2018, quando este segmento votou majoritariamente em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais daquele ano.

“O que vem acontecendo no caso do frei Gilson é que setores da esquerda tentam colocar uma culpa, que é um termo bem católico, sobre Frei Gilson como se esse conservadorismo fosse um fenômeno exclusivo do frei Gilson”, disse.

Para a cientista política e diretora executiva do Instituto de Estudos da Religião (Iser), Ana Carolina Evangelista, frei Gilson se situaria no campo ultraconservador, mas não poderia ser considerado bolsonarista.

“Ele é um religioso que se identifica mais com o campo ultraconservador na política. Não sei, porém, se eu o enquadraria como bolsonarista porque mesmo antes de Bolsonaro, já havia um aumento do ativismo ultraconservador católico”, afirmou.

Para o presidente da Frente Parlamentar Católica, deputado federal Luiz Gastão (PSD-CE), é um erro classificar frei Gilson como um religioso bolsonarista.

“O frei Gilson é católico apostólico romano. Ele defende Jesus Cristo e a palavra de Deus. Ele não defende nenhum lado político, mas na política, infelizmente, tudo está sujeito à polarização”, afirmou o parlamentar à BBC News Brasil.

Segundo ele, frei Gilson tem o direito de defender suas pautas religiosas e não deveria ser constrangido por fazê-lo. O parlamentar diz que criticar o clérigo pode trazer prejuízos políticos.

“Queremos garantir que a gente possa defender nossa fé e que nos seja assegurada a nossa fé […] Todos os que criticarem ou atacarem frei Gilson estão errando porque hoje ele representa a Igreja Católica”, disse.

O deputado federal Padre João (PT-MG), em contrapartida, defendeu as críticas feitas a frei Gilson em sua pregação sobre as mulheres. O parlamentar é padre católico ordenado em 1995 e atuou na paróquia de São José Operário, em Ouro Branco, no interior de Minas Gerais.

“É um equívoco enorme e até desrespeitoso quando colocamos a mulher como subalterna ou auxiliar. A mulher é uma criatura de Deus igual ao homem”, afirmou à BBC News Brasil.

Na avaliação do parlamentar, o tom das críticas foi acertado, ainda que possa gerar prejuízos eleitorais.

“Essa firmeza da crítica é acertada, agora, se formos olhar a tática eleitoral, é outra questão. Mas nem sempre a esquerda pensa na parte eleitoral. A gente também pensa no que é justo. O que não podemos é tolerar as injustiças”, disse.

“Hoje, faz-se uma coisa e amanhã outra e depois temos o feminicídio porque, segundo esse discurso, estaríamos tratando de um ser inferior”, afirmou o parlamentar.

Rodrigo Toniol disse que o que aconteceu com Frei Gilson nos últimos dias foi a sua transformação em uma espécie de símbolo da polarização entre esquerda e direita no Brasil.

“Minha sensação é de que o debate que se produziu sobre ele é de que quer transformá-lo numa espécie de token (símbolo) político. Isso é perigoso do ponto de vista social e pobre do ponto de vista analítico”, disse.

Para Tabata Tesser, parte da esquerda errou na forma como criticou frei Gilson e acabou favorecendo uma suposta narrativa recorrente da direita segundo a qual os cristãos estariam sob perseguição no mundo, inclusive no Brasil.

“A extrema direita brasileira se constituiu, nos últimos anos, como uma direita cristã ancorada na chamada cristofobia, que é a ideia de que os cristãos estariam sendo perseguidos. O que aconteceu com frei Gilson, em alguma medida, dialoga com essa ideia da direita de dizer: ‘Não temos liberdade nem pra rezar o nosso terço ou fazer nosso culto às 4h da manhã'”, disse Tesser.

Deu em BBC