Alimentos 19/01/2025 12:04
Como surgiu a feijoada? Não, ela não é uma herança dos escravizados
Contrariando a concepção popular de que o prato seria uma invenção de negros trazidos da África ao Brasil, a feijoada, na verdade tem influência europeia. Entenda por quê
“Que comida escura é essa?”, pergunta um aristocrata português do século 18, durante uma festa. “É feijoada.
É saborosa. Feita com os restos do porco que não aproveitamos na cozinha”, responde uma mulher. Apesar de resistir um pouco, a vilã da história, Violante, acaba se entregando ao prato: “é um pecado de tão bom”. É aí que Xica da Silva, dona da casa, se aproxima da rival e dá o truco: “Gostou da carne? É de Damião, seu informante, o traidor que contava pra vosmicê tudo que se passava nessa casa”..
Essa cena antológica da dramaturgia brasileira fez parte da novela “Xica da Silva”, exibida pela Rede Manchete em 1996 — provavelmente, a única em que uma mocinha faz a vilã comer carne humana inadvertidamente.
Mas é uma cena que repete um mito que ficou associado à feijoada: a de que é um prato inventado por pessoas escravizadas com as “sobras” de porco não usadas pelos brancos.
Antes de chegarmos à origem real da feijoada, é preciso derrubar essa história de uma vez por todas.
O historiador Carlos Augusto Silva Ditadi escreveu:
“A sociedade escravista do Brasil, no século 18 e parte do 19, foi constantemente assolada pela escassez e carestia dos alimentos básicos decorrente da monocultura, da dedicação exclusiva à mineração e do regime de trabalho escravo; não sendo rara a morte por alimentação deficiente, incluindo a morte dos próprios senhores. O escravo não podia ser simplesmente maltratado, pois custava caro e era a base da economia. […] Não existe nenhuma referência conhecida a respeito de uma humilde e pobre feijoada elaborada no interior da maioria das tristes e famélicas senzalas”.
E o que os escravizados comiam?
Os pesquisadores parecem concordar que a mistura de feijão e farinha era a principal fonte de alimentação dos escravizados, com ocasionais pedaços de carne para complementar as refeições.
“O alimento dos escravos compõe-se principalmente de angu, feito com farinha de milho e água, feijão preto e carne seca”, relatou o etnógrafo suíço Johann Jakob von Tschudi ao visitar o Brasil em meados do século 19.
Ele ainda notou que “A quantidade distribuída entre os escravos varia em cada fazenda, numas a distribuição é farta, mas noutras quase não dá para matar a fome dos pobres desgraçados”.
As partes “menos nobres” do porco (pé, rabo ,orelha, língua) também não tinham nada de indesejadas.
“Eram apreciadas na Europa e no Brasil como iguarias, pois nem as ‘altas personalidades’ deixavam de apreciá-las, a exemplo da Casa Imperial”, afirma Ariza Maria Rocha historiadora e professora da Urca( Universidade Regional do Cariri). Outros autores concordam que os europeus apreciavam e valorizavam partes do porco utilizadas na confecção do prato.
Rodrigo Elias, mestre em História Moderna e Contemporânea pela UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que “o que se sabe de concreto é que as referências mais antigas à feijoada não têm nenhuma relação com escravos ou senzalas, mas sim a restaurantes frequentados pela elite escravocrata urbana”.
E ele vai além: “entre os africanos, aliás, muitos de origem muçulmana ou influenciados por esta cultura, havia interdição do consumo da carne de porco. Como, afinal, poderiam fazer nossa conhecida feijoada?”.
A feijoada como a conhecemos hoje tem dois ingredientes principais: o feijão preto e a carne de porco.
Embora o feijão preto, especificamente, tenha origem sul-americana, outras variedades dessa leguminosa já existiam em diversas partes da Europa, inclusive em Portugal, muitos séculos antes do descobrimento do Brasil. Foi de lá, inclusive, que veio a palavra “feijão”, pois os indígenas brasileiros chamavam o vegetal de “comandá”.
Quando vieram para o Brasil, os portugueses trouxeram para cá o conceito do cozido, basicamente um prato que mistura carnes, legumes e verduras. É um prato que remonta ao Império Romano e que se disseminou com formatos e nomenclaturas variadas pelo Mediterrâneo.
“Há variações de um lugar para o outro, porém é um tipo de refeição bastante popular, tradicional. Em Portugal, o cozido; na Itália, a casoeula e o bollito misto; na França, o cassoulet; na Espanha, a paella, esta feita à base de arroz.
Essa tradição vem para o Brasil, sobretudo com os portugueses, surgindo com o tempo – na medida em que se acostumavam ao paladar, sobretudo os nascidos por aqui – a ideia de prepará-lo com o onipresente feijão-preto, inaceitável para os padrões europeus. Nasce, assim, a feijoada”, descreve Rodrigo Elias.
O feijão preto já era consumido pelos indígenas brasileiros, que coziam o alimento e depois descartavam o caldo, comendo o restante com as mãos.
Somado a isso, vem o consumo do porco em larga escala, também introduzido pelos lusitanos. E aí consolida-se a feijoada como um prato que junta as três coisas: o consumo das partes mais miúdas do porco, o feijão cozido e a mistura dos dois ingredientes em um guisado.
O historiador e sociólogo Câmara Cascudo, em seu clássico A História da Alimentação no Brasil (1967), descreve a feijoada como “um modelo aculturativo do cozido português (…) resultado da junção do consumo do porco – introduzido pelos lusos – com uma série de ingredientes vindos de distintos locais do Brasil, tais como o feijão preto, a carne seca do sertão, o charque do Rio Grande do Sul, couve, toucinho, entre outros”.
No começo do século 18 é quando a iguaria se consolida e começa a aparecer com frequência nos cardápios de restaurantes da elite — o primeiro registro é de 1833, quando, no Diário de Pernambuco, o Hotel Théâtre, de Recife, informa que às quintas-feiras seria servida “feijoada à brasileira”.
Hoje em dia, a feijoada é tradicionalmente composta por feijão preto, que é cozido juntamente com as partes menores do porco (pé, rabo, orelha, língua), carne de charque (também chamada de carne-seca), linguiças e defumados, folhas de louro e refogado com alho e cebola.
O prato costuma ser acompanhado de arroz branco, farofa, couve refogada ou frita e laranja, além do torresmo e do molho de pimenta em algumas regiões.
No entanto, mesmo com essa versão dos fatos sendo a mais aceita hoje pelos pesquisadores, é preciso ressaltar que ela não apaga a importância dos negros na criação do prato.
“Mesmo com as técnicas e da ideia inicial ser de autoria portuguesa/europeia e remeterem ao Mediterrâneo em uma prática milenar, eram as escravas as responsáveis por executar as refeições dos seus senhores, já que, com a massiva quantidade de escravos advindos da África e a grande quantidade de mão de obra ‘gratuita’, era uma desonra um homem livre trabalhar”, afirma o bacharel em Gastronomia Lucas Melo Melquiades da Silva em seu trabalho de conclusão de curso, nomeado “Gastronomia Afro-Brasileira: Compreendendo A Origem, Histórias E Estórias Da Feijoada“.
Descrição Jornalista
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