Jornalismo 30/10/2024 11:53

Editorial de Jeff Bezos, dono do Washington Post, é lição à imprensa brasileira

Queda de confiança da população na mídia levou bilionário a reconhecer problemas e resistir a pressões por endosso eleitoral

Jeff Bezos, dono do jornal americano The Washington Post, que se recusou a endossar uma candidatura presidencial, publicou o editorial “A dura verdade: os americanos não confiam na mídia”.

Jeff Bezos, dono do jornal americano The Washington Post, que se recusou a endossar uma candidatura presidencial, publicou o editorial “A dura verdade: os americanos não confiam na mídia”.

O bilionário fundador da Amazon e da Blue Origin precisa ensinar empresários da comunicação brasileiros a fazerem autocrítica:

“A maioria das pessoas acredita que a mídia é tendenciosa. Qualquer um que não veja isso está prestando pouca atenção à realidade, e aqueles que lutam contra a realidade perdem. A realidade é uma campeã invicta. Seria fácil culpar os outros por nossa longa e contínua queda de credibilidade (e, portanto, declínio de impacto), mas uma mentalidade de vítima não ajudará. Reclamar não é uma estratégia. Devemos trabalhar mais para controlar o que podemos controlar para aumentar nossa credibilidade.

…) Por si só, recusar-se a endossar candidatos presidenciais não é suficiente para nos levar muito acima na escala de confiança, mas é um passo significativo na direção certa.

(…) A falta de credibilidade não é exclusiva do The Post. Os jornais de nossos irmãos têm o mesmo problema. E é um problema não apenas para a mídia, mas também para a nação. Muitas pessoas estão se voltando para podcasts improvisados, postagens imprecisas de mídia social e outras fontes de notícias não verificadas, o que pode espalhar rapidamente desinformação e aprofundar as divisões. O Washington Post e o New York Times ganham prêmios, mas cada vez mais falamos apenas com uma certa elite. Cada vez mais, falamos com nós mesmos.”

“Piloto automático”

Bezos se compromete em lutar: “Não permitirei que este jornal fique no piloto automático e desapareça em irrelevância”.

“Agora, mais do que nunca, o mundo precisa de uma voz confiável e independente, e onde melhor para essa voz se originar do que a capital do país mais importante do mundo?”, questiona.

Essa voz já existe em O Antagonista, mas não vamos brigar com Bezos por isso.

Exercitar novos músculos

“Para vencer esta luta, teremos que exercitar novos músculos. Algumas mudanças serão um retorno ao passado, e algumas serão novas invenções. A crítica será parte integrante de qualquer coisa nova, é claro. Este é o caminho do mundo. Nada disso será fácil, mas valerá a pena”, anuncia o empresário.

Apesar disso, ele encerra o texto enaltecendo os jornalistas do próprio veículo, que “trabalham meticulosamente todos os dias para chegar à verdade” e “merecem ser acreditados”.

Mas eu, Felipe, pulei de propósito uma parte do texto: aquela em que Bezos admite não ser “o proprietário ideal do The Post”, em razão da “aparência de conflito”.

“Todos os dias, em algum lugar, algum executivo da Amazon ou da Blue Origin ou alguém de outras filantropias e empresas que possuo ou invisto está se reunindo com funcionários do governo. (…)

Você pode ver minha riqueza e interesses comerciais como um baluarte contra a intimidação, ou pode vê-los como uma teia de interesses conflitantes.

Somente meus próprios princípios podem inclinar o equilíbrio de um para o outro.”

No Brasil, acontece

Ele então defende seu histórico como proprietário do jornal desde 2013, desafiando o leitor a “encontrar um exemplo nesses 11 anos em que prevaleci sobre qualquer um no The Post em favor dos meus próprios interesses”“Não aconteceu”, garante Bezos.

No Brasil, acontece o tempo todo.

Empresários aliados de presidentes e/ou de poderosos togados atuam nos bastidores para impedir jornalistas de darem notícias verdadeiras, mas inconvenientes ao regime de turno, enquanto seus veículos faturam com verbas de publicidade federal, ou suas demais empresas fecham contratos públicos, ou seus grupos de lobby recebem autoridades em eventos financiados por alvos de investigações de corrupção, também eles patrocinadores de diversas emissoras.

No mercado da comunicação brasileiro, que deveria ser “um baluarte contra a intimidação” estatal, prevalece, sobretudo em TV e rádio, uma “teia de interesses conflitantes”, com raros empresários cujos princípios se inclinam para o jornalismo independente e vigilante, em favor da sociedade e do interesse público.

A ocupação quase total dos espaços televisivos e radiofônicos por propagandistas de uma corrente chapa-branca e/ou ideológica de esquerda, cada vez mais desconectada da realidade do povo, como mostraram os resultados das eleições de 2024, ainda agrava o quadro, turbinando uma guerra de narrativas contra seus homólogos de sinal invertido, atuantes nas redes sociais e em emissora órfã das verbas de publicidade do governo anterior.

A dura verdade é que os brasileiros tampouco confiam na mídia mainstream, com o agravante, claro, de que nenhum de seus proprietários parece se importar com isso.

Deu em O Antagonista
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista