Artigo 08/01/2024 11:18

É lorota que havia plano de golpe em 8 de janeiro de 2023

Um ano depois, querem convencer você do contrário. Mas a turba partiu para o quebra-quebra quando entendeu que ninguém daria golpe nenhum

Por Mário Sabino

Não havia plano de golpe em 8 de janeiro de 2023.

O que houve foi um quebra-quebra promovido por gente mequetrefe em uma Praça dos Três Poderes estranhamente despoliciada.

O quebra-quebra de bolsonaristas pode ser considerado ato terrorista? Na minha visão, pode, embora muitos dos seus participantes não tivessem consciência disso. Foi grave? Claro que foi.

A turba era pró-golpe? Evidentemente, sim.

Os vândalos e seus financiadores devem ser punidos com severidade? Não há dúvida, desde que em obediência ao devido processo legal, infelizmente ignorado. Mas o país viu a sua democracia ameaçada pelo quebra-quebra? Francamente, não.

Um ano depois, querem convencer você do contrário, de que havia uma ameaça planejada, articulada, de golpe. Lorota. Tanto é que até agora estão à procura de idealizadores.

Que golpe é esse em que o maior interessado, Jair Bolsonaro, estava na Flórida e nem deixou preposto no país? Que golpe é esse sem presidente da República em palácio, sem ministro do STF na sede do tribunal e sem deputado e senador no Congresso?

Cadê os chefes militares do tal golpe? Havia fardados simpáticos a virar a mesa? Sim, um deles era o então comandante da Marinha, o senhor Almir Garnier. Mas as Forças Armadas eram golpistas?

Não. Generais e similares não cederam à alopragem de Jair Bolsonaro e dos seus sequazes, tanto antes como depois da vitória de Lula.

Quando o ainda presidente da República mostrou a tal minuta do golpe aos comandantes, o general Marco Antônio Freire Gomes, à frente do Exército, disse a ele: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”. General golpista não ameaça presidente golpista com voz de prisão.

Na mesma entrevista ao jornal O Globo em que afirmou que havia um plano para prendê-lo e matá-lo, o ministro Alexandre de Moraes disse:

“Não que o Exército fosse aderir (a um golpe), pois em nenhum momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados”. Ainda?

No auge da confusão que se instaurou na cúpula do governo, não havia líder do quebra-quebra com quem negociar, segundo reconheceu, igualmente em entrevista ao jornal carioca, o ministro da Defesa escolhido por Lula, José Múcio Monteiro.

O ministro da Defesa também afirmou:

“Podia ser até que algumas pessoas da instituição quisessem, mas as Forças Armadas não queriam um golpe. É a história de um jogador indisciplinado em uma equipe de futebol: ele sai, a equipe continua. No final, me parecia que havia vontades, mas ninguém materializava porque não havia uma liderança.

Você pode dizer: ‘No governo anterior havia pessoas que desejavam o golpe’, mas não havia um líder que dissesse assim: ‘Nós queremos, eu sou o chefe, vamos’. Não existe revolução sem um chefe.”

José Múcio Monteiro está certo. Não existe revolução sem chefe, não existe plano de golpe sem chefe. Quebra-quebra perpetrado por cretinos fundamentais não é articulação de nada, é desarticulação.

E o quebra-quebra terminou quando as forças da ordem finalmente entraram em ação, sem que tivessem de enfrentar qualquer resistência.

Culpa-se as Forças Armadas por terem tolerado durante tantos dias os acampamentos bolsonaristas nas portas do quartéis. O ministro da Defesa fez uma observação interessante sobre a atuação do STF nesse caso:

“Por que a Justiça não determinou que se tirasse? Por que tinha que ser um ato imposto pela Defesa? A Justiça não tirou, só depois do dia 8.

O ministro Alexandre de Moraes mandou tirar, poderia ter mandado dias 7, 6, 5… Não poderia partir de nós. Poderíamos ter precipitado uma cizânia (nas Forças Armadas).”

O Exército não deixou que a PF entrasse logo no seu perímetro para prender os vândalos que estavam acampados lá. Área militar não está imune a decisões judiciais, está certo, mas o clima geral era tenso e naquele momento as Forças Armadas eram vistas pelo governo petista como golpistas — e elas não eram.

A desconfiança atravessava todos os espíritos e os comandantes não podiam parecer que tinham perdido o controle do seu perímetro, sob o risco de serem desmoralizados diante da tropa.

Pela enésima vez, repita-se: nunca houve condição objetiva para golpe sob a presidência de Jair Bolsonaro.

Não havia apoio das Forças Armadas, não havia apoio da maioria da classe média, não havia apoio de banqueiros e grandes empresários, não havia apoio de parte substancial do Congresso, não havia apoio externo — e não havia apoio na grande imprensa. Tudo isso existia em 1930 e 1964.

A turba que se iludiu com essa possibilidade inexistente partiu para o quebra-quebra justamente porque entendeu que ninguém daria golpe nenhum. Se os vândalos queriam provocar golpistas do Exército a sair dos quartéis em favor deles, isso está longe de ser plano.

Foi a ideia mais estúpida que poderiam ter. Militar, golpista ou não, preza a ordem acima de tudo.

A democracia resiste no Brasil não por obra do STF e muito menos por causa de Lula e do PT.

Uma pesquisa da Qaest divulgada ontem mostra que 89% dos brasileiros desaprovam a barbaridade de 8 de janeiro do ano passado. Entre os eleitores de Jair Bolsonaro, esse índice é de 85% — ele sobe para 94% entre os que votaram em Lula.

Ou seja, por mais polarizado politicamente que o país esteja, a sociedade, na sua esmagadora maioria, acredita que a democracia ainda vale a pena, apesar de tudo.

E bota tudo nisso.

A resistência democrática é dos cidadãos brasileiros.

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista