Os dados indicam que a área, considerada patrimônio nacional pela Constituição e protegida por uma lei especial, ainda está ameaçada. Como resultado dos 20.075 hectares desmatados, cerca de 9,6 milhões de toneladas de CO2 foram lançadas na atmosfera.
Os especialistas alertam que, por mais que o desmatamento tenha reduzido 7% em relação a 2020 e 2021 (período em que 21.642 hectares de mata foram derrubados), a área desmatada entre 2021 e 2022 é a segunda maior dos últimos 6 anos.
E o valor está 76% acima do registrado entre 2017 e 2018, que é considerada a taxa mais baixa de desmatamento dessa série histórica, somando 11.399 hectares.
“Temos um quadro de desmatamento estável, porém, inaceitável para um bioma fortemente ameaçado e fundamental para garantir serviços ecossistêmicos, entre eles a conservação da água, e evitar grandes tragédias, como a que tivemos recentemente no litoral norte de São Paulo”, aponta Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas, em nota à imprensa.
Atualmente, segundo o documento, o bioma é o lar de quase 70% da população brasileira e responde por cerca de 80% da economia do Brasil, além de produzir 50% dos alimentos consumidos no país.
Para os pesquisadores, os dados mostram que, ao contrário do que muitos pensam, o desmatamento continua.
A preocupação de manter a área preservada não se estende apenas ao Brasil, estudos internacionais apontam a Mata Atlântica como um dos biomas mais importantes para futuro do planeta.
Dados
Em relação ao desflorestamento da Mata Atlântica, a pesquisa mostra que cinco estados acumulam 91% da destruição do bioma: Minas Gerais (7.456 ha), Bahia (5.719 ha), Paraná (2.883 ha), Mato Grosso do Sul (1.115 ha) e Santa Catarina (1.041 ha).
Há também oito estados que mostraram um aumento nas atividades de desmatamento: Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe.
Entre os estados que mostraram uma redução estão Ceará, Goiânia, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo.
As cidades que mais desmataram no período foram: Wanderlei (BA, 1.254 hectares), Cotegipe (BA, 907 ha), Baianópolis (BA, 848 ha), São João do Paraíso (MG, 544 ha), Araçuaí (MG, 470 ha), Porto Murtinho (MS, 424 ha), Francisco Sá (MG, 402 ha), Capitão Enéas (MG, 302 ha) e Gameleiras (MG, 296 ha).
O sobrevoo no Paraná mostrou algumas áreas desflorestadas e algumas preservadas — Foto: SOS Mata Altlântica
Em geral, apenas 0,9% das perdas se deram em áreas protegidas, enquanto 73% ocorreram em terras privadas, o que reforça que as florestas vêm sendo destruídas sobretudo para dar lugar a pastagens e culturas agrícolas.
A especulação imobiliária, principalmente nas proximidades das grandes cidades e no litoral, também é apontada como outra das causas principais.
Para os autores, isso mostra que o respeito à Lei da Mata Atlântica e ao Código Florestal deveria ser uma das soluções para reverter essa situação.
Contudo, esses mecanismos legais também estão em risco por conta de ações como a Medida Provisória (MP) 1150, aprovada no Senado neste mês.
Segundo o documento, além da MP inviabilizar a recuperação de áreas degradadas, ainda contém graves “jabutis”, que são emendas sem relação com o tema principal da proposta legislativa.
Uma dessas emendas permite uma maior derrubada de florestas nativas e acaba, na prática, com a Lei da Mata Atlântica.
Essa emenda foi impugnada no Senado, mas retornou à Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (24). A decisão foi a de reintegrar os jabutis ao texto.
Para os pesquisadores, isso coloca nossas florestas e nossas vidas novamente em risco. Agora, a MP1150 vai para sanção ou veto do presidente da República.
“A esta altura o desmatamento já precisava ter sido abolido e as ações de reflorestamento deveriam ser uma prioridade em todos os estados da Mata Atlântica. A realidade, infelizmente, é muito diferente”, lamenta Luís Fernando Guedes Pinto.
Tecnologia
Os dados que o Atlas da Mata Atlântica traz são essenciais para que os municípios inseridos nos limites da Lei da Mata Atlântica possam organizar estratégias para conscientizar a população e criar políticas para o monitoramento da vegetação natural.
O relatório também possibilita a identificação e comparação de desmatamentos maiores que três hectares, o que avalia a conservação de remanescentes de matas maduras e sem sinal de degradação.
Foi assim que os pesquisadores encontraram uma área intacta que corresponde a 12,4% da área original. A porcentagem achada faz parte dos 24% de cobertura florestal total remanescente observada pelo MapBiomas, que mapeia remanescentes acima de 0,5 hectare e em diferentes estados de conservação.
A cobertura florestal de 24% é a referência do Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, iniciativa lançada em 2021 em parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica, a Arcplan e o MapBiomas, com apoio da Fundação Flex e do Fundo Canadá.
No Dia da Mata Atlântica, o SAD lançou também um levantamento dos desmatamentos identificados entre janeiro e dezembro de 2022. Foram registrados 9.982 alertas no ano, somando 75.163 hectares perdidos de florestas maduras e jovens.
O número registrado é quase quatro vezes maior do que o contabilizado pelo Atlas.
Sobrevoo no Paraná
No período de janeiro e fevereiro de 2023, o SAD detectou 853 alertas num total de 6.139 hectares desmatados, o que corresponde a uma taxa de 104 hectares perdidos por dia no início do ano. Além do mapeamento, a SOS Mata Atlântica realizou um sobrevoo em áreas de mata no Paraná.
Nesse estado se concentram importantes florestas de araucárias que ano a ano aparecem entre as mais devastadas do bioma. O sobrevoo confirmou as informações do SAD, que mostram um padrão de desmatamento menor, mas persistente na região.
“São derrubadas em faixas laterais, que devoram a mata pelas beiradas, e em pequenas áreas interiores, como furos em um queijo suíço, feitas assim justamente para não serem detectadas pela maior parte das tecnologias, mas que agora o SAD é capaz de capturar”, explica Luís Fernando Guedes Pinto.
O Atlas oferece uma “fotografia” anual do estado de conservação dos grandes fragmentos florestais, sendo de maior importância para a biodiversidade, e pretende embasar políticas de longo prazo para a conservação da Mata Atlântica.
Já os dados do SAD são divulgados semanalmente na plataforma MapBiomas Alerta, com o objetivo de gerar uma documentação completa e pronta para o uso para cada notícia de desmatamento, buscando maior eficácia nas ações dos diversos órgãos responsáveis por combater e fiscalizar o desmatamento.
Deu em Galileu