Empresas 22/05/2023 11:26
O que está por trás do fechamento das lojas de grandes marcas do varejo nacional
Desde janeiro, sete empresas encerraram as atividades de mais de 110 pontos comerciais, com a promessa de fechar outros 100
Notícias sobre lojas sendo fechadas estão cada vez mais frequentes. De janeiro para cá, varejistas tradicionais no mercado brasileiro já baixaram as portas de mais de 110 pontos comerciais e anunciaram que vão encerrar as operações de outros cem nos próximos meses.
O alto número de lojas fechadas coincide com o endividamento dessas empresas e com o aumento dos pedidos de falência e de recuperação judicial.
Segundo levantamento da Serasa Experian, só nos primeiros três meses de 2023, os pedidos de falência subiram 44% em relação ao mesmo período do ano anterior. No caso das recuperações judiciais, na mesma comparação, a alta foi de 37,6%.
Apesar das dificuldades financeiras, as empresas explicam que os fechamentos das lojas fazem parte de uma estratégia comum do varejo, que precisa reavaliar constantemente o desempenho dos pontos de venda.
Especialistas consultados pela reportagem do R7 dizem que diferentes fatores entram em jogo na decisão de encerrar as atividades dos estabelecimentos, que vão de problemas internos, na gestão da própria empresa, a aspectos econômicos e sociais, como a taxa de juros elevada e mudanças no comportamento dos consumidores.
A primeira crise a estourar neste ano foi a da Americanas, na primeira quinzena de janeiro. Antes de entrar em recuperação judicial, a empresa dizia ter 1.863 lojas espalhadas pelos país, sem contar os 1.300 estabelecimentos das marcas BR Mania e Local, abertos em parceria com a Vibra.
Entre janeiro e março, a varejista, que tem dívidas de R$ 42,5 bilhões, fechou 17 de suas unidades, número que, segundo analistas do mercado, agora já passa de 20.
Até o momento, a empresa não anunciou quantas lojas pretende manter em funcionamento, mas a expectativa é de que o corte atinja 4% das unidades ainda neste ano, o que corresponde a pouco mais de 70 estabelecimentos.
A crise da Americanas afastou os consumidores, tanto das lojas físicas quanto do e-commerce. Documentos da recuperação judicial mostram que o faturamento dos canais online recuou 7,7 vezes entre novembro de 2022 e fevereiro de 2023, passando de R$ 1,4 bilhão para R$ 180 milhões.
A empresa tem quase 10 mil credores, dos quais 12 são bancos. A dívida que tem apenas com essas instituições é de R$ 26,4 bilhões.
Para Ulisses Ruiz de Gamboa, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), uma das maiores dificuldades que as empresas enfrentam hoje para evitar a crise é a falta de crédito.
“O varejo está vendendo menos, precisa de fôlego e não consegue, por causa dos juros elevados, que encarecem qualquer tipo de negociação”, afirma.
Ele se refere à dificuldade que as companhias enfrentam para obter empréstimos junto aos bancos e outras instituições financeiras, o que pode ser resultado do “efeito Americanas”.
“A concessão de crédito para pessoa jurídica sempre teve juros mais altos, mas a oferta tem diminuído. Os bancos estão mais temerosos, a inadimplência aumentou, são vários fatores influenciando ao mesmo tempo”, explica.
Para Fábio Sobreira, analista-chefe e sócio da Harami Research, a crise de crédito atrapalha os planos de recuperação das varejistas.
“O crédito está muito caro, o que dificulta os empréstimos. Está caro para vender, está caro para o cliente comprar e para o comerciante conseguir fazer capital de giro. E tudo isso porque as taxas de juros estão altas, o que vem prejudicando o varejo como um todo.”
A decisão de fechar lojas, segundo Gamboa, tem relação direta com os juros altos, a escassez de crédito e a situação econômica das famílias.
“Também existem possíveis problemas de gestão nas empresas, decorrentes de dificuldades que podem ter começado na pandemia. Foi um período com altos e baixos da renda, em que foi muito difícil prever o consumo. Problemas de gestão começaram aí”, avalia o economista.
Ele cita adaptações que foram necessárias e urgentes naquele momento, como a implantação de sistemas de entregas e de delivery, e o aumento dos estoques.
“Foi um ponto de inflexão para varejo. Também precisamos considerar que o perfil do consumidor pode ter mudado. Mesmo com o fim do isolamento, ainda tem muita gente mantendo o home office, e a permanência no lar pode ter mudado o consumo”, diz.
Parte da crise que acomete o varejo de moda e decoração é devida a falhas na gestão das empresas. A Renner fechou 20 lojas, quatro da própria marca, 13 da Camicado e três da YouCom.
Em um comunicado em que explicava seus motivos, a companhia assumiu que decisões ruins da direção e um erro de estratégia prejudicaram os negócios.
No lançamento da coleção de inverno as coisas não saíram como os gestores esperavam. No início do ano, o nível dos estoques ainda estava alto e era preciso reduzir esse volume. Por isso, a direção da empresa decidiu cancelar a coleção de meia-estação, e fazer diretamente o lançamento das roupas de inverno.
A estratégia, que foi usada com sucesso em 2022, não funcionou neste ano. As temperaturas permaneceram altas no começo do segundo trimestre, os clientes não comprarem as roupas, que ficaram nas prateleiras das lojas. Os preços altos também afastaram os consumidores, o que desacelerou as vendas.
“De maneira geral, até houve um resultado [no comércio] melhor que o esperado, as vendas continuam em desaceleração, mas desaceleraram menos no primeiro trimestre”, analisa Gamboa, economista da ACSP.
A Renner chegou ao fim do primeiro trimestre com 652 lojas em todo o país, 431 da própria marca, 111 da Youcom e 110 da Camicado. Mesmo com o fechamento das 20 lojas, houve crescimento na comparação com igual período de 2022, quando o grupo tinha 638 estabelecimentos.
As unidades fechadas representam, segundo a companhia, menos de 1% das lojas da própria marca e da Youcom, e cerca de 10% da Camicado. Está prevista a inauguração de cerca de 15 a 20 lojas Renner, sendo 75% em novas praças, de dez a 15 pontos da Youcom, além de cinco da Ashua.
Entretanto, a Renner continuará a analisar o desempenho de suas unidades, e pode encerrar as atividades das que não tiverem bons resultados.
Em comunicado, os gestores da Renner afirmaram que, da mesma maneira que fecham lojas, também abrem outras, em novas localidades. Portanto, os fechamentos anunciados fazem parte de um processo de ‘reposicionamento da marca’.
No mesmo segmento, a Lojas Marisa, que tinha 344 lojas físicas no ano passado, já encerrou neste ano as atividades de 51 pontos de vendas e anunciou o fechamento de outros 40 nos próximos meses.
Uma das unidades fechadas foi a da rua Direita, no centro de São Paulo.
Está nos planos da empresa fechar até 25% de suas lojas e renegociar o aluguel de várias unidades, tanto no comércio de rua quanto em shoppings. Hoje, cerca de 7,4% das vendas da varejista são realizadas em meios digitais.
A Marisa também diz que que está em processo de ‘revisão de seu modelo de negócio’. Suas dívidas estão estimadas em mais de R$ 882 mil, o que levou três de seus credores a entrarem na Justiça com pedidos de falência contra ela.
Depois da Americanas, a situação da Marisa é uma das mais complicadas, o que se reflete na quantidade de lojas fechadas com o objetivo de gerar caixa mais rapidamente.
A crise da varejista começou há dez anos, mas vem se agravando desde 2020, quando o prejuízo líquido foi de mais de R$ 400 milhões.
No ano seguinte, as perdas da empresa foram de mais de R$ 70 milhões e, e em 2022, de mais de R$ 200 milhões. Só no primeiro trimestre deste ano, o prejuízo líquido foi de R$ 148,9 milhões, um aumento de 64,2% em relação a igual período de 2022.
Ainda no varejo de moda fast-fashion, a Riachuelo anunciou o fechamento de sua ‘flagship store’, sua loja conceito, que ficava na rua Oscar Freire, região nobre da cidade de São Paulo. Anteriormente, ela já havia encerrado as atividades da fábrica que tinha em Fortaleza (CE), centralizando toda sua produção em Natal (RN).
A marca é administrada pela empresa Guararapes, que tem 400 lojas: 333 unidades são da Riachuelo, 52 da Carter’s, 12 da Casa Riachuelo e três da Fanlab. Há, ainda, 15 unidades do tipo store in store (em que a loja fica dentro de outra, maior), das quais 13 são da Casa Riachuelo e duas da Carter’s.
Assim como a diretoria da Renner, a da Riachuelo se manifestou sobre o fechamento da unidade por meio de nota, dizendo que fazer a revisão da base de lojas é “um movimento natural do varejo”.
Dez unidades da Centauro foram fechadas em janeiro deste ano, com a intenção de reduzir despesas e aumentar os lucros da rede de lojas de artigos esportivos.
Motivada pela queda das vendas, a decisão foi necessária, segundo a companhia, como uma reação ao atual contexto econômico do país.
Com dívidas de R$ 244,5 milhões, a Amaro está em processo de recuperação extrajudicial, aprovado pela Justiça de São Paulo no fim de março.
São R$ 151,8 milhões em dívidas com bancos e R$ 92,8 milhões a pagar a fornecedores.
No pedido que a varejista protocolou em 22 de março, na 3ª Vara de Falências e Recuperação Judicial do estado, ela afirmou que sua dívida chegou a um patamar impagável, justificando que “o setor de varejo vem sofrendo com a alta de juros e com a volatilidade do câmbio”.
A crise do varejo conta, ainda, com o processo de falência da Livraria Cultura e as recuperações judiciais da Livraria Saraiva e da Máquina de Vendas (Ricardo Eletro), que estão em andamento.
“A intenção de comprar parcelado caiu muito. Atualmente, as pessoas estão privilegiando a compra à vista”, afirma Gamboa, da ACSP. Esse comportamento, avalia, mostra que o consumidor está mais cauteloso.
“A confiança do consumidor continua caindo, é a quarta queda seguida. Entrou no campo pessimista, que trava o consumo.”
O economista se refere ao índice de confiança do consumidor, que é monitorado pela ACSP, e ficou abaixo dos cem pontos em maio, nível considerado pessimista.
De acordo com a associação, o principal motivo da menor motivação do consumidor é a redução da atividade econômica no país. “Um dos pontos de maior preocupação é a falta de segurança em relação à continuidade no emprego”, diz.
“Todo mundo está vendendo menos, mas os setores que lidam com itens de valor mais alto, em que a compra é condicionada a um financiamento, como o de veículos, eletrônicos e eletrodomésticos, a retenção caiu para menos da metade”, conta Gamboa.
Isso pode ser observado no setor de móveis e decorações, com a Tok&Stok, que também teve pedido de falência solicitado por um credor.
Das 65 lojas que a empresa tinha espalhadas pelo país, pelo menos dez já foram fechadas: duas em Fortaleza, uma em Recife (PE), uma em Porto Alegre (RS), uma em Vila Velha (ES), uma em Curitiba (PR), uma em Campinas, uma em Piracicaba, uma em São Caetano do Sul (SP) e outras no Rio de Janeiro (RJ).
Em algumas localidades, a pressa para esvaziar o imóvel resultou em liquidações com descontos de até 50%.
Em lojas do Nordeste, por exemplo, havia o seguinte aviso: “Olá. Informamos que em breve encerraremos nossas atividades nesta loja. Mas não se preocupe, você ainda poderá se inspirar e continuar comprando com a gente pelo site, app ou em outras unidades”.
“A transformação digital foi obrigatória, e acabou sendo acelerada pela pandemia, mas algumas empresas tiveram dificuldades para se digitalizar, para operar nessa pegada mais digital. A Tok&Stok foi uma delas, não conseguiu fazer essa transição como desejava. Isso teve um custo alto, que precisou ser compensado com o fechamento de lojas físicas”, fala Antônio Sá, sócio-fundador da Amicci, empresa de desenvolvimento e gestão de marcas próprias.
Estima-se que, ao todo, a Tok&Stok vá fechar pouco mais de 20% das lojas da rede, em capitais como Teresina, Natal, Vitória, Belo Horizonte, Brasília e São Paulo. A dívida da marca é estimada em R$ 600 milhões.
A Casas Bahia, controlada pela Via, que também é dona do Extra.com.br e da Ponto, fechou, em março, a loja que ficava no Edifício João Brícola, onde funcionou o Mappin, em frente ao Theatro Municipal, no centro de São Paulo.
O anúncio da saída da empresa desse local veio logo depois da divulgação dos resultados da Via no quarto trimestre de 2022, um prejuízo líquido de R$ 163 milhões, muito aquém do esperado.
A Casas Bahia estava no prédio desde 2004, onde ocupava 13 pavimentos. Especialistas do setor imobiliário dizem que a empresa vai economizar, só com o aluguel, mais de R$ 600 mil mensais.
Ao comunicar o fechamento da Loja, a Via informou, por meio de nota, que se tratava “de um ciclo natural do varejo”.
Nos primeiros três meses deste ano, foi registrado um salto no número de empresas que pediram falência ou solicitaram à Justiça proteção para renegociar suas dívidas.
Segundo a Serasa Experian, foram 255 pedidos de falência ante 177 no mesmo período de 2022, aumento de 44%. Já a quantidade de recuperações judiciais passou de 210 para 289, alta de 37,6%.
Esse movimento afeta empresas de todos os tamanhos e setores, mas as micro e pequenas são a maioria das que fazem esses pedidos, com 181 solicitações no primeiro trimestre. Em seguida, aparecem as médias empresas, com 73 solicitações, e as grandes, com 35.
A crise do varejo também gera consequências para a indústria: o Grupo Petrópolis, dono de marcas de cerveja como Itaipava, Crystal e Petra, entrou com pedido de recuperação judicial na Justiça do Rio de Janeiro, com dívidas que chegam a R$ 4,4 bilhões.
A fábrica de chocolates Pan Produtos Alimentícios, famosa pelo chocolate em formato de cigarrinho, estava em recuperação judicial desde 2021.
Com uma dívida de R$ 260 milhões, a empresa reconheceu sua incapacidade de honrar seus compromissos e pediu a autofalência, que foi decretada pela Justiça no fim de fevereiro.
Gamboa diz que há expectativa de melhora para o varejo, mas a longo prazo, talvez no quarto trimestre do ano e dependente da redução da taxa básica de juros, que hoje está em 13,75% ao ano. “Este deve ser mais um ano de crescimento baixo do varejo, a melhora pode acontecer mais para o fim do ano, com o resultado dos auxílios [como o Bolsa Família], do aumento do salário mínimo“, finaliza.
Deu em R7
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