Violência 01/05/2023 09:00
Documentos mostram alerta da Abin a GSI e equipe de Dino sobre atos violentos em 8/1
Esses documentos foram enviados pela Abin à CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) do Congresso Nacional
Documentos obtidos pela Folha mostram que a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) enviou desde o dia 6 de janeiro alertas a Gonçalves Dias (Gabinete de Segurança Institucional) e ao Ministério da Justiça, já sob o comando de Flávio Dino (PSB), sobre a possibilidade de ações violentas e invasão a prédios públicos nos atos que ocorreriam dois dias depois, em 8 de janeiro.
Esses documentos foram enviados pela Abin à CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) do Congresso Nacional no dia 20 de janeiro. Os informes são mantidos em sigilo.
Além do GSI, outros 13 órgãos receberam os comunicados, incluindo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, aponta o material que está em posse do Congresso.
No Ministério da Justiça, de acordo com os documentos da Abin, quem recebeu informes ao menos desde o dia 2 de janeiro foi a Diretoria de Inteligência. A partir do dia 6, a PF e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) também começaram a ser atualizadas, daí já com menção à possibilidade de violência nos atos.
No caso do GSI, a Abin aponta que o próprio Gonçalves Dias recebeu em seu celular ao menos três alertas desde o dia 6.
A existência de alertas da Abin na véspera dos ataques foi revelada pela Folha em 9 de janeiro. Os documentos obtidos agora mostram os destinatários, horários e a íntegra das informações repassadas pela agência de inteligência.
Procurados, o GSI e a Justiça negaram ter recebido os comunicados. A defesa de Gonçalves Dias —o ministro pediu demissão no último dia 19— disse que não iria se manifestar.
A primeira mensagem, enviada pela Abin às 19h40 do dia 6, já dizia que havia o “risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”, a intenção de invadir o Congresso e o deslocamento de pessoas potencialmente armadas.
“A perspectiva de adesão às manifestações contra o resultado da eleição convocadas para Brasília para os dias 7, 8 e 9 jan. 2023 permanece baixa.
Contudo, há risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”, dizia a mensagem, enviada a GDias —como o ex-ministro é conhecido— e também ao Ministério da Justiça.
“Destaca-se a convocação por parte de organizadores de caravanas para o deslocamento de manifestantes com acesso a armas e a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional. Outros edifícios da Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo das ações violentas.”
Na manhã de 7 de janeiro, novo informe foi enviado ao ex-ministro e à pasta de Dino. O texto, repassado às 10h30, alertava para a chegada de 18 ônibus de outros estados para o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército para “participar das manifestações”.
“Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios”, dizia trecho da mensagem.
Um informe ainda destacava que “caminhões tanque que transportam combustível não acessam a distribuidora de combustíveis anexa à refinaria (REVAP) de São José dos Campos-SP”.
“Há presença de manifestantes autointitulados ‘patriotas’ no local”, completava.
Na manhã dos ataques, de acordo com o documento da Abin, GDias recebeu o primeiro aviso às 8h53 diretamente em seu celular. O texto dizia que cerca de cem ônibus haviam chegado a Brasília para “os atos previstos na Esplanada”. A mensagem foi enviada somente para o ex-ministro e não aos demais órgãos.
Às 9h, o segundo alerta foi enviado ao ex-ministro, à diretoria de Inteligência da pasta de Dino e aos órgãos do governo do Distrito Federal.
O comunicado chamava atenção para o “incremento significativo no número de barracas” no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército de sábado para domingo.
“Estacionamento da Catedral Rainha da Paz lotado, com manifestantes fazendo churrasco e acompanhando a missa na igreja”, dizia a Abin no segundo alerta do dia.
Às 10h, a agência de inteligência enviou duas mensagens —desta vez a todas as autoridades que acompanhavam as atualizações. O texto dizia que continuava havendo “convocações e incitações para deslocamento até a Esplanada dos Ministérios, ocupações de prédios públicos e ações violentas”.
Às 13h23, quando a Abin já alertava sobre a presença de pessoas que se diziam armadas, o secretário de Segurança Pública em exercício do DF, Fernando de Sousa Oliveira —ex-número dois de Anderson Torres na pasta—, enviou um áudio ao governador Ibaneis Rocha (MDB) em que dizia que estava “tudo tranquilo”, e que os manifestantes tinham “topado” caminhar em direção à Esplanada de forma “pacífica, organizada, controlada”. A mensagem foi repassada pelo governador a Dino.
Após o início dos ataques, às 16h43, o governador ainda disse ao ministro que “vamos precisar do Exército”, em referência a uma possível decretação de operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) —opção descartada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dino.
Apesar de, segundo o documento, os alertas terem sido enviados ao ministro do GSI a partir de 6 de janeiro, a Abin já relatava a sete órgãos federais a situação de manifestações contra a eleição de Lula em rodovias e capitais.
Recebiam os informes o Centro de Inteligência do Exército, o Centro de Inteligência da Marinha, Assessoria de Inteligência de Defesa do Ministério da Defesa, a Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o Ministério da Infraestrutura e a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
A partir do dia 6, no entanto, o GSI, a PF, a PRF e órgãos subordinados ao governo do Distrito Federal —Polícia Militar, Polícia Civil e Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública— também foram incluídos nos informes da Abin.
GSI E MINISTÉRIO DA JUSTIÇA NEGAM TER RECEBIDO INFORMES; GDIAS NÃO SE MANIFESTA
O Ministério da Justiça, em nota, disse não ter recebido os informes de inteligência. “Nenhum dos dirigentes da nova gestão do ministério foi convidado a adentrar grupo de WhatsApp gerenciado pela Abin para receber relatórios sobre golpistas e criminosos que atuaram no dia 8 de janeiro”, disse a pasta.
Em depoimento à PF, o general Gonçalves Dias, conhecido como GDias, negou que tivesse recebido relatórios da Abin e disse que só soube dos alertas enviados pelas equipes de inteligência quando reuniu as informações para responder os questionamentos da CCAI.
A Folha procurou os advogados de Gonçalves Dias e o próprio general, que preferiram não se pronunciar. O GSI disse que o ex-ministro não recebeu os comunicados.
GDias deixou o comando do GSI no último dia 19 após a divulgação de imagens dele no Palácio do Planalto durante a invasão e destruição do prédio.
Como a Folha mostrou, a despeito dos informes, o ex-ministro não preparou esquema especial de segurança para 8 de janeiro.
O ministro da Justiça também negou ter recebido informes da Abin sobre a possibilidade de ataques em 8 de janeiro. Em entrevista ao site Metrópoles, Dino reforçou que não recebeu nenhuma informação da agência, e disse que isso possivelmente ocorreu pelo fato de as informações estarem sendo trocadas pelo WhatsApp.
“Inventaram que eu recebi um informe da Abin, que é tão secreto que ninguém nunca leu, nem eu mesmo. Por quê? Por uma razão objetiva: eu jamais o recebi”, disse em audiência na Câmara no mês passado.
Em sua primeira entrevista após o episódio de 8 de janeiro, Lula também criticou a falta de informações de inteligência.
“Nós temos inteligência do GSI, da Abin, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, ou seja, a verdade é que nenhuma dessas inteligências serviu para avisar ao presidente da República que poderia ter acontecido isso”, disse o presidente à GloboNews, em janeiro.
Deu Folha de São Paulo/Jornal de Brasília