Psicologia 17/04/2023 08:35
O que um psicólogo descobriu estudando segredos das pessoas por uma década
"Nada pesa tanto quanto um segredo", escreveu o fabulista francês Jean de la Fontaine, já no século 17.
“Nada pesa tanto quanto um segredo”, escreveu o fabulista francês Jean de la Fontaine, já no século 17.
Esta metáfora é repetida de diversas formas por muitos outros escritores. E foi o ponto de partida para uma pesquisa que levou uma década, realizada pelo psicólogo Michel Slepian, da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos.
Ele visualizou os aspectos mais profundos da vida de cerca de 50 mil pessoas de 26 países.
“Meus estudos originais questionavam se as pessoas realmente pensavam desta forma”, declarou Slepian à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
“E, de fato, quando pensavam nos segredos, elas demonstravam uma sensação de carga. Davam o mesmo tipo de resposta de alguém que carrega peso físico.”
Para se aprofundar no tema, o pesquisador procurou literatura científica sobre os segredos e percebeu “que, na realidade, não sabíamos nada”.
A questão não é que o assunto não tivesse sido abordado, mas sim que “os psicólogos simplesmente presumiram que sabiam como eram os segredos, e os recriaram em laboratório, em vez de olhar como eles eram no mundo real”.
“Não tínhamos respostas satisfatórias para algumas das perguntas mais básicas, como quais segredos as pessoas guardam, com que frequência elas os conservam e o que acontece quando um segredo vem à mente”, afirma Slepian.
Ele se propôs então a encontrar essas respostas.
Mas, para começar, havia uma pergunta básica que precisava ser respondida.
Parece fácil, mas não é. Existem muitas coisas sobre as quais não falamos, mas todas elas são segredos?
“Existe todo tipo de pensamento e experiência que tivemos e que as pessoas não sabem, mas isso não significa que sejam segredos”, diz o pesquisador.
Há assuntos que você só confiaria ao círculo mais próximo ou que não discutiria em certos espaços, “mas isso tem mais a ver com a noção de privacidade”.
Para Slepian, que é autor do livro The Secret Life of Secrets (“A vida secreta dos segredos”, em tradução livre), o que diferencia um segredo é a intenção.
“Defino o segredo como a intenção de reter informações de uma ou mais pessoas”, explica.
“No momento em que você tem a intenção de não contar algo a uma pessoa, nasce um segredo.”
E não depende de ter havido uma situação em que você poderia ter contado o segredo, mas se calou.
“O fato de você não ter precisado ocultar esse segredo em uma conversa não significa que não seja um segredo.”
“De fato, concluímos que não é muito frequente precisar guardar um segredo em uma conversa, mas é muito comum ficar pensando no segredo ou até ruminando a respeito’, afirma o pesquisador.
Slepian começou pedindo a mil pessoas que contassem um segredo que estavam guardando.
“A partir desse conjunto de mil segredos, desenvolvemos uma lista de 38 categorias muito bem representadas pelos dados”, revela.
Depois de fazer a mesma pergunta para outro grupo de mil pessoas, ele e sua equipe comprovaram que a lista era válida. E continuaram confirmando.
“Quando fazemos a pergunta aberta ‘qual é o segredo que você está guardando?’, 92% das respostas se enquadram em uma dentre 38 categorias.”
E não é só isso: ao apresentar a lista aos participantes, “mais de 97% das pessoas afirmaram que tinham um dos segredos da lista naquele momento e, em média, as pessoas dizem que tiveram 13 segredos da lista em um dado momento”, afirma Slepian.
Essa lista de 38 segredos inclui desde coisas como ferir outra pessoa, física ou emocionalmente, autolesões, uso de drogas ou qualquer tipo de roubo, até uma surpresa planejada para alguém ou um passatempo oculto.
Para nossa sorte, nem todos os segredos pesam.
“Os que chamo de ‘segredos positivos’ não prejudicam nossa saúde e bem-estar; na verdade, podem melhorá-los. Eles nos fazem sentir emocionados e energizados”, destaca o psicólogo.
“Estamos falando de segredos como um pedido de casamento ou uma gravidez. São coisas que nos deixam felizes.”
Também existem segredos que são mais como prazeres secretos — coisas que não contamos para as pessoas porque pensamos que elas não vão entender, nem compartilhar.
“Talvez você goste de ver desenhos animados infantis ou novelas, ou use drogas recreativas”, exemplifica Slepian.
“Quando as pessoas guardam segredos com os quais se sentem bem e acreditam que não estão tomando decisões erradas, mesmo não querendo que os outros saibam, elas demonstram que existe um tipo de solidão que é feliz, autônoma e livre da influência dos demais.”
Mas há muitos segredos que causam ansiedade. O objetivo da missão de Slepian era não só saber que segredos as pessoas guardam, mas também entender por que eles pesam tanto — e, como psicólogo, como fazer para que eles fiquem mais leves.
Com todas as informações reunidas, Slepian e sua equipe prosseguiram com as análises. O objetivo era encontrar uma ordem lógica para essas 38 categorias, criando um mapa 3D de todos os dados.
Ao consultar o público para posicionar os dados no espaço, ele percebeu que havia três dimensões — e que “cada uma dessas dimensões descrevia uma das razões pelas quais pensar nos segredos é prejudicial”.
“Um segredo moral pode nos prejudicar, fazendo nos sentir envergonhados. Um segredo de relacionamento (que envolve outras pessoas) pode nos fazer sentir isolados. E pensar nos [segredos] relacionados às nossas metas ou aspirações pode nos prejudicar, fazendo nos sentir inseguros ou sem saber o que fazer.”
Segundo Slepian, 95% das pessoas pesquisadas destacaram que o simples fato de identificar como dói um segredo faz com que elas “se sintam mais capazes de lidar com ele e encontrar o caminho a seguir”.
Na primeira dimensão, compreender, por exemplo, que seus erros do passado não refletem quem você é hoje, nem o seu comportamento futuro, pode ajudar você a se sentir melhor.
Na segunda dimensão, se a razão principal para não revelar o segredo é porque iria ferir alguém de quem você gosta, mesmo sendo difícil guardá-lo, alivia saber que é para o benefício de outra pessoa.
Mas existe algo que ajuda ainda mais.
No nosso ímpeto, costumamos pensar que, se temos segredos tóxicos, o melhor é confessar. E talvez seja, mas nem sempre.
Há ocasiões em que ser honesto pode te libertar, mas afetar profundamente outras pessoas sem nenhum benefício, ou colocar você em evidência sem resolver nada.
Mas isso também não significa que o melhor seja se calar. Slepian destaca que “o problema de não falar de um segredo com ninguém é que é muito fácil encontrar formas prejudiciais de pensar nele”.
O segredo para superar esta situação seria encontrar um bom confidente.
“Uma forma mais saudável de lidar com os segredos é falar sobre eles com outras pessoas, pois elas podem questionar nossas linhas de pensamento improdutivas e oferecer apoio social e emocional, que você não consegue encontrar por conta própria.”
Mas como encontrar o confidente ideal?
A pesquisa de Slepian destaca que o melhor é encontrar alguém que, além de discreto, você considere sensível, empático, afetuoso, amável, que não tenha preconceitos e que demonstre um sentido moral parecido com o seu. Se ele se escandalizar com o que você revelar, não vai ajudar em nada.
E, antes de começar, lembre-se de não pensar só em você. É preciso analisar se você não vai colocar aquela pessoa dentro do seu problema. Você precisa garantir que vai compartilhar o segredo, e não a sobrecarga e a angústia que ele traz.
“Encontrar alguém com quem falar sobre o seu segredo e escolher a pessoa adequada pode fazer toda a diferença”, conclui o psicólogo.
Deu em BBC
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