Dinheiro 18/01/2023 18:00

‘Livro de cabeceira’ de Marcel Telles, da Americanas, ensina a atrasar pagamentos para fornecedores

O autor aconselha a “nunca pagar uma conta até que o fornecedor pergunte por ela pelo menos duas vezes”. E conclui a passagem dizendo que “certos fornecedores chegam a levar até dois anos para reclamar o pagamento de uma conta”.

De ontem para hoje, a edição brasileira do livro intitulado ‘Double Your Profits In Six Months Or Less’ (ou ‘Como dobrar os seus lucros em seis meses ou menos’) está tomando a curiosidade de grupos no WhstsApp do mercado financeiro.

A mensagem possui o disclaimer “Encaminhada com frequência” no aplicativo, o que já dá ideia do ritmo de circulação. Trata-se de uma imagem com a capa do livro de Bob Fifer, com a frase promocional do exemplar de 2010 da Harper Collins em destaque: “O livro de cabeceira de Marcel Telles, fundador da Ambev“.

A citação é emprestada de uma matéria de outubro de 2010 da revista Exame, em que se mostra a influência que a obra tem sobre o controlador da Ambev. Telles também é um dos principais acionistas da Americanas (AMER3).

No entanto, é outra mensagem que chama ainda mais a atenção. Encaminhada com a mesma frequência, trata-se de uma foto da primeira página do capítulo ‘Contas a Pagar’ (Etapa 37).

Nele, há uma orientação, que à luz da hecatombe contábil da Americanas, foi revestida de um sentido irônico. Diz o parágrafo inicial:

“Um método fácil de favorecer o balanço da sua empresa é atrasar seus pagamentos. A maioria dos fornecedores prefere esperar para receber a perdê-lo definitivamente como cliente”.

O trecho sugere ainda para atrasar os pagamentos com certa periodicidade. “Passe a pagar em 45 dias, depois sessenta dias (…)”.

O autor aconselha a “nunca pagar uma conta até que o fornecedor pergunte por ela pelo menos duas vezes”. E conclui a passagem dizendo que “certos fornecedores chegam a levar até dois anos para reclamar o pagamento de uma conta”.

À luz da crise da Americanas (AMER3), algumas fontes chegaram a brincar com o rigor com que Telles aplicou os ensinamentos de Bob Fifer.

“Parece que a leitura foi proveitosa”, disse um operador sênior de renda variável.

Rombo contábil na linha de fornecedores

Mas, afinal, o que essa história tem a ver com o rombo contábil anunciado na semana passada pela Americanas? Simplesmente tudo.

Isso porque a fonte primária dos problemas da varejista se dá, justamente, na linha de pagamento aos fornecedores. Como mencionado pelo próprio ex-CEO Sergio Rial, a varejista ‘abusou’ de operações financeiras do chamado “risco sacado” para comprar produtos, que não eram lançadas como dívidas.

O risco sacado, ou forfaitdescreve o adiantamento do pagamento aos fornecedores por parte dos bancos credores. Portanto, apesar de receber o pagamento antes, o fornecedor recebe um valor inferior ao contratual, cabendo à Americanas o pagamento a prazo e a juros do valor completo.

Conduzida ao longo de anos, o forfait causou um rombo avaliado, nas estimativas mais conservadores, de R$ 20 bilhões ao caixa da empresa.

A notícia acendeu o sinal de alerta de que a prática também possa ter ocorrido em outras empresas controladas pela 3G Capital — integrada pela tríade de bilionários Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira e Jorge Paulo Lemann.

É o caso da própria Ambev (ABEV3). Aliás, a sangria da Americanas e o efeito de contaminação na Ambev tiraram dezenas de bilhões de dólares da fortuna pessoal dos três acionistas, segundo monitoramento em tempo real da revista Forbes.

Deu em Money Times

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista