Política 27/06/2022 11:55

Discurso antipolítica deve perder forças nestas eleições, avaliam especialistas

Antipolítica se tornou um conceito e uma palavra comum nas eleições de 2016 e 2018. Mas será que ainda há espaço para este discurso?

Sob a égide do impeachment de Dilma Rousseff (PT) e o então declínio do Partido dos Trabalhadores devido às acusações de corrupção, somado ao sentimento abalado de representatividade nos eleitores, a antipolítica se tornou um conceito e uma palavra comum nas eleições de 2016 e 2018.

Com ela, novos personagens e partidos apareceram, conquistaram votos e cargos eletivos com bons números extraídos das urnas eleitorais.

Para entender se, nas eleições deste ano, ainda há espaço para esse discurso ser usado para atrair os votos dos eleitores, a reportagem de O TEMPO conversou com especialistas em ciência política e marketing político.

O resultado das avaliações é que a negação da política — e dos políticos — está em ruínas para as eleições gerais que acontecem em outubro.

Candidatos que foram eleitos em 2016 e 2018 com a mensagem de que não eram políticos enfrentarão dificuldades para repetir o discurso neste ano.

O presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, se aliou a siglas do chamado Centrão, formado por políticos tradicionais, como Ciro Nogueira e Arthur Lira, do PP, e o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto.

“A antipolítica me parece que não vai pegar em 2022 porque quem fez o uso se beneficiou ao se eleger e deixou de ser antipolítico ao virar um político de qualquer modo”, disse Adriano Cerqueira, cientista político e professor da Ibmec-BH.

Por sua vez, o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo, vê com ainda mais ceticismo o uso do discurso antipolítico. “Passou esse mote e acho que perdeu muito da força, até porque o maior símbolo era o Bolsonaro”, analisou.

Em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo) fez sua primeira campanha sem se aliar a nenhuma legenda e se colocou como um empresário que nunca havia se envolvido com política partidária. Quatro anos depois, ele vai disputar a reeleição com o apoio de cerca de 10 partidos.

“Ele foi quem se saiu melhor ao utilizar o discurso antipolítico, mas se ele fosse um político não tradicional, ele não iria para a reeleição”, afirmou o cientista político da UFMG.

Principal adversário de Zema, Alexandre Kalil (PSD) também foi obrigado a mudar a forma de se colocar nas eleições para o governo de Minas. Em 2016, ele se elegeu para comandar a Prefeitura de Belo Horizonte com o slogan “chega de político”.

Durante o mandato, passou a se considerar um “bom político” e, agora, aposta na aliança com o ex-presidente Lula (PT) para se tornar o próximo governador.

“O Kalil (na reeleição para prefeito) em 2020 já não era mais aquele estreante. Ele reconheceu isso, mas adotou o discurso de que a proposta dele era fazer diferente (em relação aos políticos tradicionais)”, avalia a doutora em ciência política e coordenadora do Observatório da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), Érica Anita Baptista.

A análise de Cerqueira, do Ibmec, é que os dois principais candidatos ao governo de Minas vão tentar ressaltar características próprias em vez de tentarem negar a política.

“Zema vai se apresentar como alguém que conseguiu fazer um governo bem avaliado e não estar viciado com velhas práticas da política. Já Kalil vai explorar o sucesso administrativo e o Lula para ficar conhecido em Minas, principalmente no interior do Estado”, disse.

Professor de marketing político do IDP e da ESPM, Marcelo Vitorino avalia que o discurso antipolítico perdeu força e espaço, mas que ainda pode ressoar em uma parcela do eleitorado.

“Em 2016, cerca de 40% dos prefeitos se reelegeram. Em 2020, foram quase 60%. Você teve um aumento de reeleição de quase 50%. Isso já mostra que o clima de renovação mudou. A tentativa de novidade esgotou-se em 2020. Alguns políticos tradicionais voltaram a ocupar espaços que antes poderiam ser ocupados por novatos”, afirmou.

Um conceito, duas visões

Termo amplamente usado nas eleições brasileiras desde 2016, a antipolítica recebeu visões distintas entre os especialistas ouvidos pelo O TEMPO.

Enquanto Carlos Ranulfo, da UFMG, vê este discurso como inimigo da democracia, Adriano Cerqueira analisa que se trata de uma nova forma de fazer política.

Ranulfo crê que o descrédito debitado na conta da política é ruim para o sistema democrático ao generalizar más práticas para todo um sistema .“O discurso da antipolítica dá a impressão que todo o processo político-democrático é corrupto, onde os políticos não fazem nada. Política é um sistema de freio ao poder. Se você não freia, você sai da democracia”, acredita.

Já Cerqueira, pondera que é uma maneira alternativa ao modo tradicional de fazer política. Para ele, o Partido dos Trabalhadores (PT) fez algo semelhante na década de 1980 ao se apresentar com um “jeito PT de governar”.

“A antipolítica tem que ser pensada em termos tranquilos, uma coisa é defender o anarquismo, o que não é o caso. Quem se apresenta [como antipolítico] é contra velhas práticas políticas e quer novas formas. Vejo muito nesse sentido de querer quebrar velhas práticas”, frisa.

Foco na economia e na experiência dos candidatos

Com base na análise das pesquisas eleitorais, Érica Anita Baptista, da Abrapel, afirma que a tendência é que os eleitores busquem candidatos com mais experiência nas eleições deste ano, ao contrário do que ocorreu em 2016 e 2018, quando o clamor era por mudança no sistema político.

Ela atribui essa transformação no desejo do eleitorado à pandemia e às crises econômica e política. “A gente já passou por muita coisa nos últimos anos.

Então, as pessoas buscam alguém com um pouco mais de experiência e que consiga conduzir de forma a dar mais tranquilidade.

As pessoas não querem alguém que caia de paraquedas e que venha propor alguma coisa muito nova. É o que as pesquisas têm mostrado: o brasileiro não tem dado sinais de que quer mudanças radicais”, disse a cientista política.

Segundo Érica Anita, os eleitores demonstram insatisfação com os rumos da economia. “Eles não estão se sentindo seguros para fazer, por exemplo, um investimento e comprar algo que tenha que pagar por muitos anos porque não sabem se terão um emprego para sustentar isso”, afirmou.

Marcelo Vitorino, da ESPM e do IDP, adota linha parecida. Para ele, as eleições de 2022 serão pautadas principalmente pelo discurso econômico.

“De um lado, haverá o argumento que a economia progrediu e precisa progredir mais. Do outro lado, será falado que o Brasil regrediu e precisa retomar. Quem for mais convincente, leva essa eleição. Se a vida da pessoa estagnou, é provável que ela tome uma posição de continuidade do governo atual. Se piorou, é provável que ela resolva mudar o governo”, projeta o professor de marketing político.

Deu em O Tempo

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista