Sem categoria 16/03/2014 10:51

O ódio propagado pela internet

Por fatorrrh_6w8z3t

Uma diz que a “sorte do Cauã Reymond foi que ele ficou bonito/gostoso, porque se continuasse feio como na época de Malhação tava perdido”. Outro fala: “o dia está tão chato que coloquei uns vídeos do Bruno Mazzeo para rolar, para eu lembrar que sempre existe algo pior que uma segunda-feira”.
3Tem quem faz piada com preconceitos de um tipo (“Preta Gil e Ivete Sangalo de azul e cheias de brilho. Ninguém avisou a elas que gorda e muito brilho não combinam?”) ou de outro (“Minha avó acabou de chamar o James Blunt de maricas”). E há até a mensagem filosófica: “Odeio Thalita Rebouças. Ela é muito feliz”.
Só que os autores desses comentários não fizeram isso na cara de nenhum artista. O palco para tanto ódio são redes sociais como Facebook, Twitter e Instagram, em que o anonimato e a facilidade de se dizer qualquer coisa popularizaram um tipo social: o hater (algo como “odiador” em português).
— Eu realmente acho que essas pessoas vivem nas sombras. Ficam em seus quartos, provavelmente peladas, provavelmente solitárias, escrevendo algumas palavras de ódio — afirma o cantor inglês James Blunt, em entrevista por telefone ao GLOBO. —
O Twitter é um espaço em que as pessoas são rudes e grosseiras com todo mundo. É por isso que eu acho que ninguém, nenhum artista, pode levar essas coisas a sério, porque nas redes sociais as pessoas expressam suas opiniões. E opinião, você sabe, cada um tem a sua.
Blunt, cantor da baba “You’re beautiful”, é um tipo de artista que costuma responder a seus haters. “Jesus Cristo, James Blunt lançou um novo disco. Tem algo mais que pode dar errado?”, disse um detrator. “Tem. Ele pode começar a tweetar para você”, respondeu Blunt, na lata. “Toda vez que o James Blunt abre a boca, eu tenho vontade de socá-lo”; “Estou feliz por você não ser meu dentista”, rebateu o cantor. E, para o neto que tem a avó desbocada, ele postou: “Ela só diz isso porque dei um fora nela”.
— Eu respondo aos haters porque os lovers são muito chatos. Eles só ficam dizendo “me segue! me segue!”. E por que eu seguiria esse cara? Meus pais sempre me disseram para não seguir estranhos. As pessoas que me dizem coisas desagradáveis ao menos me dão material para eu me divertir — diz Blunt, que até transformou as zoações na internet em estratégia de marketing: em seu site, ele vende canecas e outros produtos usando comentários dos haters. — Por que eu levaria esse tipo de pessoa a sério? É bizarro. Na quinta-feira eu estava num palco, sob os holofotes, com milhares de pessoas olhando para mim. Acho que se eu virasse esses holofotes na direção dos que me perseguem no Twitter… eles se borrariam de medo.
Como Blunt, há outros artistas que respondem. Em janeiro, a atriz americana Gabourey Sidibe (protagonista do filme “Preciosa”) foi celebrada na internet pela réplica que deu aos tweets maldosos sobre seu visual na cerimônia do Globo de Ouro.
“Ela está grávida”, “Ela está parecendo o próprio Globo” e “#estousurpresoqueelacoubedentrodafoto” foram algumas das mensagens. Gabourey, então, tweetou: “Para as pessoas fazendo comentários sobre minhas fotos GG, eu chorei por causa disso dentro do meu jatinho particular a caminho do meu trabalho dos sonhos”.
— Quando saio na rua, ninguém me xinga. Mas, quando olho a internet, parece que sou detestado — diz o ator Bruno Mazzeo, que, por causa da interação digital nem sempre positiva, abandonou sua conta no Twitter há três anos, abdicando de uma audiência de mais de um milhão de seguidores. — Eu costumava responder a algumas dessas mensagens, mas parei porque percebi que alimentava ainda mais essas pessoas.
Mazzeo se recorda de uma vez em que foi ao Shopping da Gávea para almoçar e cometeu o “pecado” de não tirar os óculos escuros. Depois, quando chegou em casa, viu que um sujeito havia escrito no Twitter que ele se considerava tão famoso que nunca tirava os óculos.
— O cara me viu ali, poderia ter falado comigo, mas preferiu me sacanear pela internet — reclama o ator. — Tem uma frase do Nelson Rodrigues que se aplica bem a isso: “O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota.”
Recentemente, ficou popular na internet uma série de vídeos feitos no programa do apresentador e comediante americano Jimmy Kimmel, em que celebridades leem e comentam tweets postados por haters.
O resultado é hilário e serviu como exemplo de quão ridículas podem ser essas mensagens. O ator Rob Lowe leu que ele “parece um câncer de pele”, e a atriz Cate Blanchett, que ela é uma tremenda de uma nojenta. Bill Murray deu gargalhadas depois de ler que alguém ficou “feliz por ele ter levado um tiro em ‘Zumbilândia’”, enquanto George Clooney apenas se manteve em silêncio frente à mensagem: “Eu estou à espera do dia em que o mundo vai parar de chupar o *** de George Clooney.”
Mas o tweet mais inusitado de todos — e também agressivo, desrespeitoso etc. —, lido na TV pela própria atriz, foi direcionado para Jennifer Garner. Seu hater escreveu: “Jennifer Garner parece a vagina de uma pata”.
— Tudo passa pela busca por visibilidade. Mas, quando ser desagradável é a única maneira que alguém encontra para chamar a atenção do outro, isso quer dizer que há uma coisa muito errada acontecendo — diz o cantor e ator Leo Jaime. — Antigamente mandava-se carta, mas ninguém escrevia carta para ser agressivo. Com o e-mail isso também não acontece muito, porque no e-mail você acaba colocando uma assinatura do seu correio eletrônico. Mas um comentário via Twitter pode ficar escondido pelo anonimato. E existe muita gente no mundo com frustrações demais e tempo demais para ser venenoso.
Uma frase de Leo Jaime ficou bastante popular em 2010 e tem sido replicada desde então, nem sempre com o devido crédito ao autor. Ele escreveu: “Tem gente que te segue no twitter só para te odiar bem de pertinho”.
— Eu acho que a internet é o paraíso do boçal. Bastam um nickname e muita merda na cabeça que você pode falar o que quiser — afirma ele.
Ocarioca Felipe Neto, transformado em celebridade da internet graças a seus vídeos com críticas raivosas a famosos como Justin Bieber e Fiuk e à geração do rock colorido (lembram-se do Restart?), nega que seus populares vídeos o configuram como um hater (“Eu sempre critiquei comportamentos, e não pessoas”, diz). Mesmo assim, graças a seus comentários, acabou arrumando briga com o filho de Fábio Jr.
— Fiz um vídeo criticando certos artistas que demonstram amor em demasia pelos fãs, para logo depois pedir algo em troca. Isso é totalmente falso. Chamei essa atitude de “fiukar” porque vi o Fiuk fazendo isso no Twitter, mas o vídeo era sobre um monte de gente. Só chamei de “fiukar” porque o nome dele dava um bom verbo — explica Neto, que hoje diz se arrepender da maneira como conduziu o caso. — Eu publiquei esse vídeo, ele rebateu, eu continuei a briga. Acho que os dois concordam que fomos muito infantis. As redes sociais eram novas, o comportamento nelas era novidade. Eu não entraria novamente numa briga dessas.
Aos poucos, o blogueiro, que hoje toca uma produtora e diminuiu o ritmo dos vídeos, acabou se tornando, ele próprio, uma celebridade virtual e… virou alvo de haters.
— Às vezes eu perco um pouco a cabeça com essa gente, meus amigos até brincam que vão fazer uma intervenção para que eu pare de ligar para essas coisas. Mas acho que hoje estou blindado contra agressões. Às vezes, eu ironizo, jogo um “beijinho no ombro”. Mas na maior parte do tempo eu tento ignorar — diz Felipe Neto.
Quem também defende que a melhor solução para as celebridades é ignorar completamente os haters é Bia Granja. Uma das criadoras do Youpix, um site para discussões sobre cultura digital, Bia cita uma frase, comum nas redes, sobre o apelido dado a quem posta comentários provocativos ou maldosos na internet:
Never feed the trolls (“Nunca alimente os trolls”) — diz. — Um hater é quem deixa de viver sua vida para perturbar a de outra pessoa que ele ama odiar. É um cara que quer transformar a vida do outro num inferno, geralmente sem um motivo claro. As redes sociais nos deixam mais corajosos para fazer coisas que, olhando no olho do outro, nunca faríamos. Além disso, polêmica gera audiência na internet, e ter audiência faz um bem danado para o ego das pessoas. É uma bola de neve: quanto mais gente na internet, mais ódio propagado.
Uma das motivações dos haters, para o psicanalista e crítico de cinema Luiz Fernando Gallego, envolve o narcisismo de pessoas que se sentem diminuídas frente à fama dos outros. Gallego diferencia argumentos sobre a obra de alguém do mero ataque pessoal.
— O que falta às pessoas invejosas é capacidade de serem gratas a artistas famosos que nos dão tanto prazer, mesmo que pisem na bola aqui e ali. Um livro clássico da psicanálise pós-Freud se chama “Inveja e gratidão”, de Melanie Klein, em que os dois elementos são colocados como uma antítese — afirma Gallego. — Mas acho que, sob a inveja, existe um narcisismo mal resolvido, uma autoestima precária, amor próprio em baixa.
Gallego se recorda, ainda, de uma frase do poeta americano Edgar Allan Poe, que só não sofreu com os haters porque viveu no século XIX. Allan Poe disse: “O escorpião não teria se transformado em constelação se não houvesse mordido o calcanhar de Hércules.”

Deu em O Globo
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista