Sem categoria 26/06/2013 04:35

O repórter que virou paciente do Walfredo Gurgel conta seu drama

Por fatorrrh_6w8z3t

Deu no Portal no Ar – Por Paulo de Souza
Dor, angústia, abandono, solidão e descaso são algumas das palavras que posso usar para descrever as 60 horas que passei no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel. Um acidente de moto me levou a conhecer intimamente o caos que a gente somente chega a imaginar ao ler ou mesmo escrever reportagens.
Pois bem, se cumprir pauta no Walfredo não é suficiente para um repórter conhecer toda angústia e humilhação impostas a quem precisa do sistema público de saúde. Sofri “na pele” o descaso de profissionais que deveriam salvar vidas, mas que, ao invés disso, tratam pessoas como estatísticas.
De repórter a paciente, me vi entre tantos e, lá, eu era só mais um que precisava de assistência médica devida e não tinha.
As horas de angústia começaram no momento em que me vi jogado em uma poça de lama, no bairro do Alecrim, com uma forte dor na perna esquerda. Era segunda-feira, 17 de junho. Estava indo trabalhar, por volta das 7h30, pela manhã, mas o condutor de um Santana branco resolveu avançar a preferencial do cruzamento e mudar todos os meus planos para aquele dia, ao me atingir na moto em que pilotava.
Sentindo uma dor de enlouquecer, fui primeiramente socorrido pelo sargento PM Melo, do Comando de Policiamento Rodoviário Estadual (CPRE), que estava em um ônibus à paisana, mas, num ato de solidariedade e compromisso com seu trabalho, desceu do coletivo, ao me ver no chão, agonizando.
A equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) chegou rápido, me retirou daquela lama, e me prestou os primeiros-socorros. Minha esposa chegou logo após o acidente e me acompanhou na viatura do Samu até o HWG, meu purgatório.
Ao dar entrada no setor de emergência do pronto-socorro Clóvis Sarinho, a impressão que tive era de que seria bem atendido. Médicos experientes cercados de residentes universitários me encheram de perguntas. Ao reclamar da dor, me receitaram logo um Voltarem. Em seguida, me encaminharam para fazer um raio-x, exame que revelou que eu estava com fraturas em dois dedos do pé esquerdo. Então, teria de fazer uma cirurgia para coloca-los no lugar e fechar a carne que tinha descolado do meu pé com o impacto do acidente. A partir dali começariam os momentos de maior aflição da minha vida.
Preciso registrar que minha entrada ao HWG foi às 8h30 da manhã. E, mesmo com dores insuportáveis e ainda sujo de lama, esperei até às 15h30 para entrar no Centro Cirúrgico do hospital, que permaneceu lotado durante todo dia. Fiquei ali, com muita dor e pouca assistência. Somente um enfermeiro veio para limpar alguns ferimentos nos braços, e isso porque eu pedi. Ali já começara meu abandono no maior hospital do Estado.
Quando finalmente fui encaminhado ao Centro Cirúrgico, fui anestesiado, mas não o suficiente para eu esquecer a dor. Pelo contrário, mesmo com o pé dormente, senti cada etapa da cirurgia, principalmente o momento em que um dos dedos foi perfurado com uma broca para a colocação de um fio de metal, com objetivo de mantê-lo na posição correta.
Terminada a cirurgia, a equipe que me atendeu foi logo avisada para desocupar imediatamente a sala, pois tinha chegado ao hospital um paciente que havia sido baleado. Fui levado para o Centro de Recuperação de Operados (CRO) e ali tive a segunda impressão do caos total a que seria submetido. A maca em que eu estava foi deixada praticamente à entrada da sala, pois não havia mais espaço para colocar pacientes.
Fui deixado entre um caminhoneiro, que se acidentara no domingo (16), e um senhor, que sofrera uma queda e fraturou o crânio. Esse último estava acompanhado do filho, que fazia o que podia para que o pai ficasse na maca, pois a cirurgia o deixou desnorteado e ele queria sair dali a todo instante.  Mas, ao invés de ser sedado, o homem foi amarrado à maca.
Algumas horas depois, fui transferido da entrada do CRO para um canto de parede da mesma sala. Naquelas primeiras horas no setor de recuperação, eu pedi que fosse colocada uma sonda urinária em mim, pois sabia que o efeito da anestesia iria passar muito antes de eu conseguir urinar e isso traria um incômodo desnecessário. Contudo, a enfermeira que iria fazer isso preferiu atender todos os outros pacientes “mais graves” que o meu caso antes de realizar um procedimento tão simples. O pior é que, apesar de haver vários profissionais de enfermagem naquele setor, somente ela podia proceder com a sonda.
Nesse setor, tive de passar todo o tempo sozinho. Numa maca desconfortável, cujo colchão era bastante fino, tive que aprender a fazer as minhas necessidades e “me virar”, literalmente, para conseguir alguns momentos de sono. E foi ali que percebi que as enfermeiras e técnicos e enfermagem se preocupavam apenas em fazer o que estava no prontuário. Pacientes desnorteados arrancavam aparelhos de si, mas, muitas vezes, as enfermeiras não notavam, se restringindo a observar somente os monitores.
Tudo ali era angustiante. Testemunhei a morte de um homem e o vi sendo colocado em um saco preto. Imagem nada apropriada para quem tentava dormir com dores terríveis em uma sala barulhenta, orando por recuperação e para escapar daquele lugar. Passei a madrugada, a manhã e parte da tarde esperando uma vaga para ser transferido para a enfermaria do hospital. Eu me agarrava àquela esperança, pois lá, finalmente, poderia ter a assistência da minha esposa, já que da equipe de enfermagem não vinha conforto algum, nem assistência alguma, além do estritamente imprescindível.
Outra coisa que angustiava era a falta de assistência médica. Mesmo ao amanhecer, quando muitos médicos foram ao CRO avaliar pacientes, nenhum deles se preocupou com minha situação. Ninguém quis olhar como estava a minha recuperação, ainda que eu pedisse. “O médico que fez sua cirurgia é que deve lhe avaliar”, foi o que me disseram os médicos a quem pedi ajuda, atenção e respostas sobre meu estado de saúde e sobre meu destino dentro daquele inferno que chamam de hospital.
Finalmente, às 14h de terça-feira (18), me disseram que eu seria transferido para a “enfermaria”. Me enchi de esperanças de finalmente descansar em um leito mais sossegado, mas a esperança se transformou em mais frustração, quando  fui encostado à parede de corredor, na mesma maca. “Você vai ficar aqui até que apareça vaga nos leitos”, foi o que me disseram. Ao menos ali tive meu primeiro momento de alívio, por ver e poder permanecer na companhia de minha esposa. Foi ela quem me deu a atenção que tanto precisava. E não estou falando de atenção pessoal não. Desde que fui deixado ali, foi minha esposa quem cumpriu tarefas de auxiliar de enfermagem, desde a simples providência de trocar os lençóis da maca à observância da hora de receber a medicação prescrita.
Não fosse minha esposa, eu sequer teria recebido as doses de antibióticos e analgésicos nas horas que deveriam ser administradas para minha recuperação.
Diante de tudo isso, não se espera que a alimentação servida aos pacientes seja das melhores, mas, mesmo assim, ainda se espera, por aquele lugar ser chamado de hospital, que seja ao menos nutritiva e que ajude as pessoas a recuperar a saúde. Nem isso! Cheguei a comer pão seco, tomei suco com gosto estranho e um ovo que, de tão temperado, me fez sentir náuseas.
Na manhã da quarta (19), 3º dia no Walfredo Gurgel, uma preocupação persistia: Quando um médico viria me avaliar? Eu já não sentia mais tanta dor e meus ferimentos aparentavam alguma melhora. Precisava saber se poderia ir para casa, pois se era para ficar só tomando antibiótico, poderia fazer isso lá com a assistência da minha família. Mas o médico não chegava. Nem os que apareciam queriam me avaliar, repetindo a desculpa: “O médico que fez sua cirurgia é quem deve avaliar você”.
Mais uma vez minha esposa foi uma guerreira. Ela até conseguiu falar com o médico que fez minha cirurgia, que prometeu enviar um colega para me avaliar. Porém, quando esse apareceu, já na noite da quarta, muita coisa tinha mudado.
Vendo que eu ainda estava numa maca, em um corredor do WG, sem avaliação médica mais de 48 horas depois de passar pela cirurgia, a Diretoria do portalnoar.com me transferiu para um hospital particular e pôs fim às 60 horas de angústia, sofrimento e falta de assistência no Hospital Walfredo Gurgel.
Ao chegar ao hospital particular, o diagnóstico não foi de estranhar, diante de tudo que passei: início de infecção. Aqui estou, ainda me recuperando. Mas, e as centenas de outras pessoas que estão no Walfredo Gurgel neste momento? Quem se compadecerá delas? Talvez ninguém, além dos milhares de brasileiros que estão indo às ruas, mais que reivindicar, exigir melhorias reais e efetivas na saúde e educação públicas.

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista