Discos de vinil atravessam gerações e movimentam SP: “Viagem no tempo” - Fatorrrh - Ricardo Rosado de Holanda
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Música 17/08/2025 16:11

Discos de vinil atravessam gerações e movimentam SP: “Viagem no tempo”

Discos de vinil atravessam gerações e movimentam SP: “Viagem no tempo”

Na era do streaming, os vinis têm ganhado cada vez mais adeptos entre os amantes de música. Com expectativa de movimentar US$ 3,5 bilhões mundialmente até 2033, segundo estudo da consultoria Imarc, o mercado desse tipo de discos é paradoxal: saudoso e promissor.

A tendência é impulsionada por fatores como o apelo nostálgico do som analógico, a valorização de formatos físicos com edições limitadas e capas especiais, além da popularização de lojas independentes, bares temáticos e eventos voltados à cultura do vinil.

Uma pesquisa da Her Vinyl Brasil, em parceria com o Noize Media e Record Club, revelou que o público no país é majoritariamente composto por pessoas de 26 a 35 anos, concentradas principalmente nas regiões Sudeste e Sul, com destaque para São Paulo.

Passado e futuro

Entre os jovens, os discos seguem como uma herança de família. Seja na paixão compartilhada por determinados artistas ou pela descoberta de vinis empoeirados na casa dos parentes, as novas gerações ainda prezam pela preservação do formato.

A musicista Julia Morelo, de 20 anos, teve o primeiro contato com o formato por meio dos pais. Para a jovem, o vinil tem espaço entre a nova geração, que deve preservar a memória e espalhar a cultura herdada para o futuro.

“O disco cresce por ser uma memória, e vai ser uma lembrança. É muito legal você ter algo físico para você escutar, porque, querendo ou não, tudo pode acabar”, avalia Morelo. “Na plataforma digital, às vezes se perde alguma coisa, mas a mídia física está ali, sempre vai estar ali. Eu acredito que tende a crescer e vai permanecer sempre.”

Segundo Pablo Rocha, cofundador e diretor do Noize, a capital paulista reúne “um público ativo, criterioso e apaixonado”. “Busca muito mais do que apenas ouvir música: deseja vivenciar experiências físicas, culturais e sensoriais”, sintetiza.

De acordo com o especialista, a nova geração busca conexão, não só nostalgia. “O público jovem adulto combina poder de compra com grande interesse em experiências culturais e formatos físicos. Para isso, há curadorias que dialogam com esse público, com repertórios plurais, edições especiais e conteúdo que destaca talentos femininos como Mariana Sena, Luedji Luna, Elza Soares e Raquel Reis”, acrescenta.

Da paixão, profissão

Colecionador de vinis há quase 50 anos, João Ferreira é dono de loja desde 2021 no centro da capital paulista. Aos 62 anos, o vendedor, que possui um acervo pessoal com cerca de 5 mil modelos, conta que a ideia do espaço surgiu após a aposentadoria e com um conselho do filho.

Segundo ele, desde então, as vendas e a receita oscilam, mas, no final do ano passado, notou um crescimento no interesse dos compradores. João relata que diversos clientes passaram a buscar discos como presente para entes queridos, o que o fez lembrar dos anos de glória do vinil.

“O [último] fim de ano me surpreendeu muito. Voltou a ser como antigamente, pessoas procurando o vinil como opção de presente. Vendemos muitos discos, tivemos até que procurar papel de presente”, comemora.

Na mesma galeria no centro paulistano, Vicente Mellone é proprietário de duas lojas. Ex-professor, o lojista trabalha com o formato há 18 anos e conta que o vinil o “salvou”.

“O disco pode mudar a vida de uma pessoa. Eu, por exemplo, tinha mais facilidade de ouvir o que um disco dizia do que meu pai. Às vezes, o pai não sabe falar a linguagem do filho, mas o Mano Brown às vezes sabe, o Rael, a Eli sabem”, conta.

O colecionador Renato Capellari, de 28 anos, acredita que, diferente dos demais formatos, o disco carrega uma sensação de “viagem no tempo” entre as gerações.

“Você mostra um toca-discos hoje para uma criança e ela fica impressionada: ‘Como que sai música daquilo?’. E eu acho que até hoje é muito curioso para jovens, crianças, adultos, essa invenção que veio do fonógrafo, que era um cilindro. Transformaram em disco e foi se moldando até virar hoje o long play”, explica.

Sentir e resistir

Mellone repara que pela profissão, além do dinheiro, sente fazer a diferença na vida das pessoas ao conectá-las por meio dos discos. Espalhados pelo mundo, em gravadoras, coleções antigas e feiras de trocas, os vinis são garimpados pelos lojistas, que são responsáveis por fomentar a paixão dos consumidores.

“Já tive clientes que se emocionaram ao comprar um disco. Eu gosto muito de ver o jovem vir com o pai comprar. Eu percebo que na cabeça do pai também passa um filme, é muito bonito ver como o disco pode ser um momento de união familiar”, descreve.

João Ferreira também acredita que o vinil, além de colecionável, é símbolo de cultura, que auxilia na formação da sociedade e na partilha de histórias. Ele relembra um disco de Tom Zé, nomeado Todos Os Olhos, que atualmente ainda é discutido por utilizar da capa para provocar a censura durante a ditadura militar no Brasil.

“Diz a lenda que isso [na capa] é uma bola de gude, que colocaram no ânus de uma menina. Ele [Tom Zé] fez para provocar mesmo. Passou pela censura, todo mundo achou que não era nada de mais”, compartilha.

Warner Music Brasil/ReproduçãoTodos Os Olhos, de Tom Zé
Todos Os Olhos, de Tom Zé

Nas lojas, a expectativa sobre o mercado é otimista. Para os lojistas Vicente e João, os discos sempre terão espaço entre os amantes da música e levarão histórias entre as gerações.

Vicente acredita que as emoções das pessoas devem continuar sendo instigadas por meio do vinil. João reforça que as histórias ainda devem ser contadas pelas capas e composições.

DJ que toca com vinis

Natural de Santos, no litoral paulista, DJ Uiu, de 28 anos, iniciou a relação com os discos de vinil em 2017. Desde então, o formato se tornou parte fundamental das apresentações.

Para Uiu, o ato de tocar com discos antigos provoca um efeito diferente no público. “Existe uma diferença, com alguns mais que outros. Tem muita gente que se impressiona e é cativada”, garante. Também percebe que há uma nova geração mais curiosa e que valoriza o formato.

O trabalho com vinis, no entanto, exige preparo. “É bem divertido, mas ao mesmo tempo trabalhoso. Demanda uma delicadeza, cuidado e sensibilidade que sou apaixonado. Os discos precisam ser lavados com certa frequência, as agulhas trocadas de tempos em tempos, e isso envolve bastante preparo antes de uma apresentação e um ouvido atento para reposição de agulha. Existem lugares com equipamentos desregulados e isso acaba complicando o serviço”, detalha.

Entre desafios e vantagens, aponta que a dedicação à arte se desenvolve muito em ouvido e tato. “Nos últimos anos, os preços de discos só vêm subindo, e isso complica para montar um acervo robusto”.

Professore de discotecagem há quatro anos, DJ Uiu percebeu inclusive um aumento na busca pelos discos nas aulas. “Ainda tem cuidados e conhecimentos que muitos não sabem, então é sempre importante estudar bem sobre os equipamentos e cuidados que cada um deve ter para evitar complicações no começo da jornada com discos”, conclui.

Material cedido ao MetrópolesDJ Uiu tocando com disco de vinil - Metrópoles
DJ Uiu toca com vinis
Mercado em alta

Em 2024, o mercado global de discos de vinil movimentou US$ 1,9 bilhão, de acordo com a Imarc. Esse crescimento é estimado em 6,8% ao ano. Mesmo sendo um formato antigo, o vinil se beneficia de avanços tecnológicos que melhoram a qualidade sonora, a durabilidade e os acabamentos visuais dos discos.

No Brasil, o segmento também mostra força: no ano passado, os vinis movimentaram R$ 16 milhões, crescimento de 45,6% em relação ao ano anterior, superando os CDs em receita. O número pode ser ainda maior, já que não considera a venda de discos em feiras, sebos e lojas especializadas, onde exemplares raros chegam a custar milhares de reais.

O comportamento é reforçado, inclusive, pela chegada constante de novos assinantes em clubes de vinis e pelo aumento do engajamento em eventos e nas redes sociais. “O vinil deixou de ser apenas um formato musical para se transformar em um objeto de afeto, item colecionável e fonte de pesquisa”, afirma Pablo Rocha, do Noize.

Ricardo Rosado de Holanda
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