Saúde 30/06/2025 09:05
Microbiota: ‘Da próxima vez que for se pesar, pode subtrair três quilos que não são seus. São bactérias’, conta médico
Nos mais de 40 anos em que cuida de pacientes com doenças inflamatórias intestinais, o médico Antônio Carlos Moraes já atendeu muita gente com quadros agravados pela falta de acompanhamento.
Tudo por conta dos tabus relacionados ao intestino. Gente jovem, com diarreia recorrente, que evita procurar um médico por vergonha.
— Como imaginar um motorista de ônibus tendo que evacuar seis, dez vezes por dia? Ou um operador de guindaste? Ele não consegue trabalhar. Uma pessoa jovem não pode ir a um show, a um teatro, sem pensar em estratégias. Afeta a autoestima, a vida social e sexual — diz.
Especializado em doenças autoimunes como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn, o diretor de Gastroenterologia da Rede D’Or e diretor científico da Federação Brasileira de Gastroenterologia aponta outros inimigos da saúde intestinal além do constrangimento: a má alimentação, o abuso de antibióticos e a higiene excessiva. Confira os destaques da entrevista a seguir.
A microbiota está na moda. Como mantê-la saudável?
A microbiota se desenvolve ali na primeira infância, até os 3 anos, e é como se fosse uma impressão digital. Quando você nasce de parto normal, passa pelo canal vaginal e já entra em contato com as primeiras bactérias e fungos. Depois a criança vai para o peito da mãe e ganha ali a segunda carga bacteriana. Essa é a nossa primeira vacina. O ideal é que essa criança não cresça numa bolha de isolamento. Existem estudos mostrando que aquelas que conviveram com pets nessa fase têm menos doenças autoimunes.
Qual o tamanho e relevância desse ecossistema?
Se fizessem uma varredura em alguém, da língua ao ânus, encontrariam aproximadamente três quilos de bactérias. Da próxima vez que for se pesar, pode subtrair três quilos que não são seus. Esses microrganismos vão desenvolver aspectos positivos e negativos. E, ao longo da vida, alteramos essa microbiota com fatores agressores, principalmente o uso de antibióticos. Existe uma cultura forte desse uso abusivo. A criança tem uma febre e o pediatra dá um antibiótico ou a mãe usa um que sobrou. Quando fazemos isso, matamos elementos ruins, mas também os defensores.
Já há exames para analisar microbiota. Eles funcionam?
Ainda não há uma validação. Precisamos de um estudo de grupo controle muito grande, que pegue uma fatia grande da população com microbiota classificada como normal para comparar. No Brasil já temos bancos de fezes, com estudos genômicos onde se tenta identificar padrões populacionais.
Os ultraprocessados afetam o equilíbrio da microbiota?
Existe um estudo interessante da década de 1980 no qual pegaram uma população basicamente nipônica que migrou para a Califórnia, nos Estados Unidos. Dividiram os participantes em dois grupos: um manteve sua dieta asiática e outro adquiriu hábitos alimentares americanos. O primeiro não desenvolveu o câncer de cólon, e aquele que comeu os fast foods da vida passou a ter mais casos. Ficou evidente que a mudança de rumo da dieta criou uma microbiota absolutamente patogênica e inflamatória.
As pessoas estão tomando muitos probióticos. Eles viraram uma panaceia?
Sim, fala-se de probiótico como se estivesse falando de limpeza do organismo. Não é assim. O probiótico contém elementos, geralmente bactérias, que você ingere em um pó com concentrações variadas. Costumo dizer, didaticamente, que ele deve ser um visitante, não um habitante. Além disso, não sabemos que probiótico usar na grande maioria dos casos. Se você chegar ao meu consultório com uma queixa de gases, distensão abdominal, constipação, posso até pensar em dar um Lactobacillus acidophilus ou reuteri, mas não existem marcadores sensíveis que digam qual escolher. A gente atira com uma metralhadora, acertamos dois ou três alvos e erramos outros cinco.
O que se sabe sobre a origem das doenças inflamatórias intestinais, como doença de Crohn e retocolite ulcerativa?
Um trabalho publicado pelo pesquisador Abel Quaresma, do Rio Grande do Sul, mostrou que 0,1% da população brasileira já é acometida pela doença de Crohn e pela retocolite ulcerativa. São cerca de 220 mil pessoas. Não há um fator causal único, como em nenhuma doença autoimune. O primeiro ponto é o que chamamos de expossoma, ou seja, como o meio ambiente contribuiu para aquela inflamação. A doença inflamatória intestinal é muito mais comum nos países desenvolvidos. O que eles têm em comum? Desenvolvimento, urbanização e higienização.
O excesso de higiene é um fator importante?
A teoria da hiper-higienização é cada vez mais forte. Crianças que nasceram de cesárea ou que foram submetidas a hiper-higienização até os 3 anos podem não criar uma microbiota saudável e ficar em maior risco. Sempre evoco Rita Lee: não queremos luxo nem lixo. Mas vivemos um grau de higienização descabido. As doenças infectocontagiosas caíram no mundo e as autoimunes subiram. E não estamos falando só dessas duas: temos asma, dermatite atópica, artrite reumatoide e outras. As alergias também.
E a genética?
Esse é outro ponto. Há alguns trabalhos apontando uma maior tendência de doença de Crohn na população de judeus asquenazi. Isso é menos relevante num país tão mesclado quanto o nosso. Mas não raro encontramos nos pacientes com doença de Crohn ou retocolite pais, avós ou tios com alguma doença autoimune, não necessariamente as mesmas.
Quais são as outras causas?
O terceiro ponto é o imunoma, como a imunidade de cada um reage a uma agressão inflamatória. Muito provavelmente doentes com retocolite ulcerativa ou doença de Crohn tiveram uma gastroenterite, uma infecção intestinal, de origem viral ou bacteriana, e perpetuaram isso.
As pesquisas com transplante de fezes são consideradas promissoras, com resultados inclusive no emagrecimento. O que esperar desse campo?
Por enquanto, esse tipo de transplante é consenso científico apenas para um tratamento, a infecção por Clostridioides difficile, uma bactéria que pode gerar uma diarreia muito nociva. O estudo com emagrecimento foi bem-sucedido, mas em animais. Creio que teremos uma compreensão melhor de muitas patologias quando conhecermos mais a fundo a microbiota. Questões como obesidade, autismo, Alzheimer.
Você fala que as pessoas não têm o costume de olhar suas fezes. Esse tabu é perigoso?
É muito comum que as pessoas tenham vergonha da sua própria evacuação. A urina todo mundo olha, vê se está clara, se bebeu água. Mas não percebem a coloração das fezes, a presença de sangue, de muco. Todos os vasos deveriam ser brancos para facilitar essa visualização.
Qual o tipo de sinal mais alarmante para observar?
A presença de sangue é um marcador extremamente importante. Toda pessoa com esse sintoma deve procurar um médico. A primeira coisa que vem à cabeça das pessoas é hemorroida, mas pode ser o resultado de uma doença grave, inflamação intestinal, câncer de intestino.
Deu em O Globo
Descrição Jornalista
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