Governo Federal 29/06/2025 05:45
Governo dobra discurso ‘ricos contra pobres’ em rixa com o Congresso, mas tenta manter pontes para 2026
Diante do pior momento na relação entre governo e Congresso, simbolizado pela derrubada do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmam que o Palácio do Planalto adotará uma estratégia de pragmatismo.
A ideia é esperar esfriar a tensão e seguir dialogando com parlamentares para fazer acordos em pautas de interesse do Executivo.
O plano inclui, por outro lado, intensificar o discurso de “ricos contra pobres” adotado em relação a mudanças tributárias, um dos pontos que incomodaram a cúpula do Legislativo.
O foco do Executivo é evitar queimar pontes com os líderes do Congresso para não inviabilizar a aprovação de pautas que podem servir de bandeiras eleitorais em 2026, como a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês.
A medida foi uma promessa de campanha de Lula, e a avaliação no Planalto é que representará um desgaste chegar ao fim do mandato sem conseguir entregá-la.
Outro fator que leva a administração a insistir no diálogo com os partidos do Centrão, em boa parte responsáveis pelas derrotas nas votações dos últimos dias, é evitar jogar essas siglas para o lado da oposição no ano que vem.
Aliados de Lula trabalham para que legendas como PSD, União Brasil e MDB se declarem independentes, apostando em alianças regionais com o PT.
Integrantes do governo, porém, defendem dobrar a aposta no embate político e veem na questão de justiça fiscal um campo propício para isso. A avaliação é que, se o governo está nas cordas, precisa pelo menos pautar o debate público. Na leitura de um ministro de um partido de centro, a oposição leva desvantagem nesse tema.
Como mostrou O GLOBO, a pouco mais de um ano da eleição, o governo considera que poderá se posicionar de forma mais enfática ao destacar que atua em favor dos mais pobres e combate o privilégio dos ricos. Seria, na visão de auxiliares do presidente, uma forma de encontrar, enfim, uma marca para o terceiro mandato de Lula.
Pesquisas mostram que a população tem dificuldade de apontar uma realização da atual gestão, como foi a redução da pobreza nos dois primeiros mandatos do petista.
Dessa forma, a ideia é usar a taxação dos ricos prevista na proposta de aumento de isenção do Imposto de Renda, o fim da jornada de trabalho 6 x 1 e o combate aos supersalários no funcionalismo como bandeiras da gestão.
— É por isso que eles não gostam de mim. Porque nós mandamos um projeto de lei para o Congresso, isentando todas as pessoas que ganham até R$ 5 mil de pagar Imposto de Renda. E decidimos que quem ganha acima de R$ 1 milhão por ano vai pagar um pouquinho. Eles não querem. Eles não querem pagar, porque quem paga imposto nesse país é quem trabalha e recebe contracheque no fim do mês, que é descontado na fonte — disse Lula, durante um evento de entrega de título de regularização fundiária, em Araguatins (TO).
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) vem defendendo pautas nesse sentido:
— Em geral, quem paga a conta do ajuste fiscal é o salário mínimo, o aposentado… Quando você fala: vamos corrigir as contas, mas vamos chamar o dono da cobertura para pagar, aí não é possível. O rico está no orçamento. São R$ 800 bilhões de renúncia fiscal.
Na mesma toada, o PT divulgou nas redes um vídeo defendendo a isenção do IR. O texto usa o slogan “Taxação BBB”, em alusão ao reality show, mas usando as palavras bilionários, bancos e bets.
Líderes do Congresso, por sua vez, veem riscos na estratégia, incluindo a dificuldade de avançar com as propostas prioritárias do Executivo. Na quinta-feira, o deputado Arthur Lira (PP-AL) adiou a entrega do relatório sobre o projeto do IR, o que alongará mais a tramitação.
Diante do cenário, o líder do PDT, Mario Heringer (MG), defende que é “hora do bom senso e do distensionamento dos dois lados, sob pena de imobilizar o país”.
A expectativa de auxiliares, porém, é que o petista ainda vá aguardar antes de procurar os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
O gesto, segundo essa avaliação, teria que partir deles, já que na visão do governo houve uma quebra de acordo pela forma como a derrubada do decreto do IOF foi colocada em votação: sem aviso prévio, sem passar pelo colégio de líderes e numa sessão virtual.
O incômodo, inclusive, levou Lula a determinar que a Advocacia-Geral da União (AGU) acione o Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de reverter a derrubada do IOF, em uma iniciativa que tende a acirrar mais os ânimos com o Congresso (leia mais na página 13)
— O governo tenta desmoralizar o regime democrático ao não respeitar as decisões do Congresso — afirmou o líder do PP, Dr. Luizinho (RJ), sobre a judicialização.
Um ministro não petista diz que o maior risco agora é a relação se degradar a ponto de partidos como PP e União Brasil entregarem os cargos.
A avaliação de integrantes do PT é que as recentes derrotas sofridas pelo governo no Congresso são patrocinadas por legendas do Centrão com o objetivo de enfraquecer Lula eleitoralmente.
Líderes de partidos ligados à base creditam principalmente ao presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), considerado padrinho político de Motta, a gênese da mais recente crise vivida entre o governo e o Congresso.
Além disso, o senador tem se empenhado em procurar dirigentes de outros partidos para se unir contra Lula em 2026. Na semana passada, ele buscou os presidentes do MDB, Baleia Rossi, e do Republicanos, Marcos Pereira.
Mesmo sendo tradicionalmente apoiador do governo, o MDB, que tem 43 deputados, deu 41 votos favoráveis para derrubar o decreto. O partido de Motta teve 42 de 44. Também houve apoios expressivos no PP, com 48 de 50. Já o PSD deu 28 de 45, o que representa mais da metade da bancada. Todos esses partidos ocupam ministérios.
No Senado também há atritos, principalmente em uma disputa envolvendo o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O impasse, que envolve projetos que beneficiam empresas e podem aumentar a conta de luz e a disputa por agências reguladoras, praticamente travou a pauta do Senado.
O deputado Mendonça Filho (União-PE), integrante da Executiva do União, avalia que o quadro econômico e a baixa popularidade do petista contribuem para que essas siglas se distanciem do governo:
— Esses partidos não estarão com o PT em 2026. Todos trabalham com uma alternativa, como os governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ratinho Jr. (Paraná).
Integrantes da ala do MDB mais fiel a Lula, que inclui líderes de estados do Nordeste, admitem que os argumentos para tentar convencer a outra parte de centro-direita da legenda a apoiar o presidente em 2026 estão se esvaziando. Esse grupo afirma que, no cenário atual, a tendência é o MDB liberar os diretórios.
— Há uma preocupação dos lulistas verdadeiros com essa relação com o Congresso. Os ministros da Fazenda e da Casa Civil não têm uma relação próxima com o Congresso. Há um problema de interlocução. Política é relacionamento — disse o deputado Eunício Oliveira (MDB-CE).
Apesar da desesperança em relação a viabilidade eleitoral de Lula para 2026, os emedebistas estão mais comedidos quando se trata de avaliar a saída de representantes da legenda dos ministérios.
Diferentemente do União e PP, que engatilham o desembarque da Esplanada, o MDB prefere esperar até abril do ano que vem, prazo em que é necessário o afastamento de cargos públicos para concorrer às eleições.
— Ainda há chance de o MDB apoiar Lula, mas vai depender da movimentação dele nos próximos meses. É necessário começar uma articulação já olhando para a reeleição, o que ainda não aconteceu — afirmou o deputado Hildo Rocha (MDB-BA). (Colaborou Ana Flávia Pilar).
Deu em O Globo
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