Inteligência Artificial 26/06/2025 12:37

A IA pode substituir os cantores? Serviços de streaming estão sendo invadidos por música gerada por Inteligência Artificial

A revolução silenciosa da música gerada por IA já começou. E muita gente nem percebeu.

Nos últimos meses, uma nova tendência tem chamado atenção de quem consome música online.

Canais no YouTube e perfis em plataformas como Spotify e Apple Music estão sendo inundados com faixas instrumentais, bandas desconhecidas e histórias cativantes — mas tudo isso pode ser mentira.

Músicas “estranhas” e contas novas

Foi assim que tudo começou. Uma playlist LoFi no YouTube, com batidas suaves e um nome de artista jamais ouvido antes

O canal era novo, a música não era ruim, mas algo parecia fora do lugar. Ao verificar a descrição, a revelação: música feita por IA.

Essa experiência, que parecia pontual, se repetiu. Em pouco tempo, canais inteiros estavam publicando horas de músicas “novas” por semana — tudo feito com inteligência artificial.

Essas faixas costumam ser instrumentais e genéricas. Mas nem sempre. Entre as criações estão nomes como Concubanas e Phantasia, bandas que supostamente existiriam desde os anos 1970, misturando salsa, rumba e jazz congolês.

As descrições falam de origens multiculturais, carreiras interrompidas e fusões sonoras inovadoras. Só que nada disso é real. Nem as bandas, nem as histórias, nem a música.

Álbuns falsos, som verdadeiro

A “banda” Concubanas, por exemplo, tem um álbum chamado Rumba Congo. Não parece um experimento falho — o som é agradável, coeso e bem produzido.

Já o grupo Phantasia, apresentado como um nome de culto que “entrou em silêncio” em 1976, entrega faixas que poderiam facilmente tocar em qualquer playlist de jazz.

Esses projetos demonstram o potencial estético da IA. Mas por trás disso há também muito dinheiro. Um caso nos Estados Unidos mostrou como a inteligência artificial já virou negócio bilionário.

Um homem na Carolina do Norte foi acusado de criar centenas de milhares de músicas falsas e distribuí-las em serviços de streaming. Com nomes como “Zygotic Washstands” e “Calvinistic Dust”, essas faixas acumularam milhões de reproduções e geraram US$ 10 milhões — segundo os promotores.

E esse é apenas um caso. A CISAC (Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores) estima que a receita da música gerada por IA vai saltar de US$ 100 milhões em 2023 para US$ 4 bilhões até 2028.

Isso significa que, em poucos anos, a IA pode responder por 20% de todo o mercado de streaming musical.

O som perfeito para estudar

O fenômeno não se restringe a bandas fictícias. A influência da IA já chegou até mesmo nos clássicos canais de LoFi, como o famoso “LoFi Girl”.

Esse canal transmite batidas suaves, acompanhadas da imagem animada de uma garota lendo ou estudando. Com 15 milhões de inscritos, virou símbolo do estilo.

No entanto, segundo o influenciador musical Derrick Gee, do TikTok, o canal pode ser quase inteiramente gerado por IA.

Gee levanta evidências e mostra que diversos canais semelhantes, com visuais idênticos e músicas parecidas, também podem ser fruto de inteligência artificial. Alguns desses canais indicam isso nas descrições. Outros não.

Falta de regras e transparência

A ausência de uma política clara em relação ao uso da IA nas músicas levanta preocupações. O YouTube exige que criadores identifiquem conteúdos alterados ou sintéticos.

Porém, essa indicação fica escondida na descrição e nem sempre aparece nos dispositivos móveis. Quando há violação, o YouTube pode rotular ou até remover o conteúdo. Mas a aplicação dessa regra é inconsistente.

No Spotify, a situação é ainda mais nebulosa. A plataforma não exige nenhum tipo de rotulagem. O copresidente da empresa, Gustav Söderström, já afirmou que a IA é um “facilitador criativo” e que o foco está apenas nas questões legais, como os direitos autorais. Não há qualquer menção sobre a necessidade de informar se a música foi feita por máquinas.

Artistas reais invisíveis

Esse cenário levanta críticas entre usuários e músicos. Muitos se sentem enganados. Um usuário do Reddit expressou sua frustração, dizendo que artistas de verdade terão mais dificuldade para ganhar visibilidade, já que os ouvintes não conseguem mais distinguir o que é humano e o que é artificial.

A música da IA não apenas compete com a música real — ela pode vencê-la com facilidade, graças a algoritmos, automação e falta de regulação.

E isso levanta uma pergunta incômoda: será que conseguimos, hoje, reconhecer uma música feita por humanos?

Muito além da música

O que acontece com a música é parte de um fenômeno maior. A IA já está presente na escrita, nas imagens, nos vídeos e em outras formas de arte. Os deepfakes, por exemplo, desafiam a confiança nas imagens online.

Agora, a música gerada por IA desafia nossa relação com o som e com os artistas. O que antes era criação humana pode agora ser simulado por máquinas — com resultados cada vez mais convincentes.

Por outro lado, nem tudo é negativo. Quando usada com ética e transparência, a IA pode ser uma aliada. Artistas podem utilizá-la para criar, remixar ou testar ideias.

Projetos de cocriação entre humanos e máquinas estão sendo explorados em diversos países, com resultados interessantes. O problema está na falta de regras claras. Sem isso, ouvintes são enganados e artistas ficam ofuscados.

Criações falsas, sucesso real

O canal que criou Concubanas e Phantasia é relativamente pequeno. Tem cerca de 40 mil inscritos e menos de um ano de atividade. Ainda assim, já publicou mais de uma dúzia de projetos musicais “fictícios”, com nomes, estilos e histórias elaboradas.

Cada álbum tem sua identidade e até mesmo artes visuais próprias. O canal informa que tudo é “ficção” e inclui o aviso de “conteúdo sintético”. Mas também deixa um recado provocativo:

“Você não vai acreditar no que está ouvindo! Tudo o que acontece neste canal é ficção. Mas qual é a verdade? F*da-se, só ouça!”

E agora?

A grande pergunta que fica é simples: importa mesmo se a música foi feita por humanos? Para alguns, sim. Para outros, talvez não. Mas uma coisa é certa: essa discussão está longe de acabar.

A inteligência artificial já é parte do presente da música — e, gostemos ou não, será parte do seu f

Deu em CPG

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista