Corrupção 08/06/2025 05:09

Entrevista: ‘Todo mundo conhecia o problema do INSS, e o ministro Rui sabe disso’, diz chefe da CGU

À frente da Controladoria-geral da União (CGU), que ao lado da Polícia Federal revelou o esquema de fraudes no INSS, o ministro Vinicius Carvalho virou alvo de críticas dentro do governo conforme ficou claro que a investigação havia se transformado numa nova frente de problemas para a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que o assunto só se tornou uma crise porque avisos não foram feitos ao então ministro da Previdência, Carlos Lupi, que deixou o cargo diante do escândalo.

Ao GLOBO, o chefe da CGU disse que seguiu a orientação do presidente de ser “intolerante com fraudes, desvios e corrupção” e que não faltaram alertas sobre o avanço do caso.

A operação contra fraudes no INSS virou uma crise para o governo. Há mea-culpa a ser feita na condução do caso?

O presidente me deu uma tarefa clara quando me convidou para o ministério: ser intolerante com fraudes, desvios e corrupção. Poderíamos fingir que não vimos e rezar para ninguém descobrir. Ou fazer alguma perfumaria, inventando uma Medida Provisória, falando em recadastramento daqui a três anos, como foi feito no governo Bolsonaro. A terceira possibilidade era investigar, punir e ressarcir os aposentados. Esta foi a medida tomada.

Rui Costa disse que não houve alerta sobre o caso “a nível de ministro”. De fato, o senhor não tratou com o ex-ministro Carlos Lupi sobre o assunto. Por quê?

A preocupação do ministro Rui é super legítima: evitar que aposentados e pensionistas fossem lesados. Essa investigação foi feita em menos de um ano, que é um prazo razoável. Houve reuniões com a Previdência, envolvendo secretários. O Tribunal de Contas da União já tinha tomado decisão. Todo mundo sabia do problema e que a CGU estava fazendo auditoria. A informação de que as pessoas não sabiam não procede. O ministro Rui sabe disso. Temos 600 auditorias por ano na CGU. Em algumas situações, detectamos fraude, e a equipe vai à PF. Foram 739 operações feitas com a PF nos últimos 20 anos. Isso não é novidade para ninguém.

O senhor já se entendeu com o Rui Costa?

Nunca tive problema com o ministro. Essa avaliação que ele faz é de quem gostaria que o problema fosse detectado lá atrás. Eu também gostaria. Aliás, os valores obviamente são muito importantes, mas a função precípua do INSS era assinar e avaliar esses acordos de cooperação técnica. Eles foram assinados com entidades que não tinham a menor condição e não prestavam nenhum serviço aos aposentados. Ali é o ovo da serpente. Os acordos com essas entidades vinculadas ao centro do escândalo foram assinados em 2021 e 2022.

Mas o valor explode justamente durante o governo Lula.

Se monto um esquema em 2021 e 2022, em que ano que os descontos iam estourar? Em 2023. Mas não é meu papel defender entidade. Todas que fraudaram o INSS devem ser punidas. Em relação ao núcleo que fez as fraudes, há indícios claros de que foram pagas propinas de diferentes formas para servidores do INSS. Todo mundo está sendo investigado. Só que é importante individualizar a conduta de cada entidade.

A AGU deixou algumas entidades investigadas fora do pedido de bloqueio de recursos, casos da Conafer, da Contag e o sindicato que tem um irmão de Lula na diretoria. O governo tentou aliviar para elas?

Não. Foram feitos pedidos de bloqueio contra as entidades alvo de processos de responsabilização pela Lei Anticorrupção. Não estou dizendo que outras entidades não possam vir a ter indício de corrupção. Estamos no meio do processo. Não há seletividade. Todas as entidades que tiverem fraudado os descontos ou praticado algum ato de corrupção serão responsabilizadas. Se amanhã aparecer indício, por meio de quebra de sigilo ou relatório de informação financeira, de que a Contag pagou propina, te garanto que o processo será aberto no dia seguinte.

Como moralizar o sistema de descontos dos aposentados?

Há duas formas. A primeira é fazer com que o sistema não exista, dizendo que se trata de relação privada. A segunda é desenvolver um sistema imune, com biometria que funcione e mecanismo de fiscalização. O INSS nem recebia a documentação das entidades. Isso tem que ser revisto. Acho, inclusive, que, se for mantida a possibilidade do desconto em folha, isso tem que ser remunerado ao Estado pelas entidades. Não faz sentido ser gratuito. A conclusão do relatório da CGU é que o mais viável seria interromper os descontos. Mas essa é uma decisão política, que envolve inclusive o Congresso Nacional.

Está no horizonte firmar acordos de leniência com as entidades investigadas?

A Lei Anticorrupção prevê essa possibilidade. A entidade precisa demonstrar que vai gerar uma alavancagem para a investigação, tem que reconhecer a participação dela, ressarcir o dano e pagar multa. Se alguma entidade tiver interesse em fazer um acordo de leniência, vamos discutir. Não há pedido nesse sentido.

Ministro da CGU comenta crise do INSS: 'Todo mundo sabia do problema'
Ministro da CGU comenta crise do INSS: ‘Todo mundo sabia do problema’

Há problemas também nos empréstimos consignados. A CGU vai aprofundar a investigação?

Já publicamos um trabalho e temos uma auditoria em andamento. O consignado permite empréstimos com juros mais baixos, é importante para a economia. Tem que levar em conta a responsabilidade que o sistema financeiro tem nessa história. É o compliance do sistema financeiro que precisa funcionar nesse caso.

Nos dois primeiros anos de governo, a CGU revelou fraude na vacinação de Bolsonaro e no Auxílio Brasil, apurou a Abin Paralela. O caso do INSS veio apenas agora. Houve esforço concentrado no início de sua gestão para ir atrás do governo Bolsonaro?

O caso do cartão de vacina do ex-presidente começa com um pedido via Lei de Acesso à Informação. Detectou-se fraude, o que levou à operação que prendeu Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro). No caso do governo anterior, havia uma série de situações que precisavam ser esclarecidas. O governo do presidente Lula não troca delegados e auditores porque estão fazendo alguma investigação que possa não agradar alguém.

Por que a CGU ainda não conseguiu garantir a promessa de Lula de dar mais transparência aos dados públicos?

A orientação do presidente é: transparência é a regra, o sigilo é a exceção. Nada justifica um sigilo de 100 anos. Isso foi inserido na lei lá atrás, mas acabou. A privacidade das pessoas tem que ser protegida, é um valor constitucional, assim como o acesso à informação. Como é que você compatibiliza as duas coisas? Tarjando partes de um documento que envolvam dados pessoais sensíveis. Inserimos no portal da Transparência uma série de informações que não existiam. A utilização do portal bateu recorde.

Ainda assim, o Ministério da Gestão restringiu acesso a 16 milhões de documentos sobre convênios de obras, repasses e emendas.

Existe uma preocupação dos servidores de serem responsabilizados pela divulgação de eventuais dados pessoais sensíveis. Acho que é uma questão de você ser transparente em relação ao problema. Nessa questão que você mencionou, o erro foi corrigido. Não temos compromisso com o erro.

Deu em O Globo

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista