Em 2018, a Blindog vendeu a primeira coleira com um dispositivo que auxilia a mobilidade de cães cegos. No ano seguinte, a NUT criou uma ferramenta que acompanha os sinais vitais de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
A Aula Zero, por sua vez, conseguiu desenvolver, em 2021, uma plataforma que ajuda a identificar dificuldades e a traçar um perfil de aprendizagem para alunos de Matemática. Além da capacidade de inovar as três empresas têm outro ponto em comum: ajudaram a colocar Natal na 10ª posição entre as cidades com maior número de startups no País.
Dados da nova edição do Startups Report Brasil 2024, produzida pelo Observatório Sebrae Startups, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-RN) aponta que a capital potiguar possui 361 empresas do tipo.
Levando-se em consideração apenas a região Nordeste, a capital potiguar ocupa a quarta posição, atrás de Teresina (369), Fortaleza (406) e Recife (438). O estudo mapeou 18.056 startups em 1.340 municípios brasileiros onde o Sebrae atua.
Startups, segundo o estudo, são pequenos negócios formados por empreendedores em busca de um formato escalável (que apresenta crescimento acelerado) e repetível, em ambientes de extrema incerteza. O modelo possui diferentes estágios, como ideação, validação de um produto ou serviço e crescimento.
Este último se aplica à Blindog. Seis anos após a primeira venda, a empresa possui mais de 8 mil clientes no Brasil e em 14 países. Em 2025, a expectativa é aumentar o faturamento em mais de 30%. Mas os planos de expansão não param por aí. Luana Wandecy, CEO da startup, conta que dois novos produtos serão lançados no mercado.
Um deles é um autoadestrador para cães, que está fase de testes. “O terceiro produto está em desenvolvimento, portanto, não podemos divulgar detalhes. Ainda não existe previsão de quando eles vão chegar ao mercado, mas a projeção é de ampliar o faturamento em até 1.000% com as novas soluções.
Um dado que mostra como nós crescemos é que, no começo, éramos apenas eu e minha sócia, que já não está mais na empresa. Hoje, são sete colaboradores”, afirma Luana.
Quem também está em expansão é a NUT, que tem entre os sócios o CEO Thiago Paulmer. A empresa criou uma solução para a Liga Norte Riograndense Contra o Câncer.
Trata-se de uma ferramenta que garante à equipe médica, entre outras funcionalidades, o acompanhamento a distância e em tempo real dos sinais vitais dos pacientes, como temperatura e respiração. “É uma solução que roda na Liga até hoje”, diz Paulmer. Com o apoio do Sebrae, a empresa passou a atender outros segmentos.
Assim, a startup criou um projeto de gestão de contratos para uma distribuidora de bebidas no RN. A NUT também gerencia o aplicativo e o site de um importante partido político no Estado.
As demandas de saúde, contudo, não pararam. Daí surgiu, no ano passado, uma spin-off (formato desenvolvido a partir de um negócio principal) focada na área, a Hais Tech. “A ideia agora é trabalhar a Inteligência Artificial para atendimento médico, gestão de leitos e demandas de cirurgia”, conta Thiago Paulmer.
Inovação e impacto
As startups são sinônimo de inovação e impacto. Entender e atender as dores do mercado é um dos segredos para tornar o modelo bem sucedido.
E muitas vezes, experiências próprias servem de pontapé para a ideação do negócio. Foi o que aconteceu com a Aula Zero. Os sócios criaram um método para conseguir a aprovação em um exame de proficiência de mandarim anos atrás, quando os três moravam na China.
“Montamos um método que deu certo. Em 2021, já de volta ao Brasil havia algum tempo, nos juntamos para ver onde ele poderia ser aplicado para atender às necessidades da educação no Brasil. Identificamos lacunas no Ensino Médio e, ao passo que afunilamos, percebemos uma maior dificuldade em Matemática” conta o CFO da Aula Zero, Marcílio Jucá.
Então, eles criaram a plataforma para atender a esse público, ampliando para os anos finais do Ensino Fundamental. O método consiste em identificar, ao colocar para o aluno a resolução de problemas, os conteúdos que ele deixou de aprender. Com o uso de IA, a plataforma identifica as dificuldades e traça um perfil do estudante.
“A gente chama de recomposição de aprendizagem. Essa identificação é muito importante para o professor também, que muitas vezes possui centenas de alunos, dificultando a observação das dificuldades. A plataforma personaliza ao máximo para que o estude invista naquilo que mais precisa estudar”, explica o CFO.

Atualmente, além dos três sócios, a empresa conta com mais dois colaboradores (programadores com conhecimento em Matemática). Segundo Marcílio Jucá, o negócio ainda não é sustentável financeiramente, algo que ele espera acontecer até novembro deste ano.
Os aportes de capital recebidos por meio de edital garantem a operação da empresa atualmente. Já na NUT, que conta com 35 colaboradores e na Hais Tech, que tem 15 funcionários, o estágio é outro. “Nossa expectativa é triplicar o faturamento em 2025 nas duas empresas”, projeta o CEO Thiago Paulmer. A NUT contabiliza cerca de 20 clientes. A Rais, por sua vez, um ano após ser criada, tem cinco.

No caso da Blindog, a solução nasceu, do mesmo modo que na Aula Zero, de uma experiência pessoal. Luana Wandecy, CEO da startup, tinha um cãozinho cego e decidiu criar, junto com uma sócia à época que tinha um pet na mesma situação, uma coleira para auxiliar a mobilidade dos bichinhos.
“A tecnologia consiste em um aparelho colocado na coleira que emite um alerta vibratório bem leve toda vez que o cachorro se aproxima de um obstáculo. O pet consegue fazer essa associação [entre o alerta e o obstáculo] muito rapidamente – alguns em questão de minutos”, explica Luana.
O aparelho funciona com uma placa composta por um circuito de sensores, fabricada em São Paulo. A coleira é recarregável, com bateria que tem durabilidade de até dois dias.
“E basta apenas uma hora de carga”, afirma a CEO, ao narrar também os reflexos da solução para o animalzinho.
“Temos depoimentos de clientes falando que o cachorro estava mais quieto, sem circular em casa e que, depois da coleira, ele passou a explorar novamente todos os ambientes”, pontua Luana, feliz com os resultados.
RN entre os 4 do Nordeste
Não é somente a capital potiguar que se destaca dentre as cidades do Brasil com maior número de startups.
O Rio Grande do Norte, com 558 empresas do tipo, ocupa a terceira posição entre os estados do Nordeste e a nona colocação em todo o País, figurando entre as unidades federativas com um ecossistema importante.
Na região, o RN fica atrás somente do Ceará (638) e Pernambuco (690). Eugênio Spíndola, analista técnico de Inovação do Sebrae-RN, fala que os números têm a ver com o evolvimento de diversas cadeias, que passa também pelo poder público.
“Além de prefeituras e do Governo do Estado, temos a universidade (UFRN) fazendo um trabalho de base com os estudantes para levá-los à criação de startups. O Sebrae apoia com programas e editais de fomento”, pontua. Setores como Tecnologia da Informação, saúde e bem-estar são os que mais reúnem empresas do gênero no RN, segundo Spíndola. Grande parte delas está no Metrópole Parque, incubadora do Instituto Metrópole Digital (IMD), da UFRN.
“Hoje são 150 startups. Temos setores que se destacam, mas há muito espaço para expansão. Mais recentemente a gente está conseguindo despertar o envolvimento de pesquisadores que estão se descobrindo empreendedores. A biotecnologia também está aparecendo bastante, sem falar no crescimento explosivo da IA”, avalia Rodrigo Romão, diretor do Parque Metrópole.
Apoio do Sebrae fomenta startups
Em um ecossistema de extremas incertezas como o das startups, contar com o apoio para criar, expandir e garantir a durabilidade aos negócios é fundamental.
Para as empresas ouvidas pela reportagem, o Sebrae-RN foi primordial nessa jornada. Na Blindog, por exemplo, as mentorias e consultorias da entidade foram cruciais para a ampliação desde o começo, com a participação no programa de aceleração InovAtiva Brasil, voltado a startups da América Latina.
“Recebemos mentorias e workshops de forma gratuita. O programa é dividido em fases e, à medida que elas avançam, a quantidade de empresas aprovadas é reduzida.
Em 2018, quando eu participei, eram 300 empresas no começo. No final, estávamos entre as 12 campeãs do País e éramos a única do Norte-Nordeste. Foi a primeira vez que tivemos acesso a investidores e mentores renomados, o que nos ajudou a estruturar nosso plano de negócios”, descreve Luana Wandecy.
O apoio do Sebrae não parou por aí. A empresa participou do edital Centelha, de aporte financeiro, fundamental para a criação do segundo produto, o autoadestrador. Em 2023, a Blindog participou do Startup Nordeste, programa que garante bolsa para as empresas selecionadas.
Os programas em questão também foram utilizados pela Aula Zero. João Hélio Cavalcanti, diretor do Sebrae-RN, disse que o fomento por parte da entidade colaborou para o bom posicionamento de Natal e do RN no ranking divulgado pelo Startups Report Brasil 2024.
“Fizemos uma estratégia de mais de 15 anos onde todo esse ecossistema foi sendo criado. Fomentamos, incentivamos e criamos condições para que isso ocorresse, especialmente em Natal. Também é preciso destacar os investimentos do IMD, com o Parque Metrópole. Começamos a colher bons frutos de um mercado desafiador, mas marcado por oportunidades”, pontua Cavalcanti, ao ressaltar que esse é um modelo que paga melhores salários e desenvolve produtos que garantem faturamento mais elevado, o que é bom para a economia local.
Para quem está no ecossistema, os desafios são variados, mas a perspectiva é de mudanças.
“Um desses desafios é a resistência das empresas do Estado em fazer uso da tecnologia. Em geral, reclama-se que ela é cara, mas não se leva em conta o quanto se consegue economizar depois e que isso paga todo o investimento inicial. É algo um pouco cultural, mas acredito é um processo de entendimento que vai ocorrer com o tempo e com a competitividade entre as empresas”, frisa Thiago Paulmer, da NUT.
Nosso mercado é muito forte, mas às vezes a gente esbarra em situações em que as empresas não estão buscando inovação. Cabe a nós quebrarmos essa barreira, mostrando o quando inovar é importante para o desenvolvimento de uma empresa”, avalia Marcílio Jucá, da Aula Zero, que atende a três escolas e negocia com algumas secretarias de educação a implantação da plataforma. E para o segundo semestre, a empresa quer expandir a plataforma para fechar negócios no formato B2C (diretamente com o cliente, nesse caso, o aluno).
Além do mercado em si, a falta de capacitação das startups pode ser um gargalo, conforme disse Eugênio Spíndola, do Sebrae, em bate-papo com a TRIBUNA DO NORTE. Ele afirma, porém, que a capacitação, um dos focos da entidade, é o caminho para atenuar os efeitos esse desafio.
Confira:

Quais fatores têm contribuído para posição de destaque de Natal e do RN no mercado de startups?
Tem a ver, principalmente com o envolvimento de todo o ecossistema de inovação do Estado. Um exemplo de grande força é o Go!RN, evento que envolve 40 atores do ecossistema envolvidos. Temos, ainda, regiões muito fortes no interior, como Currais Novos, Mossoró e Pau dos Ferros. A capital, Natal, é o grande fomentador, contudo. Além disso, temos a universidade (UFRN) fazendo um trabalho de base com os estudantes para levá-los à criação de startups.
Como se dá o apoio do Sebrae a essas empresas?
Nós temos tanto programas quanto editais de fomento para startups. Um dos nossos projetos permite que as empresas participem com estandes de alguns eventos nacionais e internacionais, como o Web Summit Rio e o Web Summit Lisboa. Aqui no Nordeste, temos o NEON, o mais importante da região em termos de inovação, que este ano vai acontecer em Teresina (PI). Pretendemos levar 20 startups aqui do RN para aproximá-la de investidores. Vamos marcar presença também no Startup Summit de Florianópolis (SC), o maior do Brasil. A ideia é levar entre 15 e 20 empresas daqui.
Esse apoio envolve capacitação também?
Sim. A capacitação é outro ponto ao qual damos atenção. Capacitamos para a área de vendas – um dos maiores gargalos para esse tipo de negócio – bem como de finanças, para ensinar como precificar um produto. Selecionamos, no último processo, 60 novas empresas para o programa Startup Nordeste, de fomento ao ecossistema. Durante seis meses, os selecionados em estratégias para alavancar os negócios.
E quais setores, aqui no RN, mais se destacam no ecossistema de startups?
O principal é o setor de Tecnologia da Informação (TI), seguido por saúde e bem-estar. Há variadas possibilidades de produtos e serviços que podem ser criados nos dois nichos.
Confira o ranking das cidades com mais startups no Brasil:
São Paulo (SP) — 1.911 startups
Florianópolis (SC) — 780 startups
Rio de Janeiro (RJ) — 581 startups
Brasília (DF) — 448 startups
Recife (PE) — 438 startups
Curitiba (PR) — 415 startups
Fortaleza (CE) — 406 startups
Belo Horizonte (MG) — 399 startups
Teresina (PI) — 369 startups
Natal (RN) — 361 startups
Confira o ranking dos estados com mais startups no Brasil:
SP: 4.113
SC: 1.900
MG: 1.132
PR: 1.002
RS: 900
RJ: 873
PE: 690
CE: 638
RN: 558
DF: 457
PI: 554
MS: 448
BA: 546
MT: 463
AM: 432
PA: 418
ES: 409
MA: 380
PB: 317
GO: 304
SE: 283
AL: 282
AC: 237
RO: 209
TO: 199
AP: 194
RR: 118
Fonte: Sebrae
Deu em Tribuna do Norte