Em tramitação na Câmara Municipal de Natal, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 18/2024 prevê a padronização das normas relacionadas às dez Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs) da capital em uma única lei para adequar as regras desses espaços a outras legislações vigentes.
A expectativa da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) é de que a proposta ajude a reduzir o déficit habitacional, mas há uma preocupação de especialistas e ativistas ambientais de que as mudanças afetem os ecossistemas preservados no município e sugerem mais debates e estudos sobre os impactos.
Um dos alvos de mudanças que o projeto pode trazer, é na ZPA 9, que abrange parte dos bairros de Lagoa Azul, Pajuçara e Redinha, na zona Norte da cidade.
É onde passa a Avenida Moema Tinoco, apontada como umas das áreas promissoras para maior adensamento, ou seja, maior concentração de moradias e pessoas, o que deve ajudar a reduzir o déficit habitacional em Natal a médio e longo prazo.
“É claro que essa legislação é complementar ao Plano Diretor e não vai viabilizar grandes empreendimentos, pois existem várias restrições, principalmente nas subzonas de conservação e de preservação, que continuarão. A gente vai manter proibições em muitas áreas. Então, o grande objetivo é equilibrar e democratizar o uso e a ocupação do solo”, explica o titular da Semurb, Thiago Mesquita.
Ele pontua que “a cidade tem que ser adensada” para funcionar de forma saudável: “Quanto mais se concentra a população, mais são diminuídos os custos com tratamento, destinação final de esgoto, de resíduos sólidos, de coleta de lixo e abastecimento público de água”.
São dez ZPA’S criadas no Plano Diretor de Natal (PDN) de 1994. O secretário explica que, embora cada uma tenha sido delimitada em lei específica, não foram definidos regramentos para uso e ocupação desses espaços e, dessa forma, criou-se a ideia de que não se poderia usar e nem ocupar essas áreas para nada.
“Hoje o que prevalece é o conceito de conservação. E o que é conservar? Conservar é utilizar com racionalidade e inteligência, respeitando a capacidade de suporte dos sistemas ambientais e garantindo aquele serviço ambiental que faz com que as pessoas respirem. O abastecimento público de água e a qualidade do solo que gera o plantio, por exemplo, são serviços ambientais”, argumenta.
Para o vice-presidente de Política Ambiental do Sinduscon/RN, Hugo Medeiros, a unificação das leis vai favorecer o destravamento de licenciamentos.
É o caso da região da Lagoinha em Ponta Negra, na via de ligação entre a Rota do Sol e a avenida Ayrton Senna, além das Avenidas João Medeiros Filho e a já citada Moema Tinoco, ambas na zona Norte.
“Estamos falando de pequenos empreendimentos, sendo alguns de uso residencial, outros de uso comercial e alguns de varejo nas subzonas permitidas. Isso porque dentro das ZPA’s há áreas que são totalmente de preservação e outras em que existe uma possibilidade de ocupação, mas de forma restrita, com áreas permeáveis mais amplas, com recursos mais amplos e prescrições mais controladas”, destaca o representante do Sinduscon.
As ZPAs são organizadas em três subzonas principais: preservação, conservação e uso restrito. Destas, as duas últimas são passíveis de ocupação mediante as leis individuais e o projeto prepõe unificar as regras relacionadas, por exemplo, ao uso, à regularização fundiária em áreas consolidadas de interesse social e a taxa de ocupação do solo.
“Se tínhamos um coeficiente de aproveitamento de 0.5 na ZPA e um terreno de mil metros, por exemplo, só poderia construir a metade. O que fizemos? Para uso restrito, vai ficar para todas 1.0, o menor índice de adensamento básico do Plano Diretor. Assim, se eu tenho um terreno de mil metros, eu posso usar”, explica Mesquita.
Já as regras para preservação do Morro do Careca e do Parque das Dunas não serão alteradas.
Segurança jurídica
O titular da Semurb, Thiago Mesquita, justifica a unificação das leis, busca oferecer maior segurança jurídica para investimentos.
“Quem vai empreender hoje precisa olhar dez leis diferentes para poder entender o que pode e o que não pode. Então a unificação vai dar mais transparência, qualidade e segurança jurídica para quem vai utilizar uma área dessa pra poder construir”, aponta.
Ele pontua que em algumas Zonas de Proteção Ambiental já há ocupações, como na ZPA 1, que inclui o prolongamento da avenida Prudente de Moraes e foi a primeira ser regulamentada com a Lei 4664/1995.
Cerca de dez anos depois, outras quatro zonas foram regulamentadas. Já as zonas 6,, 7, 8, 9 e 10 demoraram mais tempo para terem suas leis, o que ocasionou danos ambientais.
“Nós tivemos grandes invasões, ocupações irregulares. Isso trouxe supressão vegetal que fragilizou o sistemas dunares, como acontece no bairro dos Guarapes. Sem regulamentação, a Semurb não licenciava, e nem conseguia controlar a ocupação dessas áreas por meio das condicionantes e dos prazos estabelecidos em licenças”, conta o secretário.
Somente nos últimos quatro anos as leis das últimas ZPA’s foram aprovadas. Uma delas veio com a revisão do Plano Diretor. Dessa forma, a Semurb pode aplicar as regras de licenciamento para uso delas.
Contudo,Thiago Mesquita explica que é preciso atualizar as leis a outras legislações criadas posteriormente, como o Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica, o próprio Plano Diretor e outras leis complementares, criadas em seguida, como a das Áreas de Interesse Turístico e Paisagístico (AEITP’S).
“Há uma necessidade de coerência das legislações antigas com os novos instrumentos legais do município e da União”, aponta.
Pesquisadores querem aprofundar debate
Ambientalistas e pesquisadores manifestam preocupação com possíveis impactos que as mudanças propostas no Projeto de Lei Complementar podem causar ao equilíbrio ambiental das Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs).
A professora Ruth Ataíde, do Departamento de Arquitetura da UFRN e coordenadora do projeto Fórum Direito à Cidade, defende que não se deve aplicar uma interpretação única a todas as ZPAs, considerando as particularidades de cada território. “Não é o mesmo pensar em construções nas dunas do farol de Mãe Luíza, nas construções nas bordas da lagoa do Rio Doce e na margem da Moema Tinoco”, ressalta.
Uma das principais dúvidas levantadas é se o aumento do coeficiente de construção em áreas de uso restrito pode resultar em adensamento urbano descontrolado.
Para Ruth Ataíde, a flexibilização do adensamento nessas subzonas é preocupante, especialmente quando normas aplicadas a eixos estruturantes de outras regiões são replicadas em áreas com fragilidades ambientais, como a avenida Moema Tinoco que margeia rios.
“A minuta do projeto está trazendo a possibilidade de adensar mais do que o admissível pela fragilidade ambiental do lugar. As margens de algumas vias importantes são classificadas como eixos estruturantes. Uma delas é a Moema Tinoco”, relata. Ela reconhece que algumas ZPAs precisam de atualização legal, mas reforça que a proposta deve ser compatível com as condições ambientais de Natal. Além disso, aponta a ausência de garantias de que os projetos habitacionais beneficiariam a população de baixa renda. “Nesses eixos, o valor da terra é muito mais alto, só que isso não é dito. Também não existe nenhuma relação que a unificação da regulamentação dessas zonas irá melhorar a segurança jurídica. Muito pelo contrário, porque o texto da minuta unificada é confuso”.
Ruth também lembra que a revisão do Plano Diretor já prevê um macrozoneamento urbano. Ela defende que, embora construções sejam inevitáveis, é fundamental um olhar específico para os fragmentos naturais da cidade. “Precisamos pensar a cidade protegendo seus ambientes naturais.
É claro que não vamos evitar construções, mas se a gente tem grande parte da cidade onde é permitido construir e temos essas frações naturais que podem ser protegidas, então nós entendemos que o olhar sobre a ocupação do solo nessas frações deve ser particularizada”, avalia.
O PLC 18/24 também joga luz à fiscalização de obras em áreas ambientalmente sensíveis. Para o engenheiro Victor Hugo, diretor administrativo do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado (Crea/RN), há a necessidade de aprofundar estudos que confirmem que as mudanças propostas não resultem em prejuízos para a capital.
Ele diz que concorda com a unificação das regulamentações e que o Município tem um quadro técnico qualificado para fiscalizar, de forma responsável, as obras que vierem a surgir com as mudanças na lei. “Ao mesmo tempo, a gestão precisa ampliar o quadro técnico de profissionais de engenharia. O quadro técnico da prefeitura é bem reduzido, mas os profissionais que estão lá, são capacitados para esse tipo de trabalho”, afirma.
O vereador Aldo Clemente, presidente da Comissão de Justiça da Câmara Municipal e líder da bancada governista, afirma que o projeto deve ser votado entre o final de maio e início de junho.
O prazo para apresentação de emendas termina no próximo dia 12 e a expectativa do parlamentar é de que a proposta seja aprovada por maioria em plenário.