Jornalismo 12/04/2025 11:29

Ele está aposentado, mas não larga a profissão

Por Beatriz Medeiros, Kyara Torres e Rebeca Marinho

Seu nome deu origem ao blog Fator RRH.

Seu trabalho contribuiu para campanhas políticas, capas de jornais, grandes histórias contadas em páginas duplas. Filho da professora Antônia e do motorista e comerciante Raimundo, Ricardo Antônio Rosado de Holanda é natural de Mossoró, faz jornalismo desde os 21 anos, mas soube, ainda na adolescência, que este seria seu ofício para toda a vida.

O caminho para a profissão, mesmo que a mãe preferisse um filho médico, veio a partir da visita do então presidente Costa e Silva à sua cidade natal, em 1967. Ricardo tinha apenas 17 anos, e o vislumbre do trabalho como repórter, anos depois, o levaria a prestar vestibular para Jornalismo na Fundação José Augusto.

Ainda estudante, vivenciou a transição do curso para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Logo nos primeiros meses, já estagiava na Tribuna do Norte e fazia parte da equipe da TV Universitária (TVU). Como repórter, passou pelas redações dos jornais A República e Diário de Natal; foi correspondente de O Globo e Folha de S. Paulo, participou do Globo Repórter e foi chefe de jornalismo da Rádio Trairi – hoje, Tropical. Também atuou na docência da UFRN enquanto conciliava suas atividades no mercado jornalístico e publicitário.

Ricardo dedicou grande parte da carreira ao jornalismo político, do qual decorre sua fama. Ele tem paixão pelo fato, pelo jornalismo sem firula; a redação o fez jornalista. Hoje, aos 71 anos, segue em contato com leitores e clientes. Atualiza o blog diariamente e dirige sua agência de publicidade, a Faz Propaganda.

A descoberta da profissão

A primeira vez que eu tive vontade de fazer jornalismo foi quando o presidente Costa e Silva [que presidiu o Brasil entre 1967 e 1969] visitou Mossoró. Eu tinha um primo que trabalhava na rádio; ele me chamou para acompanhar e ajudar a montar uns equipamentos. Eu era moleque. Vi de perto a aparato da segurança do presidente. Não se podia encostar nele. Os caras olhavam até tampa de banheiro. Achava aquilo vibrante. Os repórteres tinham um “chiqueirinho” para ficar. Nunca imaginei que fosse fazer isso na vida. Anos depois, fiz vestibular na Fundação José Augusto e passei.

No primeiro dia de aula, Airton Bulhões, que é meu amigo até hoje, me chamou para fazer um estágio na Tribuna do Norte. Fiquei uns três meses. Foi um deslumbramento total. É isso que eu quero, pensei. Mas era apenas um estágio; depois eu saí.

Quando o curso passou para a Universidade Federal, comecei a estagiar na TVU. O chefe de departamento na época, Berilo Wanderley, era o diretor. Não sei o que ele viu, mas me chamou para fazer um estágio. A partir daí não parei mais. Saí e fui para A República, isso entre os anos de 1974 e 1975. Fiquei lá por um tempo e depois fui convidado para o Diário de Natal.

Diário de Natal, a outra faculdade

Fiquei no Diário de Natal por dez anos. Foi onde fiz outra faculdade: tive a prática, o aprendizado, o amadurecimento como repórter. Estava numa redação grande, convivendo com profissionais mais antigos.

A maior experiência que eu tive foi com o suplemento chamado Módulo III. Era um suplemento dominical em que, toda semana, um dos repórteres — não importava se era iniciante ou veterano — era responsável pela edição. “Ah, mas eu não sei diagramar, não sei legendar, fazer um título, escolher as fotos”. “Se vira”. A gente se reunia durante a semana e cada um decidia uma reportagem que gostaria de fazer. A empresa imprimia o que viesse. Era um esforço para descobrir reportagens, temas que você precisava aprofundar mais do que uma simples matéria do dia a dia. Fazíamos de tudo: escrita, fotografia e edição. Em menos de seis meses, você aprendia mais do que no curso inteiro.

Havia uns dez jovens na redação, outro tanto de veteranos. O módulo começou a ser um sucesso danado. No domingo, todo mundo esperava para ler as reportagens. E eram reportagens, mesmo; isso que amadurece o repórter. Não era só o factual, como cobrir a Assembleia. Você escolhia um tema e se encarregava de ir atrás, junto com um fotógrafo. Além disso, ainda havia uma saudável disputa de quem fazia a melhor reportagem para ser manchete, para ficar na capa principal. Eram temas leves, curiosidades, para ler em casa relaxado.

Grandes reportagens

Um redator chegou para mim e disse: “Ricardo, nós nos chamamos potiguares, mas a tribo dos potiguares mora na Paraíba. Os nossos antepassados, de quem herdamos o nome, não vivem no Rio Grande do Norte. Você topa ir lá fazer uma matéria?”. Eu respondi: “Topo”. Fui com um fotógrafo para a Baía da Traição, que fica no limite entre Tibau do Sul e a Paraíba. Uma praia belíssima. Fomos até lá sem nada, na cara de pau. Chegamos lá dizendo que éramos repórteres do O Poti, do Diário de Natal. Saímos entrevistando os indígenas. Todos com a produção rudimentar, só para sobrevivência. Então fizemos um perfil intitulado “Onde estão nossos índios potiguares?”. Fiquei muito satisfeito. Ganhei página dupla. O sonho de todo repórter é fazer manchete ou ganhar página dupla, porque significa que você escreveu uma grande reportagem.

Outras grandes reportagens que fiz para o Módulo foram realizadas enquanto estava de férias. Cheguei para o patrão e disse: ‘Tenho cinco temas para fazer reportagens durante minhas férias. O senhor me dá as diárias e as passagens? Eu não cobro nada”. Ele disse: “Sim. Quais são?”. Dei os cinco temas e fui fazer todas durante as férias. Queria trazer cinco reportagens para o Módulo porque sabia que aquilo dava prestígio.

Me lembro bem de fazer uma matéria sobre viagem de trem. Fiz o trajeto entre Mossoró [RN] e Souza [PB]. Era um espetáculo. Eu conhecia a geografia humana do trem. Personagens, tipos, roupas. Também sabia que lá em Martins [RN] tinha uma gruta enorme. Subi lá e fiz uma reportagem. Também existia uma plantação de café, e estive lá no meio do cafezal. Entrevistei os fazendeiros. No fim, escrevi umas quatro ou cinco matérias e entreguei. Fiz todas sem ganhar nada.

A docência na UFRN

Quando concluí o curso, fui contratado como professor colaborador da UFRN. Ao mesmo tempo, atuava como repórter da assessoria de imprensa da Universidade. Na época, havia uma política do MEC para capacitar os docentes. O reitor mandou 600 pessoas para fazer mestrado fora. Ficou um rombo, sem professores em sala de aula. Dentro dessa política, existia uma coisa chamada professor colaborador. Você ficava no curso até o titular voltar da capacitação. Quando a UFRN fez o concurso, eu logo saí e fui fazer mestrado em São Paulo. Fiquei lá por dois anos e meio, mas tinha o compromisso de voltar.

Dei aula de Comunicação e Opinião Pública. Um assunto que, para mim, é a coisa mais vibrante. Eu dizia sempre em sala de aula: “Jornalista acha que é o homem mais poderoso do mundo, que a reportagem dele vai derrubar o governo”. Quando você é um cara que veio de uma família pobre e de repente é repórter do Globo, vai para o palácio do governo, você pensa: “Cheguei. O mundo agora é meu”. Mas isso é uma ilusão.

Eu desafiava os alunos a responderem à seguinte questão: ‘Que instituição vocês consideram a mais poderosa, que vale mais do que todos os veículos de comunicação do mundo, todas as redes sociais, rádios, outdoors?’. A maior força humana de controle social e da opinião pública se chama religião. Nada é mais poderoso. Todas elas, de modo geral, são iguais, porque trabalham no modo simbólico. Não é a economia, não é o repórter, não é o jornalismo.

O jornalismo político

Quando volto de São Paulo, retorno para a Universidade e para o Diário de Natal. E então viro repórter político. Já tinha experiência de cobrir a Assembleia e a Câmara. Nesse meio tempo, fui presidente do Sindicato dos Jornalistas. Minha fama é por causa da reportagem política, se é que tenho alguma fama. Chegou ao ponto de Lavoisier Maia se negar a me receber para dar uma entrevista. Porque você tinha de questionar, peitar, ser crítico. Não podia ser inimigo pessoal, mas crítico você tinha de ser. Se há um bicho que tem de ser desconfiado, é o repórter. Não confie em nada.

No jornalismo político é só emoção. Quando uma fonte chegava e dizia uma coisa, você imaginava: “Quem é que ele vai prejudicar, a quem ele quer atingir ou a quem ele quer beneficiar?”. Não tem saída: ou atinge alguém ou beneficia alguém. Cabe a nós saber aonde ele quer chegar.

Uma grande cobertura política que fiz foi a campanha de 1982, de Aluízio Alves, para governador. O Diário me colocou para acompanhá-lo. Tinha um repórter para acompanhar José Agripino Maia e outro para acompanhar Aluízio. Este, já derrotado, resolveu fazer o que chamou de “a marcha dos três mil quilômetros”. Alugou vários ônibus, encheu de gente e saiu rodando: Natal, Macaíba, quase passando pela Paraíba. Foi um negócio emocionante: você via o maior líder popular do Estado derrotado, sabendo estar derrotado, mas que manteve a campanha.

No dia da eleição, 15 de novembro, ele votou, eu votei, o fotógrafo votou. E fomos para Mossoró. Acompanhei a campanha inteira. No aeroporto de Natal, me sentei ao lado dele e disse: “Governador, posso fazer uma pergunta? Quando foi que o senhor perdeu a eleição?”. Ele disse: “Em junho”. “Nós estamos em novembro. Desde junho que o senhor sabe que vai perder?”. “Se você não escrever nada, deixar para escrever depois, eu digo quando eu perdi a eleição”, respondeu. Perguntei por que ele insistiu. Disse: “Porque se eu renunciasse, meu grupo político acabava”. Na época, você tinha de votar para governador, vice-governador, senador, deputado, tudo do mesmo partido. Ele amarrou os votos. Disse que sabia que perdeu a eleição porque ninguém o financiava mais.

Desafios como repórter

Um problema que tive foi com um oficial da Marinha indo à redação do Diário de Natal para me levar. O diretor não queria deixar, dizia que não iriam tirar um repórter dele de dentro da redação. Os homens da Marinha não gostaram e mandaram uma patrulha. Então, meu diretor disse que me mandaria, mas junto com um advogado. Nesse intervalo, dois amigos da redação — um ex-guerrilheiro, Jorge Baptista, e um militante da esquerda da igreja, Dermi Azevedo — que sabiam o que tinha de ser feito, já tinham ligado para a Ordem dos Advogados do Rio Grande do Norte, a Comissão de Justiça e Paz e alguns partidos políticos. Avisaram a todo mundo que eu tomei uma “coça” no jornal e estava sendo levado.

Lá, fica só você numa sala. Sabe que estão olhando para você, mas não sabe onde eles estão. Então entra um cara, com um gravador. “Boa tarde”, ele diz. “Boa tarde”, eu respondo. “O que você está fazendo aqui?”. Respondo que me chamaram. “Homem, não ligue para isso, não; besteira desse povo. Fique tranquilo”. Ele tenta deixar você relaxado, desarmado, faz uma série de perguntas e sai. Cinco a dez minutos depois, entra outra pessoa com o mesmo gravador e faz as mesmas perguntas. Mas quando ele liga o gravador, suas respostas anteriores saem na outra sala. Você fica ouvindo as suas respostas da primeira rodada e vai ter de responder de novo na segunda. Mas ele muda a sequência das perguntas, então você fica numa agonia de precisar responder do mesmo jeito. Eles saem e voltam três vezes. Na terceira vez o mesmo procedimento, só que com os dois gravadores ligados do outro lado da sala.

No fim, era uma matéria boba. Eles ficaram chateados por causa de um dia em que eu cheguei à Câmara Municipal e tinha uma portaria do presidente, na época o vereador Bernardo Gama [MDB], dizendo que iriam fechar todas as saídas em um dia de solenidade. Estavam roubando cinzeiros e utensílios do plenário. Furtei a portaria, assinada pelo Gama. Quais foram as três solenidades que estavam acontecendo? Entrega de título de cidadão natalense a militares. Para a matéria, coloquei na última linha, de sacanagem, os nomes deles. Acharam que eu tinha dito que eles é quem estavam roubando, então mandaram me prender. Não fui preso, fui detido para averiguação. Depois de um tempo saí de lá e nunca mais tive problemas.

Entre dois mundos da comunicação

Por volta de 1985, um publicitário me convidou para fazer marketing político. Eu achava que não tinha muito jeito, e ele falou: “Mas você gosta muito de política, cobre tudo, sabe muito”. Então eu fui e nunca mais saí. Fiz muita campanha. Logo em seguida, esse cara me chamou para ser sócio da agência dele. Foi aí que comecei efetivamente a minha vida como empresário de publicidade. Depois que saí de lá, criei uma empresa, chamada Faz Propaganda. Já tem 37 anos no mercado. Eu passei os últimos 30 e tantos anos com um pé na academia e um pé na publicidade.

Tem diferenças entre o publicitário e o jornalista? Muitas. O jornalismo é muito solitário, é você entrevistando alguém e essa pessoa dizendo o que pensa, o que quer. Você vai sozinho para a redação, não consulta ninguém, não quer que ninguém se meta no seu texto. Se tem uma coisa que um jornalista tem é ciúmes. Se alguém chega perto, fala: “Não se meta”. Então, é muito solitário. Já a publicidade é coletiva, é o contrário. Se há um problema, você chama todo mundo e começa a falar sobre.

O blog Fator RRH

Acredito que o meu blog, o Fator RRH, hoje atrai tanta audiência quanto o jornal impresso em seu auge, antigamente. Mas se você tiver um bom jornal impresso, você tem tempo. A pressa nas produções atuais é um dos piores problemas do repórter. Você tem de fazer logo porque o jornal quer que vá logo ao ar, o Twitter quer que você bote no ar. Claro, com a cabeça fresca, acostumada com esse ritmo, você produz. Porém, se te disserem: “O jornal só vai sair amanhã”, qual é a pressa? Então, é essa a calma que o jornal impresso dá e que te permite burilar melhor o texto.

Eu decidi, por experiência, que não me meteria em certas coisas com o blog. Primeiro, cancelei comentários. Não querem debater, não querem mais discutir civilizadamente. Não quero ser o blog mais lido do Estado, porque teria de falar de polícia, e não toco nesse assunto. E se tem de falar de sacanagem, também não me interessa.

O que me interessa muito é o comportamento das pessoas. A sociedade é muito complicada. Essa questão do porquê você faz aquilo, porque não faz isso, são curiosidades que no passado chamavam de “gossips”. Tem de ser um negócio interessante, engraçado, diferente. Eu publico coisas de comportamento, e divulgo Assembleia, Câmara, Governadoria, tribunais. Tenho 17 anos de blog. Estou aposentado, mas não largo o jornalismo.

* O depoimento faz parte do ebook “Depoimentos para uma história da imprensa potiguar – Volume 2”, disponível em: https://repositorio.ufrn.br/handle/123456789/63317

Ricardo Rosado de Holanda


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