Comportamento 10/04/2025 11:42

Drama: 10,9 milhões de brasileiros têm sintomas de dependência em jogos de aposta

Adolescentes e pessoas de baixa renda são os mais propensos a desenvolver problemas associados a jogos de aposta no Brasil. Eles fazem parte dos 10,9 milhões de brasileiros com sintomas de risco em um país que já apresenta 1,4 milhão de pessoas que desenvolveram transtornos e prejuízos devido a apostas.

Os dados são da terceira edição do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Entre 2023 e 2024, o estudo entrevistou uma amostra de 16.608 participantes de 14 anos ou mais distribuídos por todas as regiões do Brasil.

A pesquisa aponta que 17,6% dos brasileiros apostaram no último ano — dessa porcentagem, mais de um terço são jogadores problemáticos ou em situação de risco, conforme o Problem Gambling Severity Index (ou Índice de Severidade do Jogo Problemático, em inglês).

O índice define jogadores problemáticos como aqueles que apostam com “consequências negativas e uma possível perda de controle”. Ou seja, que gastam mais do que seu limite, jogam para tentar recuperar o dinheiro e se sentem estressados com o jogo.

As “Bets”

No Brasil, os jogos de aposta têm ganhado popularidade a partir de plataformas online, conhecidas como “bets”.

Elas representam a segunda modalidade de jogos mais utilizada no país, que tem um público de 9,13 milhões de brasileiros que utilizam plataformas online para jogos. Em primeiro lugar, estão as loterias (alvo de 71,3% dos apostadores) e, em terceiro, o jogo do bicho (28,9%).

Segundo o estudo, é possível que 44% dos apostadores já tenham desenvolvido o “transtorno do jogo” (TJ), distúrbio que caracteriza a compulsão pela aposta.

O número é equivalente a 0,8% da população acima dos 14 anos, ou 1,4 milhão de brasileiros. Uma pessoa diagnosticada com essa dependência compartilha características em comum com quem tem transtorno por uso de substâncias, como perda de controle, abstinência e tolerância à droga.

“O envolvimento precoce de adolescentes, os altos índices de problemas entre usuários de bets, a relação entre vulnerabilidade socioeconômica e o maior risco de transtorno de jogo reforçam a urgência de políticas públicas que protejam a saúde mental da população”, afirma Ronaldo Laranjeira, psiquiatra e diretor da Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (Uniad), da Unifesp, em comunicado à imprensa.

Entre os adolescentes entrevistados, 10,5% apostam — desses, mais da metade tem indicação de jogo de risco ou problemático; ao passo que, entre adultos, essa propensão está em 37,7% dos apostadores. O mesmo ocorre com apostadores de baixa renda, cuja maioria também se coloca em risco, tanto de saúde quanto financeiro.

Regulação das apostas e proteção dos usuários

A partir dos resultados do Lenad III, pesquisadores da Unifesp e colaboradores da UFRGS elaboraram um conjunto de recomendações para reduzir os danos associados aos jogos de aposta. Entre elas, estão recomendações para autoridades reguladoras e alertas para apostadores, com base em medidas da Comissão de Jogos de Azar do Reino Unido. Confira a seguir:

Para autoridades:

Regulamentação e Supervisão

  • Implementar requisitos mais rigorosos de licenciamento para operadores de jogos de azar online, assegurando transparência e responsabilização na oferta desses serviços;
  • Assegurar que órgãos regulatórios independentes tenham autoridade para fiscalizar o setor, monitorar práticas comerciais e, principalmenge, sejam capazes de aplicar sanções quando necessário

Proteção de Crianças e Adolescentes

  • Proteção mandatória de crianças e adolescentes para as apostas, aplicando rigorosamente os requisitos de idade mínima, respaldados por identificação obrigatória;
  • Modernizar sistemas de cadastro e monitoramento, incorporando estratégias como: verificação de identidade biométrica, analise de comportamento e padrões de uso; verificação de documentos com inteligência artificial ou autenticação com selfie; implementar limites técnicos e de perfil, entre outros métodos;
  • Integrar conteúdos educativos nas escolas sobre os riscos associados aos jogos de azar e estratégias de resistência a influências sociais e midiáticas;
  • Reduzir a exposição de menores de idade aos jogos de azar, proibindo ou restringindo o acesso, a promoção, o marketing e o patrocínio em canais acessíveis a esse público – para os quais o marco regulatório das apostas do Brasil ainda não definiu diretrizes específicas de propaganda.

Proteção aos Grupos Vulneráveis

  • Implementar registros obrigatórios de usuários para possibilitar rastreamento de padrões de uso e intervenções precoces;
  • Criar sistemas universais de autoexclusão, permitindo que indivíduos limitem voluntariamente seu acesso às plataformas de jogo;
  • ⁠Oferecer ferramentas tecnológicas de monitoramento, como alertas personalizados e bloqueios automáticos com base em comportamento de risco.

Financiamento para pesquisa, educação e assistência

  • Estabelecer contribuições obrigatórias dos operadores para um fundo público destinado a financiar pesquisas independentes sobre os impactos dos jogos de azar, campanhas educativas de amplo alcance e serviços de tratamento e apoio às pessoas afetadas;

Mudança na Abordagem de Comunicação

  • ⁠Substituir o discurso centrado no “jogo responsável”, que transfere a responsabilidade exclusivamente ao indivíduo. Sugere-se que a resposta de saúde pública deve priorizar promover campanhas educativas baseadas em evidências para desnormalizar comportamentos de risco;
  • Promover campanhas educativas baseadas em evidências com foco na desnormalização das apostas como forma de lazer aceitável, especialmente entre jovens e populações vulneráveis;
  • Exigir transparência nos riscos associados aos jogos, incluindo a probabilidade real de perdas financeiras e os mecanismos de manipulação utilizados pelas plataformas.

Restrição à Publicidade de Apostas

  • Proibir a publicidade de jogos de azar em mídias acessíveis a menores de idade e em horários de ampla audiência;
  • ⁠Limitar o uso de figuras públicas, influenciadores e atletas na promoção de apostas;
  • Obrigar a inclusão de alertas claros e visíveis sobre os riscos associados ao jogo, semelhantes aos utilizados em campanhas antitabaco.

Para apostadores:

Converse com alguém: Se você acha que as apostas podem estar se tornando um problema, busque ajuda. Falar com alguém fora da situação pode ajudar a encontrar soluções. Organizações como os Jogadores Anônimos (JA) ou Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas que oferecem suporte.

Reflita sobre suas motivações para jogar: Identifique os motivos pelos quais você aposta. Apostar não deve ser um hábito compulsivo ou uma maneira de resolver problemas financeiros. Não use o jogo como estratégia para sair de dívidas ou ganhar dinheiro rapidamente.

Monitore sua atividade de jogo: Acompanhe com que frequência e quanto dinheiro você está gastando.

Busque informação de qualidade: Informe-se sobre os riscos reais das apostas, as probabilidades de perda e os mecanismos de manipulação empregados pelas plataformas. Conhecimento é uma ferramenta poderosa de proteção.

Defina limites de gasto: Estabeleça um limite de quanto pode gastar em apostas.

Faça pausas entre as apostas: Tire intervalos regulares para evitar sobrecarga e dependência. Bloqueios temporários em contas de jogo podem ser usados para manter clareza mental e controle financeiro.

Proteja suas informações pessoais: Nunca compartilhe seus dados pessoais ou bancários com terceiros para abrir contas de jogos. Isso pode expô-lo a riscos como roubo de identidade, fraude ou até envolvimento em atividades criminosas

Evite o uso de substâncias durante o jogo: Evite consumir álcool ou outras substâncias durante a prática de apostas, pois isso pode comprometer o julgamento e favorecer decisões impulsivas.

Deu em Galileu
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista