Emprego 07/04/2025 07:06

‘Prefiro sair’: pedidos de demissão batem recorde e já são quase 38% do total de dispensas

Pedidos de demissão em alta; apagão de mão de obra em setores que exigem trabalho braçal e longas jornadas — incluindo noites e fins de semana —, da construção civil aos restaurantes; uma onda de desprezo ao emprego formal e críticas nas redes sociais a expedientes prolongados, horários inflexíveis, chefes tóxicos e escalas 6×1, com uma só folga semanal; e uma explosão no número de microempreendedores individuais (MEIs).

Esses são sinais, segundo especialistas, de que o brasileiro está mudando sua relação com o trabalho. E um indicador retrata bem isso: nunca tantos empregados formais pediram demissão no Brasil.

Estudo do economista Bruno Imaizumi, da LCA 4intelligence, ao qual O GLOBO teve acesso exclusivo, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostrou que 37,9% dos desligamentos em janeiro deste ano foram a pedido do trabalhador.

Em 2020, essa taxa foi de 24% e vem subindo desde então. Em 2013 e 2014, quando o Brasil experimentou taxas de desemprego tão baixas quanto as atuais, essa parcela oscilou entre 29% e 30%.

O trabalho da LCA traça um perfil desses trabalhadores: são mais jovens, mulheres e comerciários. Em tempos de economia aquecida, é mais fácil trocar um emprego pelo outro e a rotatividade aumenta, mas desta vez a proporção dos que pediram as contas atingiu um patamar inédito. Muitos estão deixando de vez a carteira de trabalho em busca de flexibilidade e de uma chance de ganhar mais.

Esse fenômeno é o tema da primeira reportagem de uma série que O GLOBO inicia hoje sobre as transformações atuais no mercado de trabalho, que não são provocadas por movimentos coletivos, como os sindicais, mas por decisões individuais que as empresas ainda tentam entender.

Escolaridade alta

Segundo Imaizumi, o percentual de demissões a pedido em relação ao total de dispensas chega 45% entre profissionais com ensino superior incompleto ou completo; 42% entre pessoas de 17 a 24 anos e 40% entre mulheres e trabalhadores do comércio, onde predominam a escala 6×1 e salários baixos.

Os principais motivos para pedir para sair ainda são nova vaga em vista e salário baixo, mas esses trabalhadores citam novos fatores, como saúde mental, problemas éticos nas empresas e falta de flexibilidade na carga horária.

— Estão entrando na conta qualidade de vida, tempo de deslocamento, trabalho remoto e híbrido. E, de 2020 para cá, ficou muito mais fácil abrir empresa, por isso, há crescimento também de MEIs. Empregos que exigem presença física, como indústria e construção civil, perdem. Tem a questão do e-commerce, da digitalização. Com a taxa de desemprego baixa, com esses níveis de demissão em patamares elevados, as empresas terão de se adequar às novas relações de trabalho, repensar bastante como manter esses funcionários — analisa Imaizumi.

Formada em Direito, Isadora Teixeira, de 26 anos, foi efetivada em um grande escritório de advocacia no Rio e promovida duas vezes. Mas a rotina intensa na área de Direito Societário, a imprevisibilidade das demandas e as horas perdidas no trânsito a levaram a pedir demissão, diz a jovem, que decidiu empreender como designer de branding (gestão de marca).

Isadora conquistou a independência financeira fora do emprego formal em um escritório de advocacia e em outra área, com a vantagem de trabalhar em casa — Foto: Leo Martins
Isadora conquistou a independência financeira fora do emprego formal em um escritório de advocacia e em outra área, com a vantagem de trabalhar em casa — Foto: Leo Martins

O bom salário no escritório dificultou a decisão, mas a perspectiva de futuro não a agradava. Ela observava a rotina intensa dos sócios e via uma vida que não gostaria de levar.

— Muitas pessoas veem a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) como uma estabilidade em comparação com empreender, mas, no fim do dia, isso não é garantido. Você pode se especializar e se dedicar muito e ainda assim ser demitido. Isso também começou a me incomodar — ela afirma.

Isadora juntou dois meses de salário e o bônus anual da empresa para se desligar, em março do ano passado. Com divulgação no Instagram e indicações, conquistou clientes e, em setembro, deixou a casa dos pais para dividir um apartamento com uma amiga. Hoje, só trabalha em casa.

— Faço futevôlei de manhã, tenho meu tempo de leitura, tomo café com calma e normalmente começo a trabalhar após o almoço. Parece fácil, mas tenho demandas intensas. Só que, antes, não tinha como estar às 7h na praia para jogar se chegava tarde em casa, dormia só três horas. Era um ciclo de exaustão, eu era bem mais estressada — lembra Isadora.

Ela diz que, no mês passado, chegou a faturar mais do que ganhava no escritório:

— Eu não tinha um plano B. Meu plano A, B e C eram o mesmo: tinha que fazer dar certo. Deve ser triste chegar lá na frente e se arrepender de ter levado a vida, principalmente em relação à profissão, só empurrando com a barriga.

Pragmatismo prevalece

Tiago Magaldi, professor do Departamento de Sociologia e do Núcleo de Estudos de Trabalho e Sociedade da UFRJ, coautor de um estudo sobre trabalhadores de plataformas digitais, diz que trocar a carteira assinada por atividades por conta própria como motorista ou entregador de aplicativo é uma decisão pragmática.

Ele chegou à conclusão após ouvir trabalhadores para a pesquisa realizada com Christian Azaïs, Mireille Razafindrakoto e François Roubaud.

— Uma das grandes mudanças no mercado de trabalho é a derrocada da CLT. Não sua perspectiva objetiva, de proteção ao trabalhador, mas na expectativa de inclusão, de futuro. Esse horizonte está se esfarelando ultimamente. Os empregos formais que esses trabalhadores de menor qualificação têm acesso são muito ruins. O salário mínimo é quase o máximo. Eles ganham mais em troca de aceitar não ter vínculo trabalhista. Não são idiotas manipulados, só fazem um leitura pragmática da situação.

O sociólogo lembra de um entregador que entrevistou na frente de um supermercado:

— Ele me disse: “ganho muito mais que aquela caixa de supermercado ali com carteira assinada”. E mostrou o saldo de R$ 4 mil. Ele não vê horizonte no trabalho regulado e tem um pouco mais de margem de manobra na jornada.

Internet facilita

O mundo digital também foi o caminho da professora de inglês Beatriz Guimarães. Em junho de 2024, ela largou um curso de idiomas, onde se formou e trabalhou registrada por 13 anos, de segunda a sábado. A transição começou aos poucos, mas a pandemia e a gravidez de Ramon, hoje com 5 anos, aceleraram tudo. Ela conciliava as aulas no curso com particulares, mas, em 2021, engravidou das gêmeas Joy e Ravine, hoje com 3 anos.

Beatriz Guimarães (direita, em pé) criou curso de inglês on-line e hoje tem 96 alunos — Foto: Foto Alexandre Cassiano
Beatriz Guimarães (direita, em pé) criou curso de inglês on-line e hoje tem 96 alunos — Foto: Foto Alexandre Cassiano

— Quando voltei da licença maternidade, pensei: ou vai ou racha. Resolvi continuar, mas só com 30% das aulas. Três crianças dão o empurrão que você precisa. Gastava mais de R$ 1 mil em fraldas. Passei a dar minhas aulas on-line à noite, amamentando uma criança em cada peito. Até que meu horário foi ficando muito cheio e resolvi sair do curso para ter o sábado para descansar.

Ela então criou sua própria escola de inglês on-line, que atualmente tem 96 alunos. O negócio deu certo, e ela trouxe a irmã e a cunhada para dividir as turmas com ela. Ambas também deixaram emprego formal. No curso, o contracheque de Beatriz era de R$ 3 mil. Hoje, seu negócio fatura quase dez vezes mais.

— Também trouxe minha mãe para me ajudar com as crianças. Ela trabalhava como caixa de supermercado de 14h às 22h. Chegava em casa perto de meia-noite. As pessoas falam da segurança da CLT, mas podem ser demitidas. Não é essa segurança toda — diz.

Clara Marques, que trabalha com mentoria de negócios digitais, afirma que a internet reduziu muito o custo de começar um negócio ou vender um serviço. A taxa de sucesso, diz ela, é semelhante à do mundo físico, mas é possível começar com muito pouco:

— Comecei fazendo vídeos no celular. Há plataformas para venda de qualquer tipo de produto digital, de e-book a mentoria. O mercado da internet já era conhecido, mas estourou na pandemia. A barreira de entrada é muito baixa.

Deu em O Globo
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista