Bebidas 30/03/2025 05:54

Trump coloca vinícolas europeias de joelhos antes mesmo de tarifas entrarem em vigor

Quando o presidente Donald Trump anunciou sua ameaça de tarifa de 200% sobre o vinho europeu, os produtores já enfrentavam um declínio secular no consumo tão grave que a França começou a pagar agricultores para arrancarem videiras.

Na Cave Héraclès, a maior cooperativa de vinhos orgânicos do país, mais de 200 tanques de aço inoxidável — com altura equivalente a prédios de seis andares — ainda estão cheios com a produção do ano passado, enquanto as videiras da região de Occitânia já começam a brotar novamente, assim como no resto da Europa.

Enquanto isso, após uma corrida para enviar garrafas aos Estados Unidos antes da aplicação das tarifas, vinícolas europeias afirmam que os pedidos de seu principal cliente no exterior estão secando, o que significa que mais Merlot e Chardonnay deste ano podem acabar armazenados em adegas.

Parte do vinho pode até precisar ser destilada para a produção de álcool em gel.

— Nossa próxima colheita está se aproximando e nossos tonéis ainda estão cheios — disse Jean Philippe Julien, presidente da cooperativa de 80.000 viticultores no sul da França e produtor de quarta geração com 45 hectares de vinhedos na região de Codognan.

Segundo ele, os tonéis precisam começar a ser esvaziados até julho, no máximo, mas “agora que os compradores têm vinho suficiente, estão nos dizendo para esperar.”

A tarifa punitiva sugerida por Trump neste mês está paralisando a já debilitada indústria antes mesmo de qualquer decisão ser tomada. Os produtores estão perdidos, sem saber o quão severas as tarifas serão, quanto seus custos aumentarão e qual desconto precisarão oferecer.

Produção de vinho orgânico na Cave Héraclès em Vergeze, França — Foto: Maria Contreras Coll/Bloomberg
Produção de vinho orgânico na Cave Héraclès em Vergeze, França — Foto: Maria Contreras Coll/Bloomberg

Os compradores americanos, por outro lado, não querem correr riscos com tarifas que podem ser impostas já na próxima quarta-feira. A interrupção dos embarques para os EUA já está custando ao setor vinícola cerca de € 100 milhões (US$ 107 milhões) por semana, segundo Ignacio Sánchez Recarte, secretário-geral do Comitê Europeu das Empresas de Vinho (CEEV).

— Já está acontecendo — disse Lamberto Frescobaldi, presidente da associação italiana Unione Italiana Vini. — Há importadores dos EUA que disseram para parar os navios e não carregar os contêineres, porque se o vinho ou as bebidas alcoólicas chegarem aos Estados Unidos depois de 2 de abril — o que será o caso da maioria dos embarques que saírem agora — terão que pagar 200% de impostos.

O caos comercial ocorre em meio a um excesso global de vinho, apesar de a produção ter caído para o menor nível em 60 anos em 2024, com a demanda caindo ainda mais rapidamente. Os jovens consumidores estão bebendo menos bebidas alcoólicas e, quando o fazem, muitos preferem outras opções, até mesmo na França.

Em outubro, o país garantiu € 120 milhões (quase US$ 130 milhões) em financiamento da União Europeia para compensar agricultores pela destruição de vinhedos.

— Já havia uma desaceleração no mercado interno antes mesmo de Trump ter a ideia de impor tarifas — disse Frédéric Saccoman, diretor-geral da Héraclès. — Agora, nem sabemos como calcular o preço.

Jean Philippe Julien, presidente da Cave Héraclès — Foto: Maria Contreras Coll/Bloomberg
Jean Philippe Julien, presidente da Cave Héraclès — Foto: Maria Contreras Coll/Bloomberg

Temendo uma guerra comercial quando Trump venceu a eleição, muitos produtores em toda a Europa correram para enviar o máximo possível aos EUA. A Sogrape, maior exportadora de vinhos de Portugal e dona da marca Mateus Rosé, garantiu que seu importador americano tivesse aproximadamente seis meses de estoque, informou a empresa em resposta por e-mail a perguntas.

Daragh Quinn, ex-analista bancário que administra a vinícola familiar Château de Fieuzal, em Bordeaux, tomou medidas semelhantes. No ano passado, a vinícola enviou mais garrafas para os EUA antecipando o que poderia acontecer com as tarifas. Agora, eles estão “em um momento de espera e observação, pois há muitas questões em aberto e poucas respostas”, disse Quinn.

Se uma tarifa tão proibitiva entrar em vigor, continuar a abastecer o mercado americano se tornará praticamente impossível, afirmou Adrian Bridge, CEO da Fladgate Partnership, holding que possui negócios de vinho do Porto em Portugal, incluindo a Taylor’s.

— Isso significa um fechamento completo e imediato do mercado — disse Ignacio Sánchez Recarte, do CEEV. — Não há um mercado alternativo que possa compensar uma perda dessas proporções.

Os vinhedos da Cave Héraclès, a maior cooperativa de vinhos orgânicos da França — Foto: Maria Contreras Coll/Bloomberg
Os vinhedos da Cave Héraclès, a maior cooperativa de vinhos orgânicos da França — Foto: Maria Contreras Coll/Bloomberg

Os EUA compraram quase 30% das exportações de vinho da Europa no ano passado. Segundo Sánchez Recarte, os produtores podem ter que adotar medidas para mitigar os impactos, como converter o excesso de produto em outros tipos de álcool ou desinfetantes, vender vinho com desconto em supermercados ou até reduzir a capacidade dos vinhedos para as próximas safras, removendo mais plantas.

Trump alertou que a tarifa de 200% sobre vinhos, champanhes e outras bebidas alcoólicas da UE entraria em vigor caso Bruxelas seguisse adiante com uma tarifa sobre o bourbon americano, prevista para 14 de abril. A UE está identificando concessões que pode fazer para tentar negociar uma remoção parcial das tarifas dos EUA, segundo fontes próximas ao assunto.

Diante disso, Jérôme Bauer, presidente da federação francesa de produtores de vinho e destilados (CNAOC), espera que talvez o pior possa ser evitado. Ele está pressionando políticos da UE para remover o bourbon americano da lista de retaliações e, assim, poupar a indústria vinícola de represálias.

— Estamos fazendo muito lobby junto aos nossos políticos nacionais e europeus para retirar o bourbon americano da lista de represálias nesse conflito — disse Bauer, de 45 anos, viticultor de quarta geração em Herrlisheim, na região da Alsácia, perto da fronteira com a Alemanha. — Ninguém tem nada a ganhar com esse conflito, então gostaríamos de resolvê-lo de forma diplomática e inteligente.

A Comissão Europeia propôs na sexta-feira medidas específicas para garantir que as vendas de vinho do bloco permaneçam competitivas, incluindo ajuda financeira, ações de marketing e até incentivos para impulsionar o enoturismo como forma de diversificar a receita. No entanto, pode levar algum tempo até que qualquer uma dessas medidas seja aprovada e implementada.

Deu em O Globo
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista