Crônica 26/03/2025 11:20

O delírio criativo do queijo de coalho de Jucurutu

Antes que algum intolerante (patota cada vez mais ativa e chata) a lactose, a outros derivados do leite ou a qualquer coisa que surja nas redes sociais, informo que sou cliente contumaz do produto.

Nada de preconceitos ou resistência. Sou um defensor do produto potiguar.

Até organizei um programa, nos tempos da Fiern, com esse nome.

Também quero informar que entendo todas as armas, sutis ou nem tanto, que o marketing e a propaganda usam para atrair o consumidor. Afinal, vivo no mundo da publicidade há 40 anos. No mínimo sou um dinossauro.

Sei que a propaganda é capaz de aguçar sentimentos, elevar fantasias, criar ilusões, explorar desejos, explícitos ou não, tentar levar o alvo a viajar sentimentalmente, a sonhar.

A licença poética da publicidade é capaz de estabelecer até novas crenças, breves, intensas ou incontroláveis, apenas fisiológicas ou a postura consumista patológica.

Tudo isso eu entendo.

E sempre me encontro disponível para aceitar as novas experiências, ajustar as passadas, rever os conceitos culturais, consciente ou de alma desarmada. Ou como diriam os antigos comunistas: fazer a autocrítica.

Porém, confesso que não estava preparado para sentir um trovão criativo no anúncio do queijo de coalho do Sertão Jucurutu.

Foi demais.

É um delírio criativo.

Imagino como foi o tal do brainstorming da turma.

Na linguagem da publicidade esse nome feio é uma técnica de grupo na hora de buscar soluções inovadoras. Deve ter tido uma confusão dos diabos para se chegar ao resultado exposto. Criador é gente complicada.

Na tarde de ontem, em plena Avenida Romualdo Galvão, voltando pra casa na tarde cinzenta e nublada, trânsito maçante na Natal dos últimos anos.

Na hora que o sinal fecha, fica bem na minha frente um caminhão, desses do tipo baú, dos produtos Jucurutu. Anunciando o queijo de coalho.

A peça publicitária foi como uma pancada no sempre amador e aprendiz. A foto acima descreve bem.

Mas vou narrar as minhas surpresas. Foi um trovão daqueles capazes de amadurecer a cajarana ainda no pé.

Adornado pela frase “o sabor do campo na sua mesa”,  tinha ao lado uma ilustração.

Confesso que não distingui se era de uma vaca (foi o que eu pensei). Tinha cara de esquilo também. Que viagem!

Estava a bordo de um avental ou quase uma camisola. Olha só que intimidade o produto buscou ter com a dona de casa. Chuva torrencial de idéias.

Na mão uma caneca. Insinuava servir leite. Juro que pensei que era de chopp. Coisas da minha memória alcoólica.

Não importa. Era muita espuma. Lembrei dos meus tempos de menino, na Fazenda Mulungu, em Felipe Guerra, na estrada que vai para Apodi.

Lá na fazenda do meu avô tinha a fila no curral, moleques disciplinadamente escorados no mourão, leite tirado na hora, com espuma. Leite “no peito da vaca”. Chega fazia o bigode. Eram sempre férias livre e alegres.

Bom todo.

Continuando a nossa enxurrada de talento sertanejo, uma criança lindinha, servindo de modelo da peça, ostentando, com ar de inocência (alivia a imagem), o próprio produto. Quem não compraria um produto distribuído por aquela imagem de pureza. Era mais uma característica a ser associada ao produto. Queijo de coalho puro.

Mas aí veio a descarga elétrica, o corisco, a luz total. Uma Itaipu de talento.

Como se fosse o arremate minucioso, quase uma crueldade com os que enxergam menos as travessuras da publicidade.

Ao adereço da peça, um campo verde, gramado impecável, daqueles que basta olhar pra sentir um friozinho gostoso. Sabe aquelas regiões onde chove muito?

Vacas holandesas, pastando solenes (na magistral interpretação de Elis Regina, de Casa de Campo, de Zé Rodrix,  são carneiros e cabras). Outra licença poética.

Mas criatividade está pra subverter mesmo tudo. O fato de ser vacas da raça holandesa também é deliberado. O clima onde se produz este queijo é sutilmente insinuado. A Holanda (hoje Países Baixos) produz os melhores produtos de laticínos da Europa. Percebeu? Percebeu?

E as casas ao fundo da ilustração? Com seus telhados muito íngremes, como existem tantos nas regiões mais frias, reforça a sensação quase incontrolável de tomar um copo de leite quente. Por associação, um queijo de coalho assado. Pra amenizar o frio.

A minha supresa ainda não estava completa. Veio o raio fatal:

Há uma plantação de trigo na paisagem. Isso mesmo: trigo para os produtos do Sertão de Jucurutu.

É muita emoção.

É um delírio criativo.

Vou ali no supermercado comprar um queijo de coalho de Jucurutu.

Acho que vou bater palmas quando me encontrar com ele nas prateleiras.

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista