Política 01/03/2025 11:50

Lula escolhe Gleisi para articulação política: ‘Mensagem é que final do mandato será mais petista e menos de frente ampla’

O anúncio das mudanças vem após meses de especulação sobre uma reforma ministerial, discussão que ganhou novo fôlego após a forte queda de popularidade de Lula no início do ano.

Em mais um passo da reforma ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convidou, nesta sexta-feira (28/2), a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR) para ocupar a pasta das Relações Institucionais.

“Vem para somar na Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, na interlocução do Executivo com o Legislativo e demais entes federados”, escreveu Lula em sua conta no X.

Gleisi, por sua vez, foi à mesma rede social agradecer o convite e o apoio do PT.

“Seguirei dialogando democraticamente com os partidos, governantes e lideranças políticas, como fiz nas posições que ocupei no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, na Casa Civil, na diretoria de Itaipu e, atualmente, na presidência do PT”, escreveu ela.

O ministério estava sob o comando de Alexandre Padilha, também do PT, anunciado na quarta-feira para chefiar a Saúde no lugar de Nísia Trindade.

Padilha já havia comandado a Saúde anteriormente, no governo de Dilma Rousseff (PT), entre janeiro de 2011 e fevereiro de 2014.

O anúncio das mudanças vem após meses de especulação sobre uma reforma ministerial, discussão que ganhou novo fôlego após a forte queda de popularidade de Lula no início do ano.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada em 14 de fevereiro, a aprovação do presidente recuou de 35% para 24% em dois meses, pior nível já registrado pelo petista em todos os seus mandatos. A reprovação também é recorde, subindo de 34% a 41%.

Nesse contexto, partidos do Centrão aumentaram a pressão por mais espaço no governo.

A decisão de manter um petista na Saúde, um dos maiores orçamentos da Esplanada, e colocar Gleisi à frente da articulação, no entanto, mostra resistência de Lula em ceder poder para outros partidos, notam cientistas políticos ouvidos pela reportagem.

A saída de Padilha da pasta de Relações Institucionais, que é responsável pela articulação política do governo, poderia abrir espaço, de acordo com os analistas, para Lula melhorar a relação com o Congresso.

Padilha vinha enfrentando problemas na condução das negociações políticas, tendo sido chamado publicamente de incompetente pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).

Desde o início de fevereiro, o Congresso tem novas lideranças, com Hugo Motta (Republicanos-PB) à frente da Câmara e o Davi Alcolumbre (União-AP) no comando do Senado.

O Palácio do Planalto, porém, não deu explicação oficial para a troca ministerial. Segundo a imprensa brasileira, Nísia Trindade foi demitida por uma insatisfação de Lula com os resultados da pasta.

A ida de Gleisi para o governo tem como pano de fundo a eleição interna do PT, partido do qual ela é presidente desde 2017.

Em julho, o partido decidirá por seu novo presidente. Embora Gleisi seja do mesmo grupo político que Lula – Construindo um Novo Brasil (CNB) – que tem apoiado Edinho Silva para assumir o posto, a deputada paranaense se opunha ao nome do ex-prefeito de Araraquara (SP) para ser seu sucessor.

O nome de Edinho, segundo o cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, aponta para um PT mais pragmático. Diferentemente da escolha de Gleisi para as Relações Institucionais.

“Gleisi está indo para uma pasta que é o coração de articulação de um governo cujo dilema é manter minimamente a coalizão de pé para 2026”, diz. “E a escolha pela Gleisi é a escolha de uma figura politicamente muito carregada, sobretudo nessa ótica de fazer o governo dar sinais para a centro-direita.”

Inicialmente, as especulações apontavam que Gleisi deveria ir para a Secretaria-Geral da presidência, uma pasta que lida com a articulação do governo com os movimentos sociais.

Por isso, a escolha de Lula pelas Relações Institucionais parece, segundo Cortez, o reflexo de algum conflito interno, já que, segundo ele, não condiz com a tentativa de coalizão que muitos petistas defendem para viabilizar as próximas eleições.

“A mensagem que o governo passa é que a metade final do mandato de Lula é mais petista e menos de frente ampla”, afirma Cortez.

Na visão do cientista político Christian Lynch, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Lula optou por um perfil mais combativo no Palácio do Planalto.

“Gleisi é escolha de combate. Puro sangue. Sinalização de confrontação à direita. Não de contemporização”, escreveu na rede social X.

Escolha de fiéis a Lula e pressão por mais mulheres

Para o cientista político Creomar de Souza, fundador da consultoria política Dharma, a decisão de Lula de deslocar Padilha para a Saúde, mesmo após seu desempenho fraco na articulação política, e escolher Gleisi para substituí-lo, mostra que o presidente continua privilegiando pessoas que foram fiéis a ele e ao partido nos momentos de maior dificuldade, durante a Operação Lava Jato.

Ele também vê na escolha da presidente do PT uma forma de responder críticas à redução do número de ministras mulheres. Desde o início do governo, foram demitidas e substituídas por homens Daniela Carneiro (Turismo), Ana Moser (Esporte) e Nísia Trindade (Saúde).

Na sua leitura, porém, Lula deveria ter optado por um perfil diferente de Gleisi, vista como uma pessoa mais ideológica à esquerda, que teria menos condições de ampliar as alianças do governo.

“Não tem mulher suficiente, então Lula escolhe a Gleisi, que é mulher e foi responsável por salvar o PT no momento mais difícil da história do partido. Só que não tem o perfil pra fazer aquilo que o governo precisa, não é apreciada pelos pares no Legislativo”, afirma.

“Queria colocar uma mulher na segunda pasta mais importante do governo, trouxesse a Simone Tebet”, disse, citando a ministra do Planejamento, filiada ao MDB.

Na sua leitura, outra questão na escolha da ministra é a possível intensificação dos atritos dentro do próprio governo. Ele lembra que Gleisi já teve embates públicos com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, criticando medidas para conter os gastos públicos.

“É um governo em curto-circuito decisório, e cada um puxando pro seu lado. Se você olha para os ministros palacianos, que é quem toca o governo, a gente lembra aquele poeminha do Drummond: O Rui Costa odeia o Padilha, que não gosta da Gleisi, que despreza o Haddad, que gostaria de ser amado pelo Lula, que só tem olhos para a Janja, que odeia todo mundo”, brincou.

“2025 e 2026 vão ser difíceis. O governo tendencialmente vai ficar mais isolado e vai tentar alguma saída à la Bolsonaro: pegar dinheiro e jogar de helicóptero”, disse ainda, lembrando a forte expansão de gastos em benefícios sociais adotada pelo ex-presidente em 2022, antes da eleição.

Defensores da escolha de Gleisi, por sua vez, apontam sua experiência na articulação política da campanha presidencial de Lula e no comando do PT.

“Gleisi foi uma pessoa decisiva no combate à extrema direita e na eleição de Lula. Será novamente agora como Ministra da SRI. Os ataques que ela recebe de parte da mídia e de toda a direita se devem à sua maior qualidade: ter lado. Estamos contigo, @gleisi”, escreveu na rede social X o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP).

Gleisi Hoffmann, Janja e Lula.

Crédito,Getty Images. ,Gleisi Hoffmann, ao lado de Janja e Lula no aniversário do PT em fevereiro

Gleisi tem 59 anos. Ela participou do movimento estudantil e se formou em direito, com especialização em gestão pública. É filiada ao PT desde 1989 e assessorou quadros do partido.

Elegeu-se senadora em 2010 e foi ministra da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff (PT) de 2011 a 2014.

Assumiu a presidência do PT em 2017. Seu mandato à frente da sigla deve se encerrar em julho deste ano, quando estão convocadas eleições internas do partido.

A posse de Gleisi está marcada para 10 de março.

Seu nome foi escolhido em meio a críticas pela redução da participação feminina no governo Lula. Havia 11 mulheres à frente de ministérios no início do mandato.

Três formam demitidas e substituídas por homens: Ana Moser (Esporte) e Daniela Carneiro (Turismo), além de Nísia.

Agora voltam a ser nove pastas chefiadas por mulheres, com a nomeação de Gleisi para comandar a articulação política de Lula em um momento de crise.

O anúncio destas mudanças vem após meses de especulação sobre uma reforma ministerial, discussão que ganhou novo fôlego após a forte queda de popularidade de Lula no início do ano.

Segundo pesquisa Datafolha divulgada em 14 de fevereiro, a aprovação do presidente recuou de 35% para 24% em dois meses, pior nível já registrado pelo petista em todos os seus mandatos. A reprovação também é recorde, subindo de 34% a 41%.

Nesse contexto, partidos do Centrão pressionam o presidente por mais espaço na Esplanada dos Ministérios.

Deu em BBC

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista