Uncategorized 15/02/2025 16:43
Os mistérios que cercam a morte de JK
Quase 50 anos depois, as investigações do caso foram reabertas nesta sexta, por decisão do governo federal
Era domingo. Por volta das 18h de 22 de agosto de 1976, o Opala onde estava o ex-presidente Juscelino Kubitscheck atravessou o canteiro central da Rodovia Presidente Dutra, na altura do quilômetro 165.
Desgovernado, o carro, dirigido pelo motorista e amigo de JK, Geraldo Ribeiro, invadiu a pista do outro lado e, na contramão, bateu de frente com uma carreta. Os dois morreram.
Quase 50 anos depois, as investigações do caso foram reabertas nesta sexta, por decisão do governo federal.
A Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), organismo estatal ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, fará uma reunião para aprovar uma nova análise do caso que matou o 21º presidente da história do Brasil.
Desde o episódio, diversas teorias apontavam para uma conspiração que teria provocado a morte de JK.
Ele teria sido vítima de um atentado político — e as versões apoiam-se ou na tese de sabotagem mecânica, ou de envenenamento ou tiro ao motorista.
“Muito do mistério que ainda persiste sobre a morte dele está no fato de que, além das circunstâncias do acidente terem sido suspeitas para a época, houve destruição de provas, tanto para exame dos corpos como do próprio carro, que foi destruído em uma base da polícia”, diz à BBC News Brasil o historiador Victor Missiato, pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Essa ausência de cuidado e atenção em relação às provas da investigação e o fato de que na época vivíamos em regime militar dificultaram [os esclarecimentos] e levantaram muitas suspeitas em torno da morte do JK.”
Crédito,Arquivo Nacional Juscelino Kubitscheck morreu num acidente automotivo em 1976, num episódio cercado de incertezas — na foto, o então presidente inaugurava a Refinaria de Petróleo de Manaus, em 1957
“Há uma série de suspeitas de familiares, apoiadores políticos, assessores e pessoas próximas de Juscelino Kubitschek, pessoas dizendo que na época ele havia sofrido várias ameaças de morte e que a ditadura queria que ele saísse do país”, conta à BBC News Brasil o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
As investigações oficias da época, com o país comandado por uma ditadura militar, apontavam para um acidente normal de trânsito, em que o motorista havia perdido o controle do Opala após tentar ultrapassar um ônibus e colidir com ele. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade chegou à mesma conclusão.
“Diz-se que o mistério permanece mas a Comissão Nacional da Verdade fez investigações extensivas sobre a morte de Juscelino e não encontrou evidências de que teria sido armada uma conspiração ou um assassinato, digamos logo a palavra crua”, afirma à BBC News Brasil o historiador Daniel Aarão dos Reis, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF).
A decisão de reabrir as investigações sobre a morte de JK parte de um outro inquérito. Entre 2013 e 2019 o Ministério Público Federal (MPF) esmiuçou o episódio e, embora não tenha concluído que houve ação externa para provocar o acidente, descartou que o Opala tivesse se chocado com um ônibus, como as investigações oficiais originais apontavam.
Segundo o MPF, a ideia de atentado contra o ex-presidente era “impossível” ser comprovada ou descartada, já que “não há elementos materiais suficiente para apontar a causa do acidente ou que explique a perda do controle do automóvel.”.
Um ingrediente adicional se soma ao caldo dessa história. Então motorista do tal ônibus, Josias Oliveira afirmou em depoimento colhido em 2013 que, cinco dias após o acidente, recebeu uma oferta em dinheiro para assumir a culpa — ele foi processado por homicídio culposo (em que não há a intenção de matar) e absolvido.
Para o procurador da República Paulo Sério Ferreira Filho, “houve falhas severas nas investigações realizadas pelo Estado brasileiro”, conforme os autos do processo.
Crédito,Arquivo Nacional ‘Houve falhas severas nas investigações realizadas pelo Estado brasileiro’, avaliou procurador da República nos autos de inquérito do MPF sobre a morte de JK — na foto, em visita às Missões, no Amazonas
Um laudo anexado a esse inquérito é o ponto principal que motiva a CEMDP a reabrir o caso hoje: um laudo realizado pelo engenheiro Sergio Ejzenberg, perito e especialista em transportes.
Ao longo de três anos ele estudou todas as nuances do caso e elaborou um documento de 222 páginas a respeito do acontecimento histórico.
De acordo com esse material, a que a BBC News Brasil teve acesso na íntegra, o ônibus “não estava trafegando em excesso de velocidade e não teve qualquer participação causal nos fatos”.
“Excluída a participação do ônibus […] no evento, restou inexplicada pelos laudos […] a causa da passagem do automóvel Opala par a pista oposta, e também restou inexplicada a rota de colisão do automóvel, sem frenagem, apontada pelos peritos criminais […]. Isso tudo ocorreu em trecho retilíneo, após o Opala ter trafegado sem problema por duas curvas fechadas imediatamente precedentes”, pontua o especialista. “Essa questão central foi ignorada nos laudos […] de 1976 e 1996”.
Ele ressalta que a “investigação sobre sabotagem no automóvel” acabou sendo “inviabilizada”, já que o mesmo acabou sendo desmantelado “enquanto estava guardado no pátio da Delegacia de Polícia de Resende”, para onde foi levado após o acidente. Ejzenberg escreve que isso significou a “perda das provas relevantes para o estudo dessa questão”.
Procurado pela BBC News Brasil o engenheiro afirma que não vai se manifestar fora dos autos. Ele diz que fez a análise de forma voluntária, a convite do Ministério Público, depois que “um grupo de professores da Universidade de São Paulo levantou um monte de incongruências na história”.
Nascido em 1902, Kubitschek foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Era médico e oficial da Polícia Militar de Minas Gerais.
Sua gestão ficou conhecida pela construção da nova capital federal, Brasília, e pelo slogan desenvolvimentista “cinquenta anos em cinco”.
Ganhou a alcunha de “pai do Brasil moderno” — mas se o período foi marcado pela industrialização, também teve os ônus do aumento da dívida externa e do crescimento da inflação.
Crédito,Arquivo Nacional Gestão de JK ficou conhecida pela construção da nova capital federal, Brasília, e pelo slogan desenvolvimentista ‘cinquenta anos em cinco’
JK era nome forte para as eleições presidências de 1965, caso não tivesse ocorrido um ano antes o golpe cívico-militar que instaurou a ditadura.
No poder, os militares suspenderam seus direitos políticos, acusaram-no de corrupção e propagandearam que ele seria apoiado pelos comunistas.
Ao lado do também ex-presidente João Goulart (1919-1976) e do ex-deputado federal Carlos Lacerda (1914-1977), foi um dos articuladores da Frente Ampla, em 1967, que se posicionou contrária ao regime ditatorial.
O historiador Aarão lembra que esses três políticos, “que poderiam desempenhar um papel importante na democracia brasileira” em caso de redemocratização, morreram em um intervalo de nove meses — de agosto de 1976 a maio de 1977. Esta estranha coincidência, sem dúvida, é o que alimentou — e ainda alimenta — diversas teorias e questionamentos.
JK pretendia se candidatar à presidência pelo Colégio Eleitoral nas eleições indiretas de 1978. Segundo historiadores, o nome de JK estava dentre os observados pela Operação Condor, trabalho de inteligência e repressão política financiado pelos Estados Unidos que ocorreu nos governos ditatoriais de direita da América do Sul a partir de 1975.
Crédito,Arquivo Nacional JK estava dentre os observados pela Operação Condor, trabalho de inteligência e repressão política financiado pelos Estados Unidos que ocorreu nos governos ditatoriais de direita da América do Sul a partir de 1975 — na foto, no Palácio da Alvorada com Fidel Castro em visita Brasília em 1959
“Embora ele não tivesse um papel de liderança naquele momento, caso o regime militar se colapsasse, seria uma influência que voltaria à tona”, avalia Missiato.
“JK era um nome ventilado para reassumir a presidência em um processo democrático quando a democracia voltasse e a sua própria existência seria um apelo ao retorno da democracia”, comenta o cientista político Ramirez.
“JK, na memória popular, sempre foi um nome muito forte que, certamente pressionaria os anseios dos cidadãos ao retorno da democracia e seria um nome capaz de vencer uma eventual eleição caso a democracia retornasse.”
Para os especialistas, é fundamental que estudos cheguem à uma conclusão final sobre o caso. “Ao entender as dinâmicas do passado, vemos aquilo que queremos contar para o nosso presente”, diz Missiato.
“A meu ver, o tema merece consideração. Eram três grandes líderes políticos [JK, Goulart e Lacerda], morreram em datas muito próximas, em uma conjuntura de redemocratização”, analisa Aarão dos Reis.
“Os partidários do regime não tinham nenhuma simpatia pelos três e podiam, sem dúvida, temer o impacto da ação deles, imprevisível, nos acontecimentos que se seguiriam.”
O historiador lembra que é importante “manter o interesse pelo tema” inclusive porque “os meios técnicos” para as perícias e análises “estão progredindo” e, “quem sabe no futuro” conclusões mais acuradas serão possíveis, lançando “novas luzes sobre os acontecimentos”.
“É fundamental que haja um esclarecimento mais evidente a respeito de sobre quais condições houve o acidente de automóvel que matou Juscelino Kubitscheck”, argumenta Ramirez.
“É preciso investigar mais para saber se realmente foi acidente ou se teria sido uma morte encomendada, um acidente provocado com a intenção de matá-lo.”
Deu em BBC
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