Embora possa parecer óbvio – e até uma criança muito pequena pode nos entender quando dizemos que alguém é “mau” – a verdade é que o mal é um conceito difícil de objetivar. Isso se deve às diversas conotações religiosas, morais, políticas e legais que o cercam.
Em psicologia, o termo “personalidade sombria” é usado para descrever pessoas que buscam ganho pessoal às custas dos outros, muitas vezes causando danos ou desvantagens. Este conceito abrange desde comportamentos abertamente cruéis – como sentir prazer no sofrimento dos outros – até atitudes mais sutis, como manipulação, insensibilidade ou transgressão de normas sociais.
Dentro desta categoria encontramos rótulos como psicopatia, narcisismo, maquiavelismo ou sadismo. Refletir sobre essas características não apenas nos convida a questionar como entendemos o mal, mas também a nos perguntar: alguém próximo a nós — ou até mesmo nós mesmos — pode se encaixar nessas descrições?
Onde estão os cinzas?
Muitas vezes, quando pensamos em pessoas más, o arquétipo mais recorrente é o do serial killer como Ted Bundy, dos psicopatas como Charles Manson ou dos parricidas como José Bretón.
Mas só porque os demônios existem não significa que o resto de nós seja santo. O mal não é algo que você tem ou não tem: é uma ampla escala de cinza da qual todos os indivíduos participam em maior ou menor grau. Há um extremo negro de temas desprezíveis, mas também diferentes tons de cinza onde todos nós nos colocaríamos.
Ou seja, não é uma questão de “ser ou não ser”, mas de quanto somos ou não somos. Não esqueçamos que quase todas as dicotomias são meras simplificações em um mundo onde reinam o continuum e a probabilidade.
Traduzindo para o campo da psicologia, todos nós temos uma pontuação em narcisismo, mas isso não nos torna necessariamente narcisistas. Para fazer isso, você precisaria ter uma pontuação muito alta nesse traço de personalidade.
De fato, manifestações extremas de personalidades sombrias são raras (apenas 1% da população está localizada aqui). No entanto, também há pessoas com pontuações bastante altas que não se qualificam para um diagnóstico clínico. Há mais destes. E embora não sejam tão assustadores, eles ainda são perigosos: talvez não para nossa integridade física, mas podem afetar o bem-estar emocional de quem interage com eles.
Personalidades obscuras no trabalho
A pessoa que deseja obter benefícios individuais às custas dos outros encontra nas empresas um bom campo de caça. Nenhum empregador quer isso: um bom ambiente de trabalho é essencial tanto para o bem-estar dos funcionários quanto para o funcionamento da organização.
Vários estudos apontaram os efeitos devastadores de personalidades sombrias no local de trabalho e como esses indivíduos tendem a gerar conflitos no local de trabalho, sabotar colegas e minar o moral da equipe.
Avaliando traços “sombrios”
O problema é que muitos dos traços “escuros” não são detectados a curto prazo. Por exemplo, uma pessoa manipuladora e arrogante que deseja uma determinada posição sabe perfeitamente como causar uma boa impressão. No entanto, a longo prazo, truques e comentários depreciativos em relação aos colegas se tornarão mais evidentes e prejudicarão as relações de trabalho.
O segredo é avaliar essas características antes de contratar, para evitar “sustos” a longo prazo. Existe até uma proposta de avaliações psicológicas para evitar que personalidades obscuras alcancem altos cargos políticos. Agora, como você avalia o mal?
Anatomia do mal
Há muitas maneiras de “ser mau”.
Desde 2002, fala-se da chamada “tríade sombria da personalidade” , que combina psicopatia (falta de empatia, impulsividade e comportamento manipulador), narcisismo (senso exagerado de superioridade, necessidade de admiração e falta de empatia) e maquiavelismo, que é o uso de estratégias frias e calculistas para obter o que se quer dos outros.
Mais tarde, o sadismo (obter prazer com o sofrimento dos outros) foi adicionado à tríade, formando a tétrade sombria da personalidade.
Esses traços obscuros compartilham muitas de suas características, o que torna difícil distingui-los uns dos outros. Isso leva a uma situação em que, se chamamos alguém de psicopata, provavelmente também o consideramos um narcisista e maquiavélico (veja, por exemplo, as análises dos políticos Boris Johnson ou Donald Trump).
Essa redundância poderia ser evitada se, em vez de avaliar características em um nível geral, fossem avaliadas características específicas que não se sobrepõem entre si. Ou seja, em vez de dar uma pontuação à psicopatia ou ao narcisismo, buscamos pontuar seus componentes específicos.
Ao analisar quais características “sombrias” podem ser consideradas independentes, nossa equipe de pesquisa elaborou uma lista de nove traços: autoritarismo, ganância, crueldade, não conformidade, insensibilidade, manipulação, orgulho, transgressão e vingança.
Com eles, foi criada a “Dark Traits Assessment Battery” (BERO), que tem grande potencial como ferramenta para avaliar esses traços na população adulta espanhola em geral.
Matéria cinzenta
Há muito tempo, o poeta francês Charles Baudelaire nos lembrou que o maior truque do diabo era nos convencer de sua inexistência. Somos inteligentes demais para ignorar as manifestações mais extremas do mal, mas às vezes também somos ingênuos demais para ignorar os cinzas.
Ferramentas como o BERO podem nos ajudar a mudar isso avaliando o nível dessas características tanto nas pessoas ao nosso redor quanto em nós mesmos.
A partir daqui, a questão não é se vivemos com personalidades sombrias (isso já está claro), mas como administrá-las para evitar que dominem nossas interações e estruturas sociais.
*Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no site The Conversation por Jaime Garcia-Fernandez, pesquisador em Psicometria na Universidade de Oviedo, na Espanha; e por Álvaro Postigo Gutierrez, professor adjunto assistente na mesma instituição.
Deu em Galileu