Cidadania 23/01/2025 10:36

Trump fecha porta ao ‘turismo de nascimento’ usado por brasileiros nos EUA: ‘Estamos apreensivos’

Trump determinou fim da cidadania automática aos nascidos nos EUA - regra que levava brasileiras a viajarem para dar à luz no país.

A arquiteta brasileira Lavínia Naue, 26 anos, espera dar à luz sua primeira filha, Lívia, no próximo dia 20 de fevereiro, nos Estados Unidos. A gaúcha viajou de Santa Catarina até a Flórida por um objetivo: voltar ao Brasil com um passaporte americano para a sua bebê.

“A gente gosta de morar no Brasil, mas queremos garantir que ela tenha dupla cidadania, para poder estudar nos EUA, ter mais portas abertas para ela e os filhos dela no futuro”, diz.

Lavínia faz parte de um grupo de famílias que viajam ao país para o chamado “turismo de nascimento” ou “turismo de parto”.

É que os EUA oferecem cidadania automática a qualquer bebê nascido no país — independentemente da situação migratória dos pais ou se a família está no país com um visto temporário, como o de turismo.

Mas o recém-empossado presidente Donald Trump decidiu acabar com essa possibilidade e o sonho de muitas mães, apesar de provavelmente enfrentar desafios legais para implementar a medida (leia mais abaixo).

No seu primeiro dia na presidência, na segunda-feira (20), Trump assinou uma ordem executiva em que determina o fim do direito à cidadania automática a filhos de estrangeiros nascidos nos EUA.

O texto assinado por Trump afeta não só as turistas que tenham filho no país e os imigrantes indocumentados, mas também famílias que estão no país com um visto temporário, como estudantes.

A nova regra assinada por Trump entra em vigor em um mês, ou seja, em 20 de fevereiro, exatamente o dia previso para o nascimento de Lívia na Flórida.

A mãe, Lavínia, já sabia dessa possibilidade antes de viajar e está confiante que a medida seja revertida na Justiça antes de entrar em vigor, mas confessa: “estamos apreensivos, apesar de estarmos informados que isso deve demorar mais para entrar em vigor.”

Após o nascimento de Lívia, a família deve esperar 58 dias até o retorno ao Brasil.

O casal de Santa Catarina decidiu ir aos EUA por meio da empresa Ser Mamãe em Miami, criada pelo pediatra brasileiro Wladimir Lorentz em 2015 e referência nesse tipo de serviço no Brasil.

Por ano, são cerca de 250 grávidas que fecham contrato com a empresa para darem à luz nos Estados Unidos.

Desse grupo, segundo Lorentz, mais da metade das clientes é brasileira (o restante vem da América Latina e de países tão distintos quanto Rússia e Zimbábue) — e a maioria investe a partir de R$ 100 mil na empreitada, principalmente com o intuito de garantir a cidadania americana aos bebês.

O médico residente na Flórida, que resolveu fundar a agência com um sócio após descobrir serviços semelhantes para turistas russas, já atendeu celebridades como a atriz Karina Bacchi e o vereador Thammy Miranda (PSD-SP).

As cantoras Claudia Leitte e Simone Mendes são outras que também deram à luz nos EUA, apesar de justificarem questões de agenda.

O pediatra diz que tem tentado tirar a apreensão de clientes, por acreditar que a regra não deve entrar em vigor. “Mas as pessoas ficam preocupadas”, assume. O advogado brasileiro especialista em imigração Albert Resende explica que, da forma como acontece hoje, o chamado “turismo de nascimento” não é ilegal.

Dentro da lei de imigração, não tem nada que proíba. Mas os republicanos entendem que isso é prejudicial ao país”, explica o chefe jurídico do escritório especializado Witer, Pessoni & Moore.

]Mas, segundo a advogada Leda Almeida, CEO do escritório AG Immigration, especializado em direito migratório e baseado na Flórida, “com essa ordem executiva, pelo menos por enquanto, essa indústria do turismo do parto fica inviabilizada”.

Os partidários de Trump defendem que oferecer a cidadania a qualquer nascido no país estimula a imigração ilegal. Já os que são contra a medida do presidente defendem que nos EUA este é um direito constitucional, num país historicamente formado por imigrantes.

Direito previsto na Constituição

A cidadania por direito de nascença está prevista na 14ª Emenda da Constituição dos EUA, que afirma que “todas as pessoas nascidas” nos Estados Unidos “são cidadãos dos Estados Unidos“.

É chamado jus soli automático, ou “direito do solo” sem restrições, adotado por países como México, Canadá e o Brasil (com algumas exceções).

Em outros países, como Reino Unido, Espanha ou Japão, o critério é o jus sanguinis — ou seja, a cidadania só é automaticamente garantida por descendência, caso algum dos pais já seja cidadão daquele país.

A ordem de Trump argumenta que a Constituição tem sido interpretada de forma errada, sustentando que ela se refere apenas a filhos de cidadãos ou residentes permanentes legais.

Especialistas em direito constitucional têm dito que Trump não poderia acabar com a cidadania por direito de nascença com uma ordem executiva.

“Ele está fazendo algo que vai incomodar muitas pessoas, mas, no final das contas, isso será decidido pelos tribunais“, disse à BBC Saikrishna Prakash, especialista constitucional e professor da Faculdade de Direito da Universidade da Virgínia. “Isso não é algo que ele pode decidir sozinho.”

“Não dá para falar que vai ser realmente feito dessa forma, porque vai tem que passar por vários trâmites legais”, concorda o brasileiro Albert Resende.

Trump assinou ordens executivas logo após tomar posse. — Foto: Reuters via BBC

Trump assinou ordens executivas logo após tomar posse. — Foto: Reuters via BBC

A entidade ativista American Civil Liberties Union e outros grupos processaram imediatamente o governo Trump por causa da ordem executiva.

Em uma ação separada, mais quatro Estados já tentam bloquear a medida.

O procurador-geral de Nova Jersey, Matthew J. Platkin, que liderou um dos esforços jurídicos junto aos procuradores-gerais da Califórnia e de Massachusetts, declarou que a tentativa de Trump de limitar a cidadania por nascimento foi “extraordinária e extrema”.

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista