Política 22/01/2025 05:37

Aliados de Bolsonaro apostam em ofensiva de Trump e Musk contra Alexandre de Moraes

Entorno do ex-presidente avalia que negativa do ministro para viagem do ex-presidente brasileiro para a posse nos EUA indignou americanos, mas leitura não é consenso entre interlocutores

Com a posse de Donald Trump nos Estados Unidos para um mandato de quatro anos, parte dos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro têm alimentado expectativas de que o novo presidente americano e o dono da rede X, Elon Musk, tomarão iniciativas contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STFAlexandre de Moraes, relator dos principais inquéritos que fecharam o cerco contra o brasileiro – o das joias sauditas, da trama golpista e das fake news.

A leitura de cenário, porém, não é compartilhada entre todos os interlocutores de Bolsonaro ouvidos reservadamente pelo blog.

A análise de parte do entorno do ex-presidente é que a negativa de Moraes sobre o pedido de sua defesa para que ele reavesse seu passaporte e fosse autorizado a viajar para os EUA para acompanhar a posse de Trump, embora criticada, ajudou a reforçar a narrativa bolsonarista de perseguição jurídica entre os aliados americanos.

Estes mesmos aliados avaliam que um sinal verde do ministro dificultaria o argumento de que Bolsonaro é vítima de “lawfare”, termo usado pelo novo presidente americano para se referir aos diversos inquéritos abertos contra ele durante o governo Joe Biden.

O ex-presidente foi convidado por Trump e acabou representado pelo seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e a ex-primeira-dama Michelle.

“Por esse motivo eu estava pessoalmente torcendo pela rejeição do pedido, e muita gente no entorno também”, confidenciou sob anonimato um aliado de Bolsonaro envolvido na caravana de deputados que viajaram para acompanhar a posse em Washington.

Na semana passada, Eduardo comparou a situação de seu pai com a do dirigente americano ao agradecer a crítica da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, controlada pelo partido de Trump, à decisão de Moraes de vetar sua viagem para o exterior.

Estes mesmos interlocutores do bolsonarismo admitem sob reserva que não há uma definição clara do que Trump e Musk poderiam fazer para retaliar o ministro ou pressionar o STF na reta final da investigação da trama golpista, com uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) a caminho, mas ponderam que um aliado próximo no Salão Oval da Casa Branca contribui muito para “mudar o jogo”.

O próprio Bolsonaro externou essa opinião em uma conversa com jornalistas no último sábado (18) no aeroporto de Brasília.

“Com toda certeza, se ele me convidou, ele tem a certeza que pode colaborar com a democracia do Brasil afastando inelegibilidades políticas, como essas duas minhas que eu tive”, disse o ex-presidente, que adiantou que não daria “palpites ou sugestões” sobre como o aliado dos EUA poderia ajudar na sua situação judicial.

“Só a presença dele, o que ele quer, só ações. Não vai admitir certas pessoas pelo mundo perseguindo opositores, o que chama de lawfare, que ele sofreu lá. Grande semelhança entre ele e eu. Também sofreu atentado”.

Projetos contra o STF

No ano passado, deputados trumpistas apresentaram um projeto de lei visando cassar o visto americano de Moraes durante a briga pública entre o magistrado e Musk com a suspensão do X no Brasil após a plataforma descumprir decisões do Supremo.

Um segundo texto apresentado na Câmara dos Representantes dos EUA defendeu a mesma medida para todos os ministros do STF, o que tem sido encarado com ironia por Moraes.

“Quem vai ser o primeiro a perder o passaporte?”, disse Moraes a um colega do STF recentemente. O próprio ministro costuma priorizar viagens à Europa do que aos Estados Unidos – e já chegou a ser hostilizado por uma família do interior de São Paulo enquanto aguardava embarque no aeroporto internacional de Roma.

Essas proposições seguem à disposição, observa um bolsonarista, que lembra ainda que o Partido Republicano de Trump controla agora as duas Casas do Congresso, além da presidência.

Quem aposta em uma eventual ajuda do trumpismo conta com a influência de Elon Musk, que mergulhou de cabeça na campanha do agora presidente Trump e se tornou um dos aliados mais próximos durante a transição.

O bilionário sul-africano foi escalado para liderar o Departamento de Eficiência Governamental, que ambiciona reformar o sistema público americano, e contará com um gabinete próprio dentro da Casa Branca.

Musk bateu de frente com Moraes e já chamou o ministro de ditador e exigiu sua renúncia e prisão.

A briga, cujo pano de fundo são as decisões sigilosas do STF pela derrubada de conteúdos e perfis a pretexto de combater ataques contra a democracia e a desinformação, rendeu ao dono do X a inclusão dele no inquérito das milícias digitais e um procedimento aberto pela Polícia Federal (PF) para apurar seus ataques contra o magistrado.

O empresário, segundo relatos colhidos pela equipe do blog, tem Moraes como um inimigo pessoal e costuma se divertir com memes bolsonaristas em tom jocoso sobre a aparência física do ministro. Essa antipatia, avaliam, pode ser um recurso importante para convencer a administração Trump de pressionar o STF brasileiro.

‘Brasil não é prioridade’

A leitura de que Trump e Musk estão dispostos a capitanear uma ofensiva contra o STF como um todo, e contra Moraes em particular, no entanto, não é consenso entre parlamentares da oposição e ex-integrantes da administração bolsonarista.

“Na hora H ninguém consegue acessar o Trump”, afirmou um importante aliado de Bolsonaro que diz duvidar de qualquer gesto por parte do presidente americano com o bolsonarismo fora do poder. “Relações bilaterais se constroem com reciprocidade. Qual a contrapartida que Bolsonaro pode oferecer?”, completou, em referência ao fato de o ex-presidente não ter mais o poder sobre a máquina pública.

“Trump é próximo de Bolsonaro, mas a gente precisa separar as coisas. Ele vai governar olhando para os Estados Unidos. O Brasil não é prioridade”, concordou reservadamente um ex-ministro de Bolsonaro, que aposta em um outro tipo de abordagem: pressão por vias diplomáticas, como mobilizar a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil a procurar integrantes do Supremo para convencê-los a devolver o passaporte do ex-presidente.

No discurso de posse na Rotunda do Capitólio nesta segunda-feira, Trump não mencionou o Brasil.

Para outro aliado de Bolsonaro, que participou ativamente de sua campanha presidencial, a oposição no Brasil deve capitalizar a vitória de Trump, mas sem se iludir de que o republicano “vai fazer o dever de casa” para a direita nacional.

“O lema de Trump é America First. A importância do Brasil para qualquer presidente dos Estados Unidos é mais ‘opcional’ que ‘existencial’, como a relação com o México”, comenta.

“Pragmático que Trump é, ele valoriza mais um [Javier] Milei no poder do que um Bolsonaro que atualmente nem pode tirar passaporte. É preciso ter isso em mente, pois, se lembramos que o futuro presidente dos Estados Unidos já comemorou seus apertos de mão com o ditador da Coreia do Norte, não devemos nos surpreender se ele vier a adotar uma postura ‘negocial’ com Lula”.

Entre os que apostam em uma Casa Branca com as mãos estendidas para o bolsonarismo, é consenso que qualquer pressão ou medida dependerá de intenso diálogo entre aliados de Bolsonaro e o entorno de Donald Trump.

“A fase de composição do governo Trump foi muito caótica”, analisou um aliado de Bolsonaro. “A expectativa é boa, mas a gente tem etapas ainda a serem seguidas. Então vai ter que haver um processo com reuniões [com a administração Trump]”.

Relações próximas

Jair Bolsonaro e Donald Trump são aliados próximos e foram presidentes contemporâneos entre 2019, quando o brasileiro assumiu o poder, e 2021, quando o americano deixou a Casa Branca após a derrota para o democrata Joe Biden. Bolsonaro foi o último líder estrangeiro democrático a reconhecer a vitória de Biden diante das acusações infundadas de fraude eleitoral por parte de Trump.

Na eleição presidencial de 2022, o ex-presidente dos EUA gravou um vídeo pedindo voto pela reeleição do aliado do Brasil, que ficou conhecido nos EUA como o “Trump tropical”. Em novembro passado, Eduardo Bolsonaro acompanhou a apuração da eleição presidencial americana na seleta festa do candidato republicano, que acabaria vencendo a então vice-presidente, Kamala Harris, na Flórida.

Eduardo, articulador internacional do clã Bolsonaro e secretário de Relações Institucionais e Internacionais do PL, mantém relação direta com o filho mais velho do presidente, Donald Trump Jr., e congressistas trumpistas, além de outras lideranças de direita ao redor do mundo.

Deu em O Globo/Malu Gaspar
Ricardo Rosado de Holanda


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