Comércio 13/01/2025 18:46

Quanto valeria em dinheiro cada pedaço do seu corpo? Veja tabela

Surpreendentemente, nossa noção sobre isso não mudou muito ao longo da história humana, segundo estudo

Perder uma mão é pior do que perder um dedo?

Qualquer um responderia sim a essa pergunta, mesmo que atribuir valores a partes do corpo seja tabu em certas culturas.

E será que um dedão do pé vale mais que um dente molar? Algumas comparações são menos consensuais, mas um novo estudo indica que precificar partes do nosso corpo é algo tão intuitivo quanto antigo, e a “cotação” dos nossos membros e órgãos segue padrão similar ao longo da História.

A ideia de investigar a noção de valor que as pessoas têm sobre elementos funcionais de seus próprios corpos partiu de um trio de psicólogos liderados por Jaimie Krems, da Universidade da Califórnia em Los Angeles,nos EUA, que publicou suas descobertas na última sexta em um artigo na revista Science Advances.

Em um trabalho minucioso, o grupo conduziu duas grandes séries de entrevistas com voluntários americanos e indianos, e fez uma extensa pesquisa de literatura jurídica sobre pessoas mutiladas.

Peças de legislação que tratam de valorar braços, pernas, mãos e afins datam desde o século 17 antes de Cristo, quando o código de Hamurabi preconizou na Mesopotâmia uma série de punições para perpetradores de agressões (“olho por olho, dente por dente”). Mas foi na Idade Média que esses documentos começaram a ficar mais detalhados.

Krems e seus colegas Yunsuh Wee e Daniel Sznycer decidiram então tentar entender se dois documentos medievais desse tipo (um da Inglaterra e outro da Suécia) são de alguma medida comparáveis com documentos modernos. Para isso, usaram códigos de legislação trabalhista que preveem indenizações por ferimentos e mutilações em alguns países hoje.

Por fim, compararam os resultados de todos esses documentos e viram que, em aspectos gerais, a ordem de utilidade que as pessoas atribuem a seus órgãos continua a mesma.

Se um operário perder o dedo mindinho no estado americano de Indiana, por exemplo, a lei lhe dá direito a uma indenização de US$ 14 mil, independentemente de outros processos extras que a pessoa possa mover pelo acidente de trabalho. Já um polegar custa US$ 42 mil, e uma mão inteira US$ 164 mil.

Guardadas as proporções, esses valores são semelhantes ao que se pagava por esses órgãos na Inglaterra no ano 600 da era Cristã: um dedo mindinho valia 5,5 shillings, contra 10 de um polegar ou 30 para um braço inteiro.

E dentro de uma certa variação, o mesmo se verificou para países de culturas tão diferentes hoje, como a Coreia do Sul e os Emirados Árabes, também incluídos na pesquisa.

Mais do que os códigos legais, as entrevistas com voluntários levaram os pesquisadores a concluírem que a atribuição de um valor subjetivo a partes do nosso corpo é quase que uma capacidade inata, pois nos leva a proteger mais os órgãos e funções que se revelam mais indispensáveis para a vida.

“A concordância observada ao longo do tempo, do espaço e de níveis de expertise legal sugere que leis sobre danos corporais se originam de uma intuição compartilhada sobre o valor de partes do corpo”, afirmam Krems e seus coautores.

Sob essa perspectiva, nossa capacidade de valorar corpos é algo embutido na biologia de nossos cérebros, e não apenas algo que perdura por tradições culturais.

precificação do corpo — Foto: Editoria de arte
precificação do corpo — Foto: Editoria de arte

Natureza humana

Essa percepção inata pode ter servido, por exemplo, para animais criarem reflexos de proteção de algumas partes do corpo, priorizando a sua preservação, quando são atacados por predadores. Mas a intuição não se trata apenas disso.

“Valorar partes do corpo pode ter sido algo que nos desafiou ao longo do tempo e fez o cérebro criar mecanismos de avaliação com perguntas, fórmulas e respostas sob medida para resolver problemas adaptativos altamente específicos”, teoriza Krems.

Se a pesquisa histórica sobre indenizações a mutilados foi a parte mais curiosa (e mais tétrica) da pesquisa liderada pela psicóloga, o trabalho de entrevistas foi fundamental para ajudar a comprovar sua tese de que há algo de inato em nossa propensão a precificar o corpo.

Para realizar essa parte da pesquisa, a cientista aplicou questionários a mais de 600 voluntários, e cada uma das séries de perguntas abordava o valor de partes do corpo de maneira diferente.

Em algumas dessas questões, os cientistas pediam ao interlocutor para avaliar partes do corpo não em dinheiro, mas em medidas mais sentimentais.

Uma das abordagens era: “Se você perder determinada parte do seu corpo, e alguma pessoa for capaz de restaurá-la, quanta gratidão você sentiria?”. Outra era: “Se você perder determinada parte do seu corpo por causa de uma agressão, quanta raiva teria do agressor?”

No questionário pedindo para os voluntários leigos atribuírem valores monetários, Krems estabeleceu que cada um poderia estipular qualquer valor entre um mínimo de zero e um máximo de US$ 10 milhões para qualquer órgão.

O resultado dessa maneira de calibrar as percepções das pessoas foi uma tabela de preços médios bastante mais inflacionada em relação aos códigos legais de indenização, na qual a unha de um dedão do pé custaria US$ 2,2 milhões.

(Veja painel nesta página.) A ordem de valor de cada um dos órgãos e membros listados, porém, tinha alta correlação com o que aparecia nos códigos legais redigidos por “especialistas” em valorar o corpo humano.

A ordem de valores se manteve, com poucas exceções, quando os voluntários indianos foram submetidos aos questionários e fizeram suas cotações em rúpias, a moeda local de seu país.

Psicologia evolutiva

Assim como nos documentos jurídicos, o questionário dos cientistas incluiu também uma lista de faculdades físicas e psíquicas, como a visão, a audição, a saúde mental, etc. E mais questões foram aplicadas, perguntando às pessoas qual a “utilidade” de cada órgão que avaliavam, e os resultados eram sempre muito parecidos.

“O consenso observado no espaço e no tempo sugere a possibilidade de que as avaliações das partes do corpo sejam geradas por uma psicologia avaliativa evoluída que faz parte da natureza humana”, conclui Krems.

Como é comum acontecer em psicologia evolutiva, porém, os pesquisadores reconhecem que que há limitações nos resultados de seus estudos. Quando cientistas querem atribuir uma habilidade humana a um processo de seleção natural que ocorreu ao longo de dezenas ou centenas de milênios na pré-história, não é possível para eles voltar no tempo e entrevistar homens das cavernas.

Se por um lado a tese da psicóloga é difícil de provar, ela argumenta que intuições inatas e culturais não necessariamente precisam estar em choque.

“Vale a pena considerar uma visão alternativa à luz das nossas descobertas: há uma natureza humana rica e complexa, os humanos desenvolvem um conhecimento intuitivo sobre ela, e esse conhecimento constitui a base das instituições relevantes para danos corporais”, diz a cientista.

Deu em O Globo

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista