População 23/12/2024 18:30
Dados do IBGE mostram que quase a metade dos idosos no Rio divide teto com a solidão
Esse universo abrange 46% das pessoas como mais de 60 anos; prefeitura promete ampliar programas
O ano era 1967, terceiro ano da ditadura, o conservadorismo chegava com força ao interior do país. Em Campo Grande (MS), um jovem de 20 e poucos anos imaginava que a vida numa cidade como o Rio traria possibilidades de transformar seu sonho, de trabalhar com dança, em realidade.
E trouxe. Dois anos depois de servir ao Exército, Ivan Benitez, com 23, viajou 1.612 quilômetros, chegou à capital do Rio e, de primeira, passou para o Theatro Municipal.
O dom e a dedicação o levaram a ser contratado pelas TVs Tupi, Excelsior e Globo, onde integrou o balé de programas de grande audiência, entre eles os de Jô Soares.
Ivan vive sozinho desde que chegou à cidade e hoje, aos 80 anos, segue disciplinado com os exercícios, improvisando como pode: caminha por meia hora da sala ao quarto num apartamento de pouco mais de 30 metros quadrados na Glória e levanta pesinhos para fortalecer também os membros superiores.
Pela manhã, faz vitamina de maçã, banana e linhaça e tem um jeito resiliente de encarar o envelhecimento.
— Minha vida sempre foi boa. Só não ganhei muito dinheiro — ri o artista, que não se deixa alarmar nem pelos primeiros sinais de esquecimento — uma vizinha, que leva almoço e jantar para ele, crê que seja Alzheimer —, antes de contar que um de seus irmãos deve vir do Mato Grosso do Sul ao Rio no fim deste mês para vê-lo após décadas.
Ivan é uma das pessoas que compõem a multidão de mais de meio milhão de idosos que moram sozinhos no Rio numa população de 1,3 milhão acima dos 60 anos, segundo dados do IBGE. São 45,7% de indivíduos da terceira idade que não vivem com qualquer parente ou amigo, por opção ou não.
Ana Claudia Quintana Arantes, escritora e geriatra formada pela Universidade de São Paulo (USP), lembra que a tendência é que esses números cresçam e que as formas de vida impactem cada vez mais a independência.
— Tem pessoas que estão sozinhas porque a família está longe, e idosos que perderam companheiros e os filhos estão distantes, não têm condição de cuidar. Algo que ajuda muito a envelhecer saudavelmente é a prática de atividades físicas. Um professor de educação física ou um bailarino chegam bem aos 80, mas quem trabalha a vida inteira diante do computador pode não ter o mesmo futuro — frisa a médica. — E mesmo a independência tem um tempo. Se alguém adoece, só vai conseguir ter autocuidado e pagar contas se tiver alguém para ajudar.
A autonomia e a independência fazem parte do dia a dia de Helio Medina, de 89 anos, e, se depender dele, seguirão a perder de vista.
— Meu cardiologista diz que vou chegar aos 100 anos — orgulha-se o biólogo aposentado, que trata cuidadosamente de hipertensão desde os 32.
No Japão, onde uma em cada dez pessoas tem 80 anos ou mais, o governo implementa políticas públicas de diferentes vertentes. Entre as ações de assistência social, há uma iniciativa em que aposentados apadrinham idosos — há quem tenha uma lista de 50 idosos para supervisionar, o que inclui apenas ligar para saber se há algum problema de saúde ou se precisa ser acompanhado ao médico.
Há ainda uma política com o intuito de jovens formarem redes de apoio para os mais velhos, mirando o próprio futuro.
— O governo paga os jovens para eles fazerem companhia para idosos em troca de tempo de serviço. É como se fosse um investimento num tempo futuro. Daqui a alguns anos, quando esses jovens envelhecerem, também vão ter acesso a esse benefício, sem custo — diz a geriatra.
No Rio, a secretaria responsável por criar iniciativas para a população idosa é a de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida. Ainda longe de iniciativas como a de tempo de serviço entre jovens e idosos, a pasta tem como programas vigentes o Projeto Vida Ativa, de atividades físicas gratuitas, o Casas de Convivência, o 60+ Carioca (benefício a idosos vulneráveis) e o Mais Cidade (passeios a pontos turísticos).
Helio Medina é lembrado pelos amigos como “o ser humano mais gentil que já conheceram”. Ao caminhar na rua, logo presta atenção a quem possa estar precisando de ajuda. Não se sabe se a modéstia o impede de dizer que ser uma pessoa amigável pode tê-lo ajudado a chegar longe e, mesmo aos 89 anos, continuar a conquistar novos amigos. Para ele, o segredo de uma vida longeva é vencer adversidades:
— Comecei a trabalhar aos 14 anos como boy de um banco. Morava em Bonsucesso e trabalhava no Centro. Depois, passei num concurso para analista de laboratório, trabalhei também como professor, tive quatro filhos — conta ele, que ficou viúvo há mais de 50 anos depois que a mãe dos filhos foi vítima de um câncer de mama.
Aos 75, Helio chegou a tentar morar no Recreio dos Anciãos, na Tijuca, mas viu idosos chegarem com condições de saúde debilitadas e desanimou. Em seguida, foi convencido por uma amiga a morar num apartamento simples de temporada em Copacabana.
Atualmente, é lá que ele vive: sozinho dentro de casa, mas, fora dela, com “um milhão de amigos”, muitos dos quais conheceu no grupo de Assistência e Trabalho Social com Pessoas Idosas do Sesc de Copacabana.
— Uma amiga tem a chave da minha casa, e eu tenho a da dela, caso a gente tenha emergência. Meus filhos são bem atenciosos, mas estão em Jacarepaguá, na Tijuca, em São Paulo. Eles me ligam todo dia, já me chamaram para morar com eles. Eu é que não quis! Sempre mando mensagem de celular para eles de manhã para dizer que está tudo bem — garante.
Bairro com mais de 66 mil idosos, Campo Grande não tem espaços em que as pessoas nessa faixa etária possam cuidar da saúde física, mental e emocional como os ambientes públicos e privados de Copacabana ou da Tijuca, onde Seu Helio já morou.
Em resposta ao GLOBO, o secretário de Envelhecimento Saudável, Genário Simões, diz que a pasta criará novos centros:
— A atual gestão foi responsável por levar as Casas de Convivência para Guaratiba e Santa Cruz, além de Madureira. Nosso objetivo é seguir ampliando, trabalhando para levar novas casas para Campo Grande e Jacarepaguá.
Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade-Brasil, lembra que o Estatuto do Idoso faz um balanço entre a responsabilidade do Estado e das famílias no cuidado com pessoas da terceira idade:
— Mesmo alguém com Alzheimer deve ser ouvido e estar interagindo com o meio social. Estamos longe de ter atividades na comunidade em que as famílias possam ter um respiro. É difícil lidar com um paciente que está em declínio.
Deu em Extra
Descrição Jornalista
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