Comportamento 17/12/2024 15:45
Você se irrita ao ver alguém inquieto? Pode ser misocinesia
"Se eu vir alguém batendo os dedos em uma mesa, meu pensamento imediato é cortar os dedos da pessoa com uma faca", confidenciou um paciente anônimo a um pesquisador.
“Se eu vir alguém batendo os dedos em uma mesa, meu pensamento imediato é cortar os dedos da pessoa com uma faca”, confidenciou um paciente anônimo a um pesquisador.
“Quando vejo alguém fazendo movimentos repetitivos muito pequenos, como meu marido dobrando os dedos dos pés, me sinto fisicamente mal. Eu seguro, mas tenho vontade de vomitar”, afirmou outra.
Parece familiar? Se sim, talvez você também tenha uma condição chamada misocinesia — uma aversão à inquietação ou movimento diagnosticável.
Os cientistas estão se esforçando para entender mais sobre o fenômeno que, até o momento, não tem causa conhecida.
Na pesquisa mais recente, publicada na revista científica PLoS One, os especialistas realizaram entrevistas aprofundadas com 21 pessoas que fazem parte de um grupo de apoio às pessoas com misocinesia.
Os gatilhos mais comuns registrados foram os movimentos das pernas, das mãos ou dos pés — como balançar as coxas, mexer os dedos e arrastar os sapatos.
Clicar na caneta e enrolar o cabelo também foram identificados como gatilhos, embora não com a mesma frequência.
Muitas vezes, as pessoas relataram alguma sobreposição com outra condição mais conhecida, chamada misofonia — uma aversão intensa aos ruídos de outras pessoas, como a respiração pesada ou o barulho da mastigação.
É impossível saber exatamente quantas pessoas podem estar sofrendo de misocinesia. Um estudo canadense recente sugeriu que talvez um em cada três de nós possa ser afetado negativamente pela inquietação de outras pessoas, vivenciando sentimentos intensos de raiva, tortura e repulsa.
Conversei com Jane Gregory, psicóloga clínica da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que tem estudado e tratado tanto a misocinesia quanto a misofonia.
“As duas andam juntas com muita frequência. Muitas vezes, as pessoas têm as duas ao mesmo tempo”, diz ela à BBC News.
Embora não haja dados confiáveis, Gregory afirma que as condições são provavelmente surpreendentemente comuns.
“Obviamente, as pessoas têm vivenciado isso há muito tempo, mas simplesmente não havia um nome para isso.”
Segundo ela, a gravidade da aversão das pessoas à inquietação varia.
“Algumas pessoas podem ficar realmente incomodadas com a inquietação ou com movimentos repetitivos, mas isso não afeta muito a vida cotidiana”, diz ela.
Outros, no entanto, podem “ter uma reação emocional muito forte — raiva, pânico ou angústia — e simplesmente não conseguem filtrá-las”.
No trabalho de Gregory, ela tende a encontrar pessoas com sintomas mais extremos. Muitos são adultos que sofrem de misocinesia há anos, mas alguns estão no início da adolescência e vivenciando a condição pela primeira vez.
Andrea, de 62 anos, diz que desenvolveu misofonia e misocinesia aos 13 anos, mas que isso não foi reconhecido na época.
Uma de suas primeiras lembranças da condição é a de ter ficado angustiada com uma menina na escola que estava cutucando as unhas.
“A maior parte da misocinesia tende a focar nas mãos das pessoas — no que elas estão fazendo com as mãos e o que estão tocando”, explica.
Outro gatilho para ela é quando as pessoas cobrem parcialmente a boca com a mão enquanto falam — ela se esforça para ver, e sente que sua própria boca está ficando dolorida quando faz isso.
Andrea afirma que a raiva que ela sente é explosiva e instantânea.
“Não há nenhum processo racional nisso. Não há lógica. Simplesmente explode dentro de você, e é por isso que é tão angustiante.”
Ela me disse que tentou diferentes estratégias para gerenciar sua condição, mas não consegue bloqueá-la.
Agora, ela se protege da sociedade, morando sozinha e trabalhando de casa, e diz que toda a sua vida foi projetada para evitar as coisas que poderiam perturbá-la.
Andrea conta que tem muitos amigos que a apoiam, e que entendem que, às vezes, ela precisa mudar a forma como interage com eles.
“É mais fácil simplesmente se retirar. Tentar sobreviver. Você não pode ficar pedindo às outras pessoas que não façam as coisas.”
Ela explica que não culpa os outros por sua inquietação, e entende que a maioria das atitudes das pessoas não é intencional — e, sim, realizada pela força do hábito.
Andrea diz que compartilhar suas experiências com um grupo de apoio no Facebook tem sido de grande ajuda.
Jill, de 53 anos, é outro membro desse grupo. Ela relata que a misocinesia faz seu coração disparar.
“Qualquer coisa pode ser um gatilho para mim, desde balançar as pernas até a aparência e a forma como alguém segura o garfo.”
“Eu fico com raiva, muita raiva”, acrescenta. “Meu coração começa a bater muito rápido. É como uma [reação de] luta ou fuga.”
Julie, de 54 anos, diz que a principal sensação que tem por conta da misocinesia é a angústia.
“Outro dia, eu estava no ônibus, e havia uma senhora passando, e seus dois braços estavam balançando. Eu não conseguia tirar os olhos dela. Eu estava ficando muito ansiosa com isso, não com raiva.”
“São coisas bobas, como alguém que está preparando uma xícara de chá para mim, e pega o saquinho de chá e balança para cima e para baixo, para cima e para baixo, para cima e para baixo. Por quê?”
“Ou se alguém estiver sentado balançando a perna. Não consigo tirar os olhos. E, se eu desviar o olhar, tenho que olhar para trás para ver se a pessoa ainda está fazendo isso.”
Ela contou à BBC que a sensação desagradável que se segue pode consumi-la por horas.
“Não sou uma pessoa irritada. Isso só me faz sentir como se houvesse uma bola no meu estômago prestes a explodir. Não é raiva, é um sentimento interno de ansiedade.”
Julie afirma que não tem receio de pedir às pessoas que parem de fazer algo que ela está achando angustiante — mas, em vez disso, ela tende a se afastar.
Ela me diz que a misocinesia a deixa infeliz.
“Me faz internalizar isso. Não gosto de mim mesma por me sentir assim.”
Gregory destaca que a condição pode ser extremamente debilitante, e impedir que as pessoas se concentrem e façam coisas normais.
“Parte de seu cérebro está constantemente pensando nesse movimento”, ela explica.
“Imagens violentas podem surgir na cabeça delas. Eles querem agarrar a pessoa e forçá-la a parar… mesmo que não estejam irritadas em suas vidas normais.”
Com relação ao motivo pelo qual algumas pessoas são suscetíveis, Gregory diz que pode ser um instinto de sobrevivência básico intensificado, como um suricato atento ao perigo.
Ela compara a sensação com a de ver “alguém apressado à distância” ou “perceber passos atrás de você”.
“No caso de algumas pessoas, você não desliga mais. Seu cérebro está monitorando continuamente.”
Ela observa que, na vida moderna barulhenta e agitada, isso não é muito útil.
E se o gatilho continuar, a frustração e a raiva podem aumentar.
Para algumas pessoas, os hábitos de estranhos são os mais incômodos, enquanto para outras, são os de seus entes queridos.
Uma maneira comum de as pessoas tentarem controlar a condição é evitar olhar para a inquietação ou se distrair, diz Gregory.
Outros podem tentar evitar as pessoas por completo, na medida do possível.
Se houver apenas um gatilho visual isolado — como enrolar o cabelo —, a especialista afirma que, às vezes, é possível usar a terapia de reenquadramento (reframing) para ajudar a pessoa a ver a situação de uma forma mais positiva.
“Você pode olhar para aquilo deliberadamente, e criar uma nova história de fundo para explicar por que alguém está fazendo aquele movimento.”
Isso pode ajudar a reduzir a raiva e a ansiedade, segundo ela.
“Muitas pessoas se sentem realmente constrangidas ou envergonhadas por terem reações tão fortes”, acrescenta Gregory.
“Isso, por si só, pode ser um problema, porque suprimir suas emoções pode intensificá-las e piorá-las.”
Deu em BBC
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