Tecnologia 01/12/2024 11:11

Vai pedir comida ou consultar saldo? Na nova era da IA, apenas dê uma ordem ao celular

Tarefas cotidianas serão feitas sem abrir aplicativos. Smartphones que chegam a partir de 2025 terão habilidade de interagir com usuários

Primeiro, a inteligência artificial (IA) generativa permitiu criar resumos de texto, gerar imagens e traduzir conversas em tempo real durante videoconferências. Em seguida, ganharam espaço aplicações mais complexas, que podem atender clientes, gerenciar fluxos de produção ou ajudar a desenvolver produtos numa empresa.

É assim que, desde o lançamento do ChatGPT, há dois anos, que a IA generativa tem transformado a relação dos usuários com seus celulares e computadores. Agora, as gigantes globais da tecnologia prometem tornar essa tecnologia ainda mais integrada ao cotidiano.

Já em 2025, novos aparelhos dotados de superchips e ferramentas de IA para “conversar” com seus usuários chegam para abrir uma nova fase de desenvolvimento dessa tecnologia.

Na chamada IA multimodal, o usuário vai “falar” com o dispositivo sem a necessidade de abrir um aplicativo. Será possível, por exemplo, solicitar ao celular o saldo na conta bancária, marcar as férias ou encomendar o jantar sem ter de interagir com o app de banco, hospedagem ou delivery.

Bastará um comando de voz e a IA percorrerá sozinha os caminhos para cumprir a tarefa.

Na prática, segundo especialistas e empresas, a promessa é que a IA “entenda o contexto” usando todas as fontes de dados nos aparelhos, como informações capturadas em câmeras, GPS, microfones, carteiras digitais e apps já instalados para gerar respostas com baixo índice de erros.

Jesper Rhode, fundador da consultoria de tecnologia Tr4nsform, compara esse deslocamento da IA do software para o hardware a uma fábrica:

— Há dois anos, eram apenas pequenos blocos isolados em uma linha de montagem. Agora, essas unidades estão se conectando e formando uma linha de produção automatizada, permitindo que usuários e aparelhos tenham uma conversa natural, que vai sendo aperfeiçoada conforme o uso e o histórico das preferências.

E a inteligência artificial é o combustível. Você vai conversar com o celular e o computador e pedir o que quiser.

E a corrida entre as big techs está acelerada. A Apple, por exemplo, que anunciou recentemente o Apple Intelligence, sua plataforma de IA, iniciará neste mês a integração da Siri e das ferramentas de escrita do iPhone com o ChatGPT, permitindo que sua assistente virtual busque informações em e-mails e calendário, por exemplo.

Disponível em inglês inicialmente, a americana diz que a novidade terá outros idiomas, como o português, ao longo do próximo ano.

Info nas câmeras

Fabricantes de smartphones como Samsung, Xiaomi, Realme e Asus já deram pistas da próxima geração de dispositivos com IA após anunciarem parceria com a Qualcomm, que apresentou recentemente seu novo processador preparado para os desafios da nova tecnologia, o Snapdragon 8 Elite.

A nova IA na palma da mão vai permitir funções até agora restritas a filmes de ficção científica, como perguntar ao celular o significado de algo captado pela câmera em tempo real. Será possível, por exemplo, fotografar a conta de um restaurante e dividi-la proporcionalmente entre as pessoas à mesa.

— A IA generativa passa a ser personalizada e multimodal diretamente no dispositivo, permitindo a compreensão da fala, do contexto e das imagens para aprimorar tarefas de trabalho e lazer. Após o celular se tornar o novo computador, os aparelhos podem agora entender como os seres humanos se comunicam e a sua linguagem — diz Chris Patrick, vice-presidente sênior e gerente-geral de Aparelhos Móveis da Qualcomm. —

A IA permitirá aos dispositivos entender o ambiente ao redor, reconhecendo sons e espaços com precisão.

A Samsung deve anunciar em janeiro o S25 em parceria com Qualcomm e Google. Ao longo deste ano, a sul-coreana lançou o Galaxy AI, que ajudou a popularizar recursos generativos, como edição e criação de imagens, tradução de ligações e resumo de textos.

— A IA está mudando a forma como as pessoas se comunicam e se relacionam. E isso não apenas no celular, mas também em PCs e relógios com IA, tanto no próprio aparelho como na nuvem. Com essas soluções, começaremos a ver os benefícios da IA — afirma TM Roh, chefe global da Divisão de Dispositivos Móveis da Samsung.

As chinesas Xiaomi e a Realme já anunciaram no exterior de seus novos telefones com IA multimodal, o Xiaomi 15 e o Realme GT 7 Pro, respectivamente. A nova geração contará ainda com o 5G Advanced, que amplia a velocidade de conexão já alta do 5G atual.

Além dos smartphones, os fabricantes investem em notebooks integrando IA na unidade central de processamento (CPU) e no mecanismo gráfico (GPU) para proporcionar respostas mais rápidas e precisas. Alguns já são fabricados com teclas que acionam a IA diretamente.

Dell, por exemplo, apresentou recentemente o notebook Latitude 5455 com os novos recursos do Copilot+, da Microsoft. A máquina atinge até 45 trilhões de operações por segundo e sua bateria dura até 27 horas.

Rodrigo Nogueira, fundador da Maritaca IA e doutor em Ciência da Computação pela New York University (NYU), explica que as novidades só são possíveis graças à evolução do hardware, com aparelhos mais potentes e baterias de maior duração:

— Com mais capacidade, os aparelhos processam vídeos, fotos e fala de forma mais rápida. Isso vai permitir uma interação mais complexa com os aparelhos por voz, deixando a era do clique atrás de clique para trás. Esse movimento tende a ser cada vez mais rápido.

Dia a dia digitalizado

Muita gente já incorporou a IA generativa ao cotidiano e está pronta para começar a dialogar com seus aparelhos, uma vez que a principal interface da nova tecnologia é a linguagem. As arquitetas Luiza Sena e Carolina Montalvão consideram o celular e o tablet uma “extensão” de suas pranchetas.

Aderiram a aplicativos de IA que ajudam desde o esboço inicial até a apresentação final de um projeto ao cliente.

— Com um aplicativo, apontamos a câmera do celular para medir espaços e criar plantas diretamente, otimizando nosso tempo e diminuindo a necessidade de medições manuais. Com óculos de realidade virtual, os clientes conseguem, na própria obra, visualizar como tudo vai ficar. Permitem enxergar o projeto em escala real e caminhar virtualmente pelo espaço antes mesmo de a obra começar. A IA não substitui nossa visão como arquitetas, mas potencializa nosso trabalho — diz Luiza.

Foi essa mesma lógica que levou Fernando Brandão, fundador da sorveteria Sole Neve, a criar um sorvete com IA.

Ele conta que combinou a visão estratégica da marca com algoritmos que analisam preferências de mercado, combinações inusitadas e tendências de consumo. Assim, nasceu uma versão com cacau, castanha de caju caramelizada e rapadura, finalizada com geleia de pimenta dedo de moça.

— Deu certo. O novo produto ganhou a aprovação do público e foi para o cardápio das 200 lojas. Já usamos a IA para auxiliar no gerenciamento da empresa, utilizando assistentes para organizar compras, gerenciar fornecedores e otimizar processos internos —afirma Brandão, que trouxe o novo sabor para Copacabana, na Zona Sul do Rio, onde abriu a primeira loja carioca da rede.

As inovações dos dispositivos com IA vêm acompanhadas ainda de aprimoramentos nos sistemas de áudio e imagem. Os novos smartphones terão capacidade de converter qualquer imagem em 4K.

A câmera terá capacidade de adicionar mais luz apenas em pontos específicos da foto e do vídeo, como no rosto da pessoa enquadrada com a ajuda de algoritmos que mapeiam as imagens e dão respostas imediatas.

O zoom com qualidade está cada vez mais potente, chegando a 20 vezes. O GPS, por sua vez, ganha mais precisão e poderá antecipar os próximos movimentos dos usuários, aprimorando a conectividade.

Combinando todas essas novas funções, a Asus lança o Rog Phone 9, voltado para o público gamer. A IA multimodal vai permitir que as imagens dos jogos se apresentem bem realistas, reproduzidas em 3D.

Um dos diferenciais, diz Sascha Krohn, diretor de Marketing da Asus, é que os smartphones terão pela primeira vez uma CPU semelhante à de notebooks.

— Essas inovações ganharão tração em 2025. A adoção será rápida. Por outro lado, a IA é constantemente treinada e atualizada para melhorar a precisão das respostas em um cenário cercado de desafios. Há a necessidade de as big techs informarem como esses ecossistemas de IA são construídos. É importante que o usuário entenda até que ponto ele pode fornecer informações pessoais a essas plataformas — alerta Jesper Rhode, da consultoria de tecnologia Tr4nsform.

Deu em O Globo

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista