Preconceitos 21/11/2024 15:15

Maioria dos pretos diz ser vista com desconfiança em lojas, supermercados ou restaurantes, diz Datafolha

“Acho que vendo que estou com um aparelho mais caro, talvez tirem essa ideia de que vou roubar algo”, afirma o morador

Ao entrar em um estabelecimento, o operador de logística Flávio Caetano Anjos, 25, segura o celular na mão.

“Acho que vendo que estou com um aparelho mais caro, talvez tirem essa ideia de que vou roubar algo”, afirma o morador do município baiano de Feira de Santana, a 115 quilômetros de Salvador.

Anjos diz que, quando usava o cabelo no estilo black power, sentia diariamente olhares de medo em sua direção. Agora que mantém um corte de cabelo mais curto, ele sente a predominância da desconfiança nos olhares.

Assim como Anjos, a maioria dos pretos no Brasil diz já ter sentido olhares de desconfiança em lojas, restaurantes ou supermercados, segundo pesquisa Datafolha. O número corresponde a 58%. Entre pardos, o percentual é de 40%.

Entre os brancos, esse percentual cai para 26%.

No total, 39% dos brasileiros afirmam ter sido vistos com desconfiança nesses ambientes.

A pesquisa foi realizada entre os dias 5 e 7 de novembro de 2024 e tem um nível de confiança de 95%, com margem de erro geral de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Com relação à cor, a margem de erro é de cinco pontos para pretos, de quatro para brancos e de três para pardos. Foram entrevistadas 2.004 pessoas com 16 anos ou mais, em 113 municípios de todas as regiões do país.

Para Matheus Gato de Jesus, coordenador do Afro-Cebrap e professor de sociologia da Unicamp, a diferença nas respostas de pretos, pardos e brancos tem origem na experiência racial desses grupos.

“A percepção racial entre os negros, sobretudo pessoas pretas, é muito mais aguçada para as experiências. Penso que mais pessoas pretas estão relatando sentir esses olhares porque elas têm uma percepção específica do racismo, que difere dos pardos e dos brancos”, afirma.

Com relação à frequência com que percebem esses olhares, pessoas autodeclaradas pretas também se destacaram. Para 29% delas, essas situações acontecem sempre ou às vezes -outros 29% apontam que os casos ocorrem raramente.

Entre os entrevistados pardos, 16% apontaram que sentiram olhares de desconfiança sempre ou às vezes.

O índice cai para 10% entre autodeclarados brancos.

De acordo com o pesquisador, o racismo brasileiro impede que negros sejam percebidos como pessoas da classe média e alta. “Ou seja, elas não são vistas como agentes plenamente consumidores. E consumir não é simplesmente ter dinheiro para comprar, é ter o status suficiente para exibir determinadas marcas”, afirmou.

Entre pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos, 42% dizem já ter sentido um olhar de desconfiança em lojas, restaurantes ou supermercados, ante 38% na faixa de renda de 2 a 5 salários.

O percentual é de 30% entre quem tem renda superior a cinco salários mínimos. Nesse estrato, as margens de erro variam de 3 a 7 pontos para mais ou para menos.

O especialista afirma que, a partir da determinação dos grupos socialmente autorizados a frequentar determinados ambientes, há um processo de constrangimento dos indivíduos tidos como externos.

“Boa parte dos brancos que se declaram vigiados, em situação semelhante às dos negros, são pobres”, diz.

O levantamento também perguntou aos entrevistados se já passaram por situações em que as pessoas na rua aparentavam estar com medo deles. Entre os pretos, 29% afirmaram que já tiveram a sensação de causar medo enquanto andavam pela rua. Já entre os pardos foram 16%, enquanto apenas 9% dos brancos disseram ter tido essa impressão.

Com relação à frequência, 15% dos pretos dizem passar por isso sempre ou às vezes, frente a 8% dos pardos e 4% dos brancos.

Quando se analisa apenas o recorte de gênero, mais homens (25%) dizem ter sentido que alguém na rua teve medo deles do que mulheres (8%).

De acordo com Jesus, isso acontece porque a representação sobre o corpo negro no espaço público o entende como alguém que pode violar algo. “O corpo negro masculino é visto como um corpo perigoso.

O ditado diz que ‘preto parado é suspeito, correndo é bandido’. Existe uma conexão entre juízo de beleza e juízo de valor: esse conjunto de representações negativas também se alimenta esteticamente”, diz.

Segundo o especialista, as ferramentas usadas para intimidar são a hipervigilância e a truculência, que se dão por meio do uso excessivo de câmeras, perseguição por seguranças e até violência.

Perguntados se já foram seguidos por um segurança em loja ou supermercado, 36% dos entrevistados autodeclarados pretos disseram que já aconteceu (18% sempre ou às vezes).

Entre os pardos, foram 21% (7% sempre ou às vezes), enquanto entre os brancos esse número cai para 13% (3% sempre ou às vezes).

De acordo com Sara Eugênnia, advogada especialista em direitos humanos e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Goiás), casos de discriminação são enquadrados na Lei do Racismo e podem ser denunciados em delegacias, no Ministério Público, na Comissão de Direitos Humanos da OAB e na Defensoria Pública de sua cidade.

Por ser imprescritível, o crime de racismo pode ser denunciado mesmo anos depois de ter acontecido.

“A grande questão que eu vejo é a dificuldade de provar que isso aconteceu. Então, se estiver sendo seguida por um segurança, por exemplo, tente obter provas antes de tomar alguma atitude de enfrentamento. Vale gravar com o celular, conversar com pessoas próximas que podem ser testemunhas, anotar o horário. Tudo isso contribui para que o processo avance”, afirma a advogada.

Deu em Jornal de Brasília
Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista